No primeiro dia do XX Congresso do Partido Socialista, o Observador foi tentar perceber o que pensam algumas das outras forças políticas sobre o futuro do PS e sobre a figura de António Costa, agora que se perspetivam as próximas eleições legislativas.

Joana Amaral Dias, António Capucho e Marinho e Pinto são unânimes: a gestão do “caso Sócrates” será o maior desafio de António Costa e do PS. O “político experiente”, nas palavras de Capucho, terá de criar um “cordão sanitário” em torno do caso, sublinhou Joana Amaral Dias. Mas Marinho e Pinto é o mais duro dos três nas críticas a Costa, o autor do “golpe palaciano” que lhe valeu a liderança do partido: este PS “é um cadáver ressuscitado”.

O PS deve fazer um “cordão sanitário” em torno de José Sócrates – Joana Amaral Dias

Joana Amaral Dias, ex-bloquista, apoiante de Mário Soares nas presidenciais de 2006 e uma das fundadoras do Juntos Podemos, definiu dois grandes desafios presentes e futuros de António Costa como novo líder do Partido Socialista: a difícil gestão da herança de José Sócrates – e a criação, ou não, de um “cordão sanitário” em torno do caso – e a apresentação de medidas e reformas políticas concretas – não basta “passar pelos pingos da chuva”, como António Costa tem feito até agora, avisou Joana Amaral Dias.

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“António Costa tem dois grandes desafios muito complicados pela frente: o primeiro é gerir o universo paralelo ou o congresso paralelo que já está a decorrer que é o congresso sobre José Sócrates. E esse congresso, que é o verdadeiro congresso e é a verdadeira discussão que está a acontecer no partido socialista, é muitíssimo delicado para António Costa porque se trata de fazer a gestão dessa herança socrática sem que ela seja destrutiva para o Partido Socialista.

“[O outro desafio] tem que ver com as próprias propostas do PS, porque António Costa passou pelos pingos da chuva durante todo este tempo e fez um caminho onde se escusou de apresentar qualquer proposta concreta e agora é nas propostas concretas que pode residir a chave para afastar os holofotes de José Sócrates, para colocar as pessoas a discutir política”, considera a psicóloga.

O “cordão sanitário” pode conter alguns dos estragos provocados pela “Operação Marquês”, mas, ainda assim, lembrou Joana Amaral Dias, a gestão do caso vai ser extremamente delicada porque “foram os socratistas que lhe deram o apoio para avançar contra António José Seguro”. (…) Portanto, se António Costa se tenta livrar dessa herança socrática e desses protagonistas políticos estará a negar o apoio que recebeu e isso poderá colocá-lo em muitos maus lençóis. Por outro lado, deixá-los ficar evidentemente também o coloca em maus lençóis tendo em conta o contexto que existe”.

Na opinião da ex-bloquista, se antes “já era difícil haver uma maioria para Costa”, a detenção de José Sócrates como que hipotecou a réstia de esperança socialista, até porque “há um descontentamento e uma desconfiança legítima dos cidadãos para com os partidos do chamado arco da governação – que é mais o arco da corrupção”. Nesse sentido, e ao contrário do que acontecia nos anos 90, a hipótese real de uma maioria absoluta “já começa a ser bastante mais tímida”.

Assim, a pergunta impõe-se: sem maioria absoluta, com quem casará o PS, caso vença as eleições? Joana Amaral Dias preferia que fosse à esquerda, mas não vê o PS com predisposição para tal. Acrescentou, aliás, que não vê sequer o PS como um “partido de esquerda”, “colonizado” que foi pela ideologia neoliberal.

O Partido Socialista não tem sido um partido de esquerda. (…) Porque o partido socialista português – de resto como aconteceu um pouco por toda a Europa – foi colonizado pela ideologia neoliberal, nestes últimos 20 anos, portanto assumiu o papel de ser o mal menor, a austeridade inteligente ou austeridade ‘light’. Assumiu uma espécie de papel de polícia bom, mas não deixou de ser polícia e portanto deixou de ser esquerda”.

