Os líderes sentam-se à mesa. Discutem como criar teias de influências, guardar dinheiro em paraísos fiscais e, claro, ganhar eleições, Quanto mais trafulhice fizer, mais hipóteses tem de vencer… o jogo. Depois de “Vem aí a Troika!”, a portuguesa Tabletip Games lançou agora “Vem aí o Banco Mau!”, uma extensão do primeiro jogo que correu o mundo, desta vez com inspiração na crise do Banco Espírito Santo (BES).
“Vem Aí o Banco Mau!” introduz novos líderes e grupos no jogo, o que permite mais um jogador, até um máximo de cinco. Entre as novas cartas há uma que se destaca. O poderoso “Dono Disto Tudo” controla os seus próprios grupos e joga à margem dos outros jogadores, ganhando dinheiro e distribuindo favores. O objetivo do jogo continua a ser o mesmo do “Vem aí a Troika!”, mas agora os jogadores têm de manter o “Dono Disto Tudo” debaixo de olho para a bancarrota iminente não se precipitar.
E não. Não é preciso saber o que é uma holding, nem um offshore para conseguir jogar. “Essas expressões são apenas usadas nos nomes dos grupos e não têm nenhuma influência na mecânica do jogo”, esclarecem. Têm, contudo, um papel importante para a sátira que está presente em cada uma das cartas.
O nome e a ilustração em tudo fazem lembrar Ricardo Salgado, ex-presidente do BES, mas o nome verdadeiro nunca aparece. O mesmo se aplica às restantes cartas. A ASAE é a “AZAI”, a PT é a “Tchau Telecom”, a Herdade da Comporta, um dos mais famosos ativos da RioForte (que no jogo é a “Rio Frouxo”), é a “Herdade dos Pobrezinhos”. “Temos o cuidado de não usar os nomes verdadeiros”, disse ao Observador Marco Vala, engenheiro informático e um dos cinco criadores do jogo. Até Portugal foi rebatizado Portugalândia.
A ideia de criar o jogo do Banco Mau surgiu num pequeno-almoço, a 18 de agosto. Com Sócrates ainda um homem livre e o escândalo dos vistos Gold um segredo, o colapso do Banco Espírito Santo era o assunto do dia. Marco, Carlos, Pedro, André e Filipe, todos com idades entre os 31 e 50 anos, e com várias profissões, já tinham em mente criar uma extensão para o jogo “Vem aí a Troika” e a oportunidade acabava de surgir.
“Existe uma forte componente de sátira social e uma componente lúdica, mas também uma tentativa de lançar estes jogos no timing certo, pois só se consegue fazer crítica relevante se as pessoas aderirem. Claro que a efemeridade dos temas também nos obriga a alguma agilidade nos processos, porque os temas muito quentes acabam por arrefecer mais depressa”, explicaram.
Carlos Mesquita é engenheiro e gestor, mas já passou pela banca de investimento. Esclarece que os cinco criadores têm “uma posição neutra”. “Não tomamos posições políticas, quisemos, sim, criticar todos porque são todos criticáveis”. Também por isso têm o cuidado de não usar os nomes verdadeiros nas cartas, ainda que qualquer semelhança com a realidade não seja pura coincidência.
As novas cartas trazem personagens novas, como é o caso do “Lírico”. Se o jogador que tem esta carta for eleito Governo (e enquanto ele for Governo), os outros jogadores têm de pagar ao Tesouro, ou seja, impostos. O “Inseguro” também aparece aqui. Apesar de António José Seguro já não ser o líder do PS, por baixo estão caricaturas de Francisco Assis e de António Costa. Previsões que se revelaram acertadas. Por trás das cartas dos líderes há uma citação de Eça de Queirós: “Políticos e fraldas devem ser trocados de tempos em tempos pelo mesmo motivo”.
Tratando-se de um jogo sobre situações e caras reais, nem todos querem jogar com estas cartas. “Já fomos alvo de críticas por supostamente ‘estarmos a ensinar’ as pessoas a ser manipuladoras ou a brincar com coisas que são muito sérias. Mas não nos parece que alguém aprenda alguma coisa com este jogo, até porque a realidade é bem mais evidente”, defendem. Para eles, a sátira “ajuda a encarar as situações sérias de uma forma descomplexada. E se com isso conseguirmos promover algum debate, com ou sem gargalhadas, já cumprimos o nosso objetivo de chamar a atenção para a ‘não normalidade’ que se vai vivendo na Portugalândia”.
Ao todo venderam-se mais de 10 mil jogos da Troika em Portugal, Espanha e Grécia. Para o “Banco Mau” foram produzidos 1.500 jogos e a maioria encontra-se nas prateleiras das lojas FNAC. O preço do “Banco Mau” é de 11,90 euros mas, para ser jogado, é necessário ter o jogo original. Para quem não tem, haverá um “pack” que inclui a “Troika” e o “Banco Mau” por um preço especial de 24,90 euros.
“Infelizmente não dá para fazer disto um trabalho a tempo inteiro”, dizem os criadores do jogo. O mercado português é muito pequeno e a atividade de jogos só é realmente rentável quando se atinge um número grande de vendas a uma escala europeia ou mundial. Haja, então, amor à camisola. “Não há cultura de jogo em Portugal. Para já continuamos com os pés bem assentes de quem apenas transformou um hóbi num projeto cujo maior retorno é o termos conseguido pegar numa ideia e criar um jogo de que nos orgulhamos”.
Desde a ideia até ao momento de colocar o jogo numa loja, todos os cêntimos contam. Carlos Mesquita contou que o jogo “Vem aí a Troika!” teve de ser feito na Alemanha (o “Banco Mau” já foi feito na Polónia”). Quando agora quiseram fazer autocolantes para o “pack” onde se vendem os dois jogos juntos”, pediram-lhes 150 euros em Portugal. Mais uma vez, tiveram de recorrer à Alemanha. “Ficou três vezes mais barato”, justificou Carlos Mesquita. Mesmo com os portes de envio e sem sequer se tratar de produção própria, o que o negócio alemão fez foi a ponte entre produtor e cliente. “Como é que Portugal quer ser competitivo?”, questionou.
Depois da Troika e do “Banco Mau”, quem sabe o que virá a seguir. “Se houver mais um caso desta envergadura, ponderamos fazer uma nova extensão”, adiantou Carlos Mesquita. “São jogos de poder e continuarão atuais em qualquer democracia ocidental”.