Apesar da igualdade de género, as mulheres continuam a merecer precedência em quase tudo. Por isso os resultados do referendo que decidirá se poderão ou não candidatar-se a sócias do Royal & Ancient Golf Club of St Andrews, R&A, irão ser anunciados cerca das 19 horas de hoje, doze horas antes de ser possível conhecer o resultado dos votos para a independência da Escócia, o que vai acontecer somente lá para as sete da manhã de amanhã, sexta.
A única identificação usada pelos cerca de 2.500 sócios do R&A em St Andrews e em todo o mundo, não é um cartão com fotografia, é apenas uma gravata com pequenas representações de Santo André e da sua Cruz, bordadas a seda branca sobre fundo azul escuro, também de seda. Ninguém duvida que apenas os sócios têm o direito de a usar. E basta a gravata para, hoje às 18 horas, se poderem apresentar no “Business Meeting” anual do R&A e aí se manifestarem se, “YES” ou “NO”, as mulheres vão abalar a história do clube. Sem a presença de público nem dos media, e num ambiente de sóbria tensão, vão conhecer o veredicto final. A importância do voto das mulheres brilha alto nas sondagens dando uns confortáveis 16 pontos de vantagem ao voto do NO, Better Together. Suspeito que o voto no referendo do R&A possa ser sensível a essa generosidade.
A maioria dos sócios presentes será britânica. Mas haverá muitos sócios vindos de uns vinte países que não alteraram a sua rotina de todos os anos. Chegam como sempre em Setembro a estas paragens, vindos de longínquas terras para participar no Autumn Meeting. Ao longo de três semanas este abarca numerosas competições de golfe, jantares formais, reuniões dos órgãos do clube (incluindo a do Wine Committee), o Business Meeting anual e o admirável Annual Dinner, que encerrará todo este rodopio na sexta-feira. Apesar de o voto secreto já ter sido formulado pelo correio, pela internet e em pessoa, o número de sócios que se prevê estarem presentes no Business Meeting deverá exceder muito a media habitual.
Para mostrar o nordeste da Escócia a um chileno que acaba de ser admitido como sócio do R&A, fui a Aberdeen, a cerca de 130 quilómetros de St Andrews. Prolongando o passeio, não resisti em ir a Strichen, um pouco mais a Norte, visitar a terra onde, num moinho convertido em casa de habitação, vive Alex Salmond, o cérebro deste demencial referendo pela independência da Escócia. Não sei se por coincidência, a pequena aldeia de Strichen, com apenas 1.200 habitantes, também é a terra de Dennis Andrew Nilsen, assassino em série e necrofilíaco que, nascido em 1945, se encontra agora em prisão perpétua, depois de ter liquidado 20 jovens entre 1978 e 1983. Com estes dois exemplos de cidadania talvez não seja por acaso que em Strichen me deparei com os poucos cartazes do NO, Better Together que por ali se atrevem a emergir, embrulhados em arame farpado.
Poucos poderiam pensar que este furacão do “YES” foi imaginado naquela pequena aldeia do nordeste da Escócia. E ninguém diria que iríamos chegar a este ponto, e que a campanha do “YES” prevê 35.000 activistas que durante o dia de hoje vão procurar contactar 1.500.000 votantes a caminho das urnas. E nas últimas 48 horas o NO, Better Together fez 50.000 chamadas telefónicas a promover a sua causa. Mas não devem conseguir contar com mais de 25.000 activistas para influenciar o voto a seu favor.
Nesta aflição, aflora com brilho a inteligência a vasta cultura, assim como a dialéctica e a retórica das dezenas de académicos, intelectuais, políticos, etc., que têm intervindo neste debate “YES-NO” pela independência da Escócia, tanto de uma facção, como da outra. A riqueza e o rigor dos debates e das intervenções mais significativos tem sido exemplar.
Ontem, sem ter um papel ou um video-cábula, Gordon Brown, o ex-Primeiro Ministro Britânico trabalhista que foi arrasado pelo actual conservador, David Cameron nas últimas eleições gerais no Reino Unido, esteve com a fasquia da sua qualidade intelectual e política a alto nível. Chega, aliás, a comover, ver políticos dos partidos de referência, normalmente envolvidos em paixões de sinal tão contrário, racional e emocionalmente unidos como uma pinha quando os esteios da União entram em risco de sossobro. Foi assim com a Guerra das Ilhas Falkland (Malvinas, para os Argentinos) e é agora ante o cenário do colapso face à possível secessão da Escócia.
A poderosa intervenção de Gordon Brown soube a Vinho do Porto Vintage. Brown teve corpo, aroma, espessura, consistência, vigor, extensão, e vai sobreviver no palato dos votantes durante muito tempo. Alegando a minada e letal ratoeira económica montada na argumentação independentista de Salmond, Gordon Brown demonstrou que, uma vez ratado o queijo tentador, e já dentro da caixa envenenada, os escoceses jamais voltarão a poder sair. Tal como Lady Macbeth de Shakespeare, Brown avisou, em tom dramático: “What is done, is done”.
Uma grande preocupação vai emergir na madrugada de hoje. Milhares de pubs vão ficar abertos até de manhã. Com os temperamentos em ebulição, os escoceses, que são pouco contidos quando lhes dá para beber, irão certamente tirar partido do bar aberto. Ao longo de uma noite ansiosa corre-se assim o risco real de violência. E a polícia avisa que, se o “NO” ganhar, as casas, empresas, propriedades agrícolas, etc, com o cartaz NO afixado, correm o risco de serem vandalizadas. Ninguém conseguiu persuadir os taberneiros a fecharem os seus estabelecimentos às horas habituais nesta noite de 18 para 19.
Mas não há temporal que não dê em expectativa de bonança. Apesar de as últimas sondagens darem 52% para o “NO”, e 48% para o YES, e de ainda haver 172.000 indecisos que podem mudar a agulha para qualquer um dos lados, ontem à tarde, a probabilidade média entre os corretores de apostas de que o No, Better Together ganhe era de 83,3%. Será esse o mundo real? Uma das maiores apostas recebidas pela corretora Ladbrokes foi de 200.000 libras, e a favor no “NO”.
Mas quantas vezes é que os cavalos favoritos acabam por perder? Uma análise das redes sociais que mostra o YES três vezes mais activo que o NO no Twitter e no Facebook, indica que os independentistas podem ganhar.
Messieurs, Mesdames, les jeux sont faits, faites vos jeux.