Deixaram a Roménia movidos por promessas de trabalho e de um salário ao final do mês. Mas, já em Portugal, viram-se obrigados a manter-se em cativeiro num local sem condições e sem um euro pelo trabalho prestado ao longo de várias horas por dia. Os seis romenos, quatro homens e duas mulheres, que andaram a circular como “mercadoria” entre vários elementos de uma mesma família, conseguiram ser salvos pela Polícia Judiciária em junho deste ano. Mas ainda há quem seja vítima destas redes de exploração laboral e não consiga libertar-se.
No Dia Europeu Contra o Tráfico de Seres Humanos, que se assinala esta sexta-feira, o Governo lança uma campanha para encorajar estas vítimas a queixarem-se. Quer mostrar-lhes que há esperança e que existem soluções. “Escolhemos o tema da exploração laboral porque foi o que mais casos registou em 2013”, disse ao Observador a secretária de estado dos Assuntos Parlamentares e da Igualdade, Teresa Morais.
Em 2013, foram sinalizados mais casos de tráfico de seres humanos que no ano anterior. Segundo o Relatório Anual de Segurança Interna, enquanto em 2012 foram sinalizadas 125 alegadas vítimas, em 2013 foram 308. Só nove foram sinalizados no estrangeiro e referiam-se a cidadãos portugueses, todos os outros estavam em território português.
A maior parte dos casos (198), segundo aquele documento, relaciona-se com a exploração laboral – 185 das quais na agricultura “maioritariamente na zona do Alentejo na apanha da azeitona”.
Os números alarmantes levaram a que, este ano, a campanha contra o tráfico de seres humanos incidisse sobre a exploração laboral. Composta por anúncios na televisão e na rádio (que os meios de comunicação aceitaram gratuitamente) que indicam às vítimas onde se devem dirigir para se libertarem do trabalho escravo, a campanha será lançada esta tarde de sexta-feira no aeroporto. Vão ser distribuídos panfletos em seis línguas, cinco além do português.
“Cuidado para terem cuidado para não se deixarem apanhar nestas redes, há uma linha para ligar em caso de emergência e números de organizações como o Observatório do Trafico de Seres Humanos. A campanha está focada nisto, de que as pessoas devem ter cautela. Esta campanha teve a colaboração do apresentador Jorge Gabriel e da Mariana Monteiro”, explica a governante.
Segundo Teresa Morais, a maior parte dos processos em investigação refere-se a cidadãos romenos, nigerianos e guineenses que foram incentivados a viajar até Portugal para trabalhar. “Há redes internacionais a operarem em vários países”, denuncia. Aliás, dos casos sinalizados, as autoridades confirmaram 45 vítimas – 33 homens e 12 mulheres – para exploração sexual. Há ainda casos em investigação.
As autoridades já traçaram rotas de passagem destas redes e concluíram que Portugal “é um país de origem, trânsito e destino”. Os últimos números, alerta Teresa Morais, “até mostram que está cada vez mais a tornar-se um destino, mesmo com a crise económica”
Associações são ajudadas, mas magistratura ainda não condena…
Um dia antes do lançamento da campanha, o Governo aproveitou o dinheiro dos jogos sociais da Santa Casa da Misericórdia para atribuir a duas associações que se dedicam a proteger estas vítimas. Foram 380 mil euros que deverão chegar às contas da Associação Para o Planeamento da Família e da Associação Saúde em Português.
Mas não chega. O Governo está a formar inspetores-gerais do Trabalho para que também eles passem a estar sensíveis a este tema.
“Esta realidade nem sempre está à vista. É uma criminalidade muito oculta e muito clandestina. É muito importante que estes profissionais estejam atentos a pequenos sinais nas inspeções que fazem”, diz Teresa Morais.
A secretária de Estado gostaria que também os magistrados estivessem mais sensibilizados para o tema. E cita as últimas estatísticas da Justiça que indicam que, em 2012, foram abertos 38 processos por tráfico humano e só seis pessoas foram condenadas.
“Há uma baixa taxa de acusação e ainda mais baixa de condenação. A investigação acaba por se desviar para crimes como o lenocínio, auxilio à imigração ilegal. E com penas menores. Mas não é um problema exclusivamente português”, garante a secretária de Estado.
A campanha “Apanhados no Tráfico” dá, assim, cumprimento a uma das medidas previstas no III Plano Nacional de Prevenção e Combate ao Tráfico de Seres Humanos.