O coordenador da comissão responsável pela reforma da Justiça em Angola criticou o modelo de reorganização judiciária em curso em Portugal, considerando que levou a uma situação de anarquia no país. “O que se está a passar lá [em Portugal] é o exemplo do que não deve ser feito num processo de reforma da Justiça. Isto é, mudaram de mapa judiciário, de organização judiciária, e fizeram o corte. A partir do dia x estes tribunais não funcionam, só funcionam os novos tribunais. Só que sem um período de transição”, disse o juiz Raul Araújo, durante a apresentação da proposta da Lei de Organização Judiciária em Angola, prevendo a criação de 60 tribunais de comarca.
A proposta, a aprovar na Assembleia Nacional este ano, entra em vigor a 1 de março de 2015 para um período de experimentação, o que explica a comparação feita com as alterações no modelo português, introduzidas no início deste mês. “A anarquia que se implementou naquele país [Portugal]! Também é bom nós falarmos nisso, porque eles estão sempre a criticar os nossos erros, a realçarem a incompetência dos angolanos e não só. Tudo o que é do sul é incompetente; quando é mais do norte, mais competente é”, afirmou.
Ao contrário da reorganização portuguesa, com o encerramento de tribunais, o modelo angolano prevê o “alargamento da rede”, para “tornar a Justiça geograficamente mais próxima” da população, assumindo essa ampliação como “fator de desenvolvimento” do interior. Na prática, os 18 tribunais provinciais, que julgam “sobre todas as matérias”, vão dar lugar – tal como os municipais – a 60 tribunais de comarca de competência genérica de primeira instância, agregando mais do que um município, com “possibilidade de desdobramento em salas de competência especializada ou de pequenas causas”. Por exemplo, na capital deixará de existir o Tribunal Provincial de Luanda, passando a funcionar quatro de comarca, em Luanda, Cacuaco, Viana e Belas. “O sistema prevê a existência de um regime experimental. Nós pensamos que o êxito de todo esse sistema vai depender de uma fase de experimentação”, defendeu o coordenador da CRJD, acrescentando que a total implementação deverá acontecer até 2021. “A vida mostra-nos que fazer mudanças repentinas, pela via da rotura, nunca dá bons resultados”, disse ainda, referindo-se ao caso português e às dificuldades sentidas nos tribunais nacionais.
No modelo angolano serão ainda criadas cinco regiões judiciais, com um tribunal da Relação próprio, abrangendo as províncias de Luanda (sede), Bengo e Cuanza Norte (Região I); Cabinda (sede), Uíge e Zaire (Região II); Benguela (sede), Bié, Cuanza Sul e Huambo (Região III); Huíla (Sede), Cuando Cubango, Cunene e Namibe (Região IV); e Lunda Sul (sede), Lunda Norte, Malanje e Moxico (Região V). Mantêm-se as províncias judiciais, que correspondem à divisão político-administrativa do país, e o Tribunal Supremo como última instância de recurso da jurisdição comum. “Para as pessoas não terem de andar tantos quilómetros para resolverem os seus problemas”, defendeu o juiz Raul Araújo, a propósito do novo mapa. Esta reorganização prevê ainda a independência financeira dos tribunais, o que obrigará à criação de unidades de gestão para cada uma das 18 províncias.