Naquela manhã de um dos primeiros dias deste novembro, dois indivíduos do sexo feminino, em avançado estado de gravidez, foram admitidos sem pestanejar, fruto da sua condição urgente, ao culminar do nono mês de gestação. Um ainda ficou a trabalhar o parto no bloco. O outro pariu de imediato o robot mais recém-nascido do Centro de Simulação Biomédica do ICBAS.

O pequeno bebé-robot, em termos de treino médico, não serve para grande coisa, mas serve para alguma coisa e alguma coisa, sendo a saúde o assunto, pode fazer toda a diferença. “Dá para detetar sinais vitais, verificar a frequência cardíaca e a temperatura”, explica a Dra. Eduarda Amadeu, médica assistente, graduada em anestesiologia e responsável pelo Centro Biomédico de Simulação do ICBAS/CHP. A “mãe”, o modelo SimMom, é um dos mais avançados simuladores de partos do mundo. Pode ser ajustado pelos instrutores, de acordo com o grau de conhecimento do aluno, do caloiro ao finalista. Permite o treino de decisões rápidas.

Simular, errar, aprender, evoluir

Todos os verbos acima mencionados, à exceção daquele que vem com o erro, requerem o seu próprio tempo de maturação.

Mesmo ao lado do bloco operatório, está instalada a central de controlo, que é, nada mais nada menos, do que uma régie, equipada com software desenvolvido especificamente para o Centro de Simulação Biomédica e com dispositivos de áudio e vídeo.

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O processo não foge muito desta realidade: o professor fica ao leme do robot, é ele quem introduz sintomas no boneco como quem faz perguntas. As respostas são dadas pelos alunos, enquanto observam o paciente virtual e se apoiam, tanto na reação dele, como nos monitores de sinais vitais.

É sempre assim: a “mensagem” do avaliador parte do teclado de um computador, “entra” no corpo de um boneco robotizado e vai à procura do aluno, para que ele resolva o problema. É aí que o aluno põe em prática todos os livros e desafia todos os momentos de aprendizagem do curso.

No caso anterior, o dois dois robots, dos dois indivíduos do sexo feminino, todos os obstáculos partiram das ordens fornecidas pelo professor e foram reproduzidas ao detalhe pelo software, fossem elas um grito ou uma súbita alteração respiratória. Por estas ou por outras dores de parto, há-de nascer um médico mais bem preparado.

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É esperado que esteja cada doente no seu lugar, cada instrumento cirúrgico bem afinado e às ordens, cada médico em cima do acontecimento. E está. Tudo está como deve ser, à disposição de um novo turno de alunos. Nunca serão menos de doze, nunca serão mais de quinze, todos frequentam o mestrado integrado em medicina.

Não foi ainda dito, e é de toda a relevância para as próximas linhas, que o bloco operatório do Centro de Simulação só permite a presença de dois alunos por cada vaga de “aprendizes”. Os restantes, que poderão ser entre dez e treze, consoante as turmas, aguardam na sala de briefing.

O espaço, apesar de ter vista direta de bloco operatório, através de um janelão, está equipado com uma tela e nessa tela é projectada a toda intervenção dos colegas de curso. Tudo o que se passa no bloco é filmado. No fim, discute-se o filme em conjunto. Desta vez calhou um doente com problemas pulmonares.

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O boneco, um avançado modelo SimMan 3G, é um doente muito parecido com o paciente real. Fala, respira, pestaneja, grita. E foi salvo! Os alunos, atentos aos sinais de dificuldade respiratória, fizeram a oxigenação, recuperaram os parâmetros normais.

Mediante os níveis de formação, maiores são os desafios lançados: “o objectivo não é que ganhem medo, mas que fiquem à vontade. O lugar para cometer erros é aqui. Eles aqui podem repetir as situações. Podemos depois falar, discutir o que esteve bem e o que esteve mal. E depois vamos repetir”, lembra Eduarda Amadeu, responsável pelo Centro Biomédico de Simulação.

Sobre o já referido paciente SimMan 3G, algo mais há a dizer. Reconhece os medicamentos, dizem que é fácil de operar, vem com sintomas neurológicos e fisiológicos. É um facilitador muito realista do treino de emergências médicas.

