Como todos os jovens da sua idade tem sonhos. E faz questão de os manter bem vivos. Como muitos jovens da sua idade trabalha, namora e sai com os amigos. Mas há algo que a diferencia dos outros jovens da sua idade. Ana Filipa Ferreira, de 23 anos, tem fibrose quística, uma doença rara, genética, hereditária e sem cura que se manifesta, normalmente, sob a forma de graves problemas respiratórios e digestivos.

“Eu lido bem com a doença. Penso que é a minha doença e mesmo que não fosse rara teria de lidar com ela e aceitá-la”, responde de imediato a jovem da Trofa, que aos quatro anos de idade lhe viu ser diagnosticada fibrose quística, através do teste do suor, depois de muitos diagnósticos errados. Ana Ferreira conta ao Observador que a doença a impede de fazer livremente certo tipo de atividades, mas há quase sempre alternativas. “Se não me faz tão bem ir ao cinema por ter imensas pessoas, principalmente no inverno, vejo filmes em casa”, concretiza.

“Tenho fibrose quística, mas continuo a ter sonhos e tenho vida. Nunca deixei de ser feliz por causa da doença. Ter fibrose quística é aprender a ser feliz com determinadas limitações”, resume a jovem da Trofa.

Além de evitar o cinema, “por ser um ambiente com várias pessoas e que não é devidamente desinfetado de sessão para sessão”, e de não entrar em cafés e bares onde se fuma, noutros locais com muitas pessoas, como hospitais e igrejas, o truque passa por usar máscara para autoproteção. Ana Ferreira não pode esforçar os pulmões e tem de abrandar ou até mesmo parar quando está cansada. E tem ainda de ter muito cuidado com o frio.

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Ana Filipa Ferreira, com 17 anos, depois do transplante aos dois pulmões no Hospital de Santa Marta, em Lisboa

Todos os dias faz aerossóis e toma, em média, 35 a 40 medicamentos para a fibrose quística e imunossupressores por causa do transplante aos dois pulmões, que fez aos 17 anos, no Hospital de Santa Marta, em Lisboa, a 300 km de casa, onde se desloca todos os meses para levantar a medicação. Além de prevenir infeções, a medicação fortalece o funcionamento dos órgãos que são afetados pela doença (pulmões, intestino, estômago e pâncreas). Se por um lado o transplante lhe trouxe “muito mais qualidade de vida”, pois já não acumula expetoração e deixou de ter as regulares infeções respiratórias que a atiravam para os hospitais, bem como a necessidade de oxigénio 24 horas por dia, por outro impôs-lhe cuidados com a alimentação.

“Não posso comer ovos, enchidos sem serem cozidos, nem morangos porque são alimentos que não conseguimos desinfetar devidamente e como temos as defesas baixas não podemos comer para não termos uma rejeição do órgão”, conta.

Nos momentos em que está mais em baixo, Ana Filipa sente “cansaço respiratório e dor nos ossos, devido à osteoporose” e também dores de cabeça, “devido a enxaquecas e também aos anos todos em que o oxigénio não era suficiente”, relata a jovem.

Dia Europeu da Fibrose Quística celebra-se esta sexta-feira

Em Portugal existem entre 300 a 400 doentes com fibrose quística e no mundo estima-se que existam cerca de 60 mil. Esta doença manifesta-se pelo mau funcionamento das glândulas de secreção externa (exócrinas) como as glândulas sudoríparas – normalmente os bebés com fibrose quística têm um suor muito salgado – os brônquios, os intestinos, o pâncreas, o fígado e os órgãos reprodutores. Os sinais mais comuns são a obstrução das vias respiratórias, por um espesso muco constante, e infeções respiratórias regulares, bem como baixo peso e estatura desde a nascença, pelo facto destes doentes não terem enzimas pancreáticas para fazer a digestão dos alimentos e os absorverem.

Mas como o gene tem mais de 2.000 mutações já identificadas, e há “formas mais atenuadas da doença”, os doentes acabam por escapar muitas vezes ao diagnóstico, por apresentarem sintomas que se confundem com outras doenças, explicou ao Observador Margarida Amaral, professora catedrática da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa e investigadora, do BioISI (Biosystems & Integrative Sciences Institute), novo centro de investigação da FCT, na véspera do Dia Europeu da Fibrose Quística, que se assinala esta sexta-feira.

A investigadora, que se tem dedicado ao estudo desta doença, lembra que a longevidade destes doentes tem vindo a aumentar de ano para ano graças à medicação que é prescrita ao longo da vida. A esperança média de vida na Europa ronda, atualmente, os 29 anos. E também por isso já há consultas de adultos, algo que há uns anos atrás era impensável. Ana Filipa não pensa nisso e limita-se a viver “calmamente cada dia”.

Apenas em 2013 se começou a fazer o rastreio neonatal à fibrose quística em Portugal

Um dos avanços mais significativos dados em Portugal recentemente foi a introdução do rastreio à fibrose quística no chamado teste do pezinho, o que ajudará a detetar a doença mais cedo.

“O rastreio neonatal da fibrose quística é extremamente importante para não escaparem casos, que assim podem ter um melhor seguimento”, explicou a investigadora.

Margarida Amaral frisa porém que o rastreio é uma “sugestão” de diagnóstico e que o passo seguinte é confirmar, fazendo o teste do suor, para medir a concentração de cloreto no suor, se estiver muito elevada é um teste positivo. Contudo, “devido às formas atípicas que existem em Portugal vários pacientes têm uma prova do suor inconclusiva”. Demorada e inconclusiva é também por vezes uma análise posterior, feita pelo Instituto Dr. Ricardo Jorge.

Só um doente em Portugal beneficia do único medicamento que existe para a fibrose quística

Só no ano passado chegou o primeiro medicamento para tratar a fibrose quística, a nível mundial. A medicação está aprovada em Portugal, mas como o medicamento é para uma mutação muito rara do gene, “apenas um doente em Portugal é elegível” para receber o tratamento. A nível mundial, refere Margarida Amaral, apenas 4% dos doentes com fibrose quística apresentam a mutação do gene para a qual já existe uma molécula. Os doentes que estão a receber esse tratamento “começaram a ganhar peso, a ter mais facilidade em respirar e vivem com muito mais qualidade de vida”, relata.

Entretanto também já saiu um comunicado em junho deste ano a divulgar resultados de ensaio clínico fase III de uma molécula para a mutação mais comum do gene, conta a investigadora. Uma mutação que afeta 85% dos pacientes com fibrose quística a nível mundial e 60% em Portugal. “Espera-se que o medicamento esteja aprovado muito em breve, ainda em 2015. Esta é uma excelente notícia, embora os testes tenham mostrado uma eficácia de apenas 4% a 6% na função pulmonar”, avança.

Margarida Amaral e a sua equipa de investigação estão a apostar em “tentar alargar o âmbito dos medicamentos que já existem para mais pacientes. Ou seja, fazer o teste e ver se os pacientes com outras mutações raríssimas vão responder positivamente a esses medicamentos que já existem”. Além disso, já foi submetido à União Europeia um projeto internacional, coordenado pela investigadora portuguesa da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, para descobrir melhores medicamentos. Só em janeiro saberá se passou à segunda fase.