“António Costa é um político experiente, inteligente e hábil” – António Capucho

António Capucho, social-democrata, antigo ministro dos Assuntos Parlamentares de Aníbal Cavaco Silva e assumidamente “em rota de colisão com Pedro Passos Coelho”, deixou, por sua vez, vários elogios a António Costa, que considera um “político já muito experiente, inteligente e hábil”.

Ainda assim, o gestor considera que o líder socialista tem dois grandes desafios neste momento: o primeiro, e caso vença as eleições, tem que ver com o país que vai herdar e o conjunto de medidas que terá de aplicar para fazer face à difícil situação do país. No fundo, António Costa terá de apresentar concretamente qual é o seu verdadeiro programa político, “embora compreenda que ele não se queira comprometer desde já”.

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“No essencial diria que ele rejeita liminarmente a política de austeridade pela austeridade, embora seja respeitador de termos uma necessidade de controlo das contas públicas e, de facto, a contabilidade devidamente organizada. [Por outro lado] precisamos ao mesmo tempo de ter a economia desenvolvida, sem o que não saímos daqui”.

E por isso eu penso que ele vai dar uma tónica, vai enfatizar mais os apoios ao desenvolvimento da economia, procurar desenvolver estratégias, nomeadamente com os parceiros europeus, para procurar atenuar os efeitos e a carga da austeridade – e, para isso, precisa de contar com aliados de países do sul da Europa e de ser mais hábil do que está a ser este Governo”, considera António Capucho.

O outro grande desafio de António Costa será lidar com o dossier “José Sócrates”: para o social-democrata Costa deve agir cautelosamente na escolha do seu “pessoal político”, para não incorrer no risco de associar a imagem do partido a uma figura que está sob suspeitas de fraude fiscal, branqueamento de capitais e corrupção. O agora líder socialista terá de afastar pessoas que, mesmo sendo as mais “isentas e impolutas do mundo”, estiveram ou estão “excessivamente ligadas” à herança socrática.

Por outro lado, o social-democrata acredita, também, que um constante relembrar do Governo de José Sócrates poderá ser “um tiro no pé”, de tal forma que os socialistas deverão, a todo custo, procurar “manifestar a sua capacidade para enfrentar vitoriosamente as próximas eleições”, sem relembrar o passado.

Questionado sobre se o Partido Socialista seria, ou não, capaz de alcançar uma maioria absoluta nas próximas eleições, António Capucho afirmou “que não será fácil”, embora as sondagens, antes desta situação que agora vivemos [caso José Sócrates], pudessem apontar nesse sentido – para uma bipolarização entre António Costa e Passos Coelho. “O eleitor gosta muito de votar no cavalo vencedor e portanto o voto útil terá uma grande expressão, daí que António Costa tenha – ou tivesse na altura – grandes condições para poder ter uma maioria absoluta. O que não seria mau“, sublinhou o social-democrata.

Por desvalorizar a hipótese de surgir entretanto uma terceira grande força política que pudesse agitar as águas – leia-se a distribuição dos assentos parlamentares – e lembrando que as formações político-partidárias mais à esquerda do PS, como o Livre, por exemplo, ainda não esclareceram as suas posições em relação à NATO, ao Euro e à União Europeia – das quais dependem uma coligação alargada à esquerda -, António Capucho não vê com maus olhos a hipótese da reedição do “Bloco Central”.

“Imaginemos outro cenário: PS e PSD ficarem muito próximos um do outro e a única maioria possível seria a grande coligação entre os dois partidos do bloco central. Aí haverá uma reedição do bloco central – o que não é pecaminoso, eu próprio já fui ministro de um Governo do bloco central e não me arrependo disso”.