Entretanto, na sala de competências técnicas

Estão em curso manobras invasivas e como tal todo o cuidado é pouco. À mínima distração pode acontecer um lábio cortado, já aconteceu, pode partir um doente, por acaso ainda não aconteceu, ou podem os alunos rasgar a pele do boneco, já aconteceu. Mas dantes, dantes não havia nada disto, quem o diz é Eduarda Amadeu, senhora de uma margem de erro muito mais apertada: ” no meu tempo não apanhei nada disto, foi em doentes. Faz parte da evolução. Pratica-se primeiro nos bonecos e só depois vamos para o doente. Quando se chega ao doente, já se fez aquele gesto antes, o que torna tudo mais seguro. A pessoa fica mais à vontade, já se deparou com aquela situação antes. O básico eles aprendem aqui”.

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Este ensino, básico para quem estuda para salvar (prolongar) vidas, uma espécie de volta ao corpo humano, é feito de etapas planas, mas também tem os seus contra-relógios e as suas montanhas de primeira categoria.

O pelotão de alunos do mestrado integrado em medicina encara as etapas de entubação e ventilação, executa o treino de dificuldades respiratórias. Primeiro convém ventilar. Depois entubar, se for preciso. Aqui, na sala de competências básicas, o doente não se queixa, porque os manequins são básicos. É aqui, nesta sala e neste processo de entubação, que podem partir os dentes ou rasgar os lábios. Alguns têm os lábios rasgados. A alguns já foi preciso substituir a pele, “porque provavelmente passaram o tubo no sítio errado. É melhor fazer no boneco, gastar dinheiro, substituir as peças”, responde, com desportivismo, e assumindo o erro como mal necessário, a médica responsável pelo Centro Biomédico de Simulação.

Para cada situação, um boneco diferente. O próximo exibe uma tatuagem olímpica desnorteada. Os anéis desenhados caem ao longo do peito e ao longo das costas, mas com o seu sentido específico, o da auscultação: “ensina e sistematiza os locais para a auscultação. Indica onde os manequins têm os altifalantes, onde têm o som. Se puser aqui, o médico não ouve nada, mas se fizer assim no doente também não vai ouvir nada, ou ouve mal, porque tem a omoplata”.

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De exemplo prático em exemplo prático, a medicina evolui e o seu ensino faz caminho paralelo. É ver para crer. Na aula de oftalmologia eis como se espreita o fundo dos olhos: são colocados slides no “cérebro” do boneco com diferentes patologias. Os alunos observam e tentam diagnosticar. Nos ouvidos, o mesmo procedimento, com diferentes patologias no canal auditivo.

O Centro Biomédico de Simulação foi inaugurado em outubro. Cabe nos meses anteriores à sua abertura a curiosa história de uma antiga ambulância dos Bombeiros Voluntários do Marco de Canaveses. Hoje em dia está “estacionada” num corredor e serve o treino de transporte de doentes, faz com que a simulação seja o mais real possível, com precauções redobradas. A curiosidade da história desta ambulância reside no facto de ela ter entrado no edifício pelo telhado, com o auxílio de uma grua, antes da colocação da nova cobertura.

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A propósito de ambulâncias, o treino de situações clínicas é extenso e inclui, por exemplo, a chegada de um doente à urgência com uma dor abdominal. O que acontece, pergunta, e responde, a doutora Eduarda Amadeu: “os alunos têm de ter um algoritmo. Ora bem, dor abdominal… O que é que pode ser? O que é que não pode ser? E podem treinar isso no manequim, fazer a história. Nós, médicos, podemos responder pelo doente, podemos alterar os parâmetros, decidir que análises vai pedir, quais não vai pedir”.

O lado prático no ensino não se esgota nos simuladores. É um complemento das aulas que os estudantes mantêm em enfermarias, com doentes reais.

O Centro Biomédico de Simulação do ICBAS prepara campanhas abertas a grupos alvo, como bombeiros e polícias, podendo mais tarde ser aberto às escolas.