A Organização Mundial de Saúde (OMS) assumiu ter falhado na resposta ao ébola, levando demasiado tempo a agir. Num documento interno a que a Associated Press (AP) teve acesso, a OMS atribui responsabilidades aos representantes regionais, que “não prestam contas à direção” e diz que os especialistas deviam ter percebido que os métodos tradicionais de conter as doenças infecciosas não iriam funcionar numa região onde as fronteiras são porosas e os sistemas de saúde não funcionam.

“Quase todos os que estavam envolvidos não conseguiram ver o que se aproximava”, pode ler-se no documento da OMS segundo a AP. “A tempestade perfeita estava em preparação, prestes a rebentar com toda a força”.

Uma das situações mais graves registadas em África, de acordo com a OMS, aconteceu quando um dos diretores da delegação da organização na Guiné-Conacri recusou ajudar um especialista em ébola a obter um visto para poder entrar no país. Para além disso, houve entraves administrativos que dificultaram a chegada ao país de 500 mil dólares (cerca de 392 mil euros) de ajuda internacional.

O documento a que a AP teve acesso não foi publicado, mas a agência noticiosa teve informações de que isso viria a acontecer. Na sexta-feira, a OMS voltou atrás e disse à AP num e-mail que o relatório não seria divulgado publicamente. A organização promete que irá publicar um relatório detalhado sobre a resposta à crise do ébola assim que o surto termine. “Agora o nosso objetivo passa por salvar vidas. Não podemos dedicar os nossos recursos a fazer uma análise detalhada da forma de atuação. Isso será feito quando o surto estiver ultrapassado”, disse a OMS numa nota enviada a algumas redações, escreve o El País.

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Peter Piot, o investigador belga que foi uma das pessoas responsáveis pela descoberta do vírus do ébola, disse numa entrevista que a OMS agiu de forma muito lenta, o que se deveu, em grande parte, aos problemas da sua delegação em África. Piot pensa que a epidemia podia ter sido evitada.

“A delegação regional em África está na linha da frente e eles não fizeram nada. Essa delegação não é competente”, disse Piot, que também não consegue compreender por que razão a OMS levou cinco meses a declarar uma emergência médica internacional, depois de a doença ter feito 1000 mortos. “Pedi que o estado de emergência fosse declarado em julho e que fossem enviadas operações militares para o terreno”, continuou o investigador. Para Piot, a OMS pode ter tentado agir com cautela devido às críticas de alarmismo de que foi alvo em 2009 durante o surto de gripe dos porcos.

O surto de ébola já foi responsável pela morte de 4546 pessoas na África ocidental e por um total de 9191 casos diagnosticados. Se não forem tomadas medidas para conter o contágio, a Organização Mundial de Saúde avisa que poderá haver 10 mil novos casos por semana.

Para além da OMS, outras organizações estão debaixo de fogo devido à resposta ao ébola. Como escreve o El País, na quinta-feira os ministros da Saúde da União Europeia estiveram reunidos com a Comissão Europeia para abordar a situação, mas a reunião terminou sem que tivessem sido tomadas medidas concretas de atuação.

O Centro de Controlo e Prevenção de Doenças europeu (ECDC) está a ser criticado. Países como a França e o Reino Unido desobedeceram às indicações do ECDC que considerou inútil controlar a temperatura dos viajantes que estiveram em países afetados pelo ébola e estão a fazê-lo. O CDC norte-americano também está a ser questionado depois de duas enfermeiras terem sido contaminadas no Dallas depois de darem assistência médica a um doente liberiano contaminado com o vírus. Uma dessas profissionais de saúde pediu ao CDC autorização para viajar de avião e não foi impedida de o fazer, apesar de apresentar febre e estar a ser monitorizada devido ao contacto com o Thomas Duncan, o liberiano que acabou por morrer nos EUA.