A alteração é de 2007 e juntou, num só artigo da lei, o tráfico de seres humanos para exploração sexual com o tráfico humano para fins laborais ou para extração de órgãos. O que se pretendia com o alargamento da lei, imposto pelo direito internacional, era dar um golpe nas associações criminosas que se dedicam a este tipo de crime. Mas, segundo a diretora do Departamento de Investigação e Ação Penal (DIAP), há qualquer coisa que está a “falhar”. É que, desde então, existem apenas dois processos em que houve condenação efetiva por tráfico de seres humanos, um em 2009 e outro em 2014.
A questão foi levantada logo a seguir à intervenção do secretário de estado da Administração Interna, João Almeida, que falou num aumento de 200% de situações de tráfico humano detectadas por Organizações Não Governamentais, entre 2012 e 2013. O governante foi convidado a abrir o ciclo de conferências promovido pelo Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) – dedicado ao tema “Tráfico de Pessoas e Criminalidade Transnacional”, no ISCSP, em Lisboa.
“A jurisprudência está desajustada da realidade. Até ao dia de hoje há duas condenações por tráfico de seres humanos. O que está a falhar?”, interrogou. Segundo a magistrada, as próprias decisões dos tribunais têm influenciado a investigação criminal. E o Ministério Público (MP) acaba por contornar a absolvição, optando pela acusação por crimes de associação criminosa e auxílio à imigração ilegal.
“Temos uma jurisprudência que exige provas de transporte, identificação das pessoas transportadas, a ligação entre todas as vítimas, que muitas vezes não são encontradas…”, disse. “Quase que tínhamos que ter os bilhetes de transporte das vítimas para conseguir provar o crime”.
O problema, diz, é que a formulação do próprio artigo na lei “é fechada”. “A legislação não é uma varinha mágica. Mas sou a favor de uma previsão penal mais aberta, como a do tráfico de droga”, exigindo uma”previsão legal mais correspondente à ameaça”. A par de uma mudança na exigência da lei, a magistrada voltou a criticar a falta de cooperação entre as forças e serviços de segurança, e entre estas forças e serviços e o MP.
“Internamente há muitas quintas e não há cooperação. Esse é o problema que temos dentro fronteiras”, atira. “É mais fácil trabalhar com as entidades estrangeiras”.
A juntar à necessidade de cooperação entre as polícias, o diretor da Unidade Nacional de Combate ao Terrorismo da PJ, Luís Neves, juntou outra: o estatuto de arrependido. Luís Neves afirma que tem estudado sistemas jurídicos de outros Países, onde os suspeitos que colaboram com as autoridades ganham um estatuto especial e são beneficiados na pena. “Nenhum de nós, investigadores e funcionários do Estado, pode prometer algo a um indivíduo. Se houver um arrependido, pode ser o único condenado no processo”.
“O tráfico de seres humanos é um fenómeno opaco, de dimensão internacional, organizado e de violência oculta extrema”, descreveu Maria José Morgado. Luís Neves falou nas formas e nas dificuldades de penetrar nestas organizações criminosas. Segundo o Relatório Anual de Segurança Interna, no ano passado estavam a ser investigados seis processos por tráfico de seres humanos.