Mas tal dependerá da liderança do PSD na altura: com Passos Coelho à frente do partido será um “grande problema” para uma eventual coligação entre socialistas e sociais-democratas. No entanto, com Rui Rio à frente dos destinos do PSD “então aí seria ouro sobre azul”.

“O grande problema é se o PSD, na altura derrotado, continuará com uma liderança nas mãos de Passos Coelho, o que eu considerava muito nocivo para o país e para o próprio partido (…) ou se, por exemplo, o PSD terá uma liderança nova que lhe permitirá regenerar o partido. Uma liderança, aliás, mais consentânea com os princípios e com a matriz social-democrata do PSD, por exemplo com Rui Rio”.

Ainda assim, António Capucho admitiu que “tudo é, ainda, uma incógnita: daqui até lá muita água vai passar por debaixo das pontes”.

As próximas eleições serão em torno de “um cadáver ressuscitado (PS) a concorrer com o cadáver adiado (PSD)” – Marinho e Pinto

Marinho e Pinto, ex-bastonário da Ordem dos Advogados, eurodeputado eleito pelo MPT e fundador do Partido Democrático Republicano (PDR), tem uma posição bastante crítica sobre António Costa e sobre o “novo” Partido Socialista. Quanto ao novo líder socialista, Marinho e Pinto descreveu-o como alguém sem “grande coragem política” e como um “homem de José Sócrates”. Acusou-o, ainda, de ter protagonizado “um golpe palaciano, absolutamente contra toda a ética democrática e republicana” para ascender à liderança do partido – golpe, esse, organizado a partir da ala socrática do partido.

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“António Costa não avançou sozinho, foi empurrado por José Sócrates – quem comandou todo o processo de afastamento de António José Seguro foi Sócrates. António Costa não é uma pessoa que tenha grande coragem política, nunca teve, andou sempre pelas mãos dos outros. (…) No fundo, ele é um homem de José Sócrates: fez parte do seu Governo e foi com o apoio de José Sócrates que tomou a liderança ao seu antecessor”, garantiu Marinho e Pinto.

Sobre as hipóteses reais de António Costa de vencer as eleições legislativas, o fundador do PDR não se quis pronunciar muito: já basta o “exército de palafreneiros que ele tem na comunicação social” e que “andam todos os dias a proclamar que sim”, que António Costa vai ganhar as eleições. Agora uma coisa assegura Marinho e Pinto: António Costa e o PS poderão ganhar as eleições, mas “jamais ganharão o país”.

“O país está divorciado – o país real, o verdadeiro, o do povo – está divorciado deles. (…) Os políticos degradaram-se a tal ponto, que sem uma profunda reforma de mentalidades, de fazer política e no cartel que os políticos constituíram (…) não ganham o país. (…) E depois deste golpe palaciano, absolutamente contra toda a ética democrática e republicana, de afastar o anterior líder socialista só porque vislumbraram [uma hipótese de alcançar o poder] torna mais difícil que este PS conquiste o país”.

Assim sendo, continuou Marinho e Pinto, as próximas eleições legislativas terão como protagonistas dois cadáveres: “um cadáver ressuscitado (PS) a concorrer com o cadáver adiado (PSD)”. Como não se vislumbra a hipótese de qualquer um destes partidos atingir a maioria absoluta – porque “o país está cada vez mais distante e revoltado contra estes partidos políticos e contra os seus dirigentes”, a hipótese de uma reedição do bloco central, também perspetivada por Joana Amaral Dias e António Capucho, parece ganhar força. “Voltaríamos a 1983, [quando] manadas e manadas de clientes se atiraram aos cargos públicos com uma capacidade absolutamente estonteante”, avisou Marinho e Pinto, que se quer afirmar como alternativa aos partidos do chamado “arco de governação”.

No fundo, analisou o ex-bastonário da Ordem dos Advogados, “tudo é possível: os afogados amarram-se sempre uns aos outros para sobreviver”.