A privatização de um dos canais públicos da RTP era uma das traves-mestras do programa eleitoral do PSD quando se apresentou às eleições legislativas de 2015. Todavia, a gestão do dossier RTP foi um dos principais focos de divisão entre os parceiros da coligação: o vice-primeiro-ministro, Paulo Portas, opunha-se à decisão de vender a RTP a privados por considerar que este não era o melhor “momento possível para essa operação” e porque a “manutenção de uma televisão pública forte, nomeadamente para a defesa da língua portuguesa e política externa cultural de Portugal” era uma questão de “interesse nacional”.
Com a mudança na tutela (o ministro Miguel Relvas foi substituído por Miguel Poiares Maduro), a solução encontrada foi a criação do Conselho Geral Independente (CGI) da RTP, depois de três anos de indefinição em torno do futuro da estação pública de rádio e televisão. O novo órgão herdava as competências de administração que antes estavam sob a tutela do Governo, mas a RTP permanecia pública. PSD e CDS chegavam ao acordo possível: o PSD conseguia retirar o peso institucional do Estado (ainda que a empresa continuasse a ser financiada pelos contribuintes através da contribuição audiovisual) e o CDS garantia a não-privatização da RTP.
Foi isso mesmo que admitiu o ministro Adjunto e do Desenvolvimento Regional, Miguel Poiares Maduro, a 10 de janeiro deste ano: o objetivo da criação deste órgão era “diminuir o risco de governamentalização da RTP” e combater “a contaminação permanente do debate político sobre a empresa, [que] condiciona a sua própria gestão interna e o exercício da tutela”.
A proposta de Lei n.º 195, aprovada na especialidade a 6 de junho, com votos contra da oposição, era clara nesse sentido: “[O CGI é um] órgão genuinamente independente, cuja criação procura contribuir quer para uma cabal eliminação do risco, ou da perceção do risco, de interferência do poder político na atuação da RTP, que afeta negativamente a credibilidade e imagem do serviço público perante os portugueses, quer para uma gestão mais eficaz e eficiente da sociedade”.
O CGI é o órgão responsável pela destituição do Conselho de Administração da RTP
Com a alteração dos estatutos da RTP, de que resultou a criação do CGI, o Governo transferiu para este novo órgão a maioria dos poderes que antes detinha, cabendo somente ao Executivo garantir o financiamento plurianual da RTP, bem como o respetivo contrato de concessão pelo prazo de 16 anos. Concretamente, com esta alteração de estatutos, o peso do Estado na RTP fica reduzido ao seu financiamento e à nomeação de dois dos membros do novo órgão. Os restantes representantes do CGI são indicados pelo Conselho de Opinião da RTP e os restantes escolhidos pelos quatro membros anteriores.
Ainda assim, esclareceu Poiares Maduro aos jornalistas, o CGI não “terá poderes de gestão” mas “terá a incumbência de nomear a administração e o seu presidente, bem como definir e prosseguir – em conjunto com a administração – as grandes linhas de orientação para a empresa“.
Apesar de ser da competência do CGI nomear a administração e o presidente da RTP, Alberto da Ponte não foi uma escolha deste novo órgão. Tinha sido nomeado ainda por Miguel Relvas, em setembro de 2012, para substituir Guilherme Costa à frente dos destinos da RTP – o anterior administrador demitiu-se depois de entrar em rota de colisão com o Governo, tendo revelado publicamente que era contra a eventual concessão da estação pública de rádio e televisão a um privado.
Voltando às competências do CGI, de acordo com os novos estatutos da RTP, mais precisamente com o artigo 11º da lei que os instituiu, cabe ao conselho independente, entre outras coisas, “supervisionar e fiscalizar a ação do Conselho de Administração” (alínea f); “proceder anualmente à avaliação do cumprimento do projeto estratégico para a sociedade e à sua conformidade com o contrato de concessão (alínea g); e “emitir parecer sobre a criação de novos serviços de programas da sociedade ou alterações significativas aos serviços de programas já existentes (alínea h)”.
Mas, face aos acontecimentos recentes, nomeadamente o chumbo do Plano Estratégico delineado pelo Conselho da Administração (CA) da RTP – depois da polémica aquisição dos direitos televisivos da Liga dos Campeões – a alínea e) do artigo reveste-se de especial importância: ao CGI compete “propor a destituição dos membros do conselho de administração, nos termos do artigo 23º”.
E o que diz o artigo 23º? Que o CGI pode destituir a administração “quando comprovadamente cometam falta grave no desempenho das suas funções ou no cumprimento de qualquer outra obrigação inerente ao cargo ou deixem de preencher os requisitos necessários ao exercício das suas funções (alínea a)”.
Mas existem outros cenários em que o CGI pode destituir a administração da RTP. Por exemplo, quando seja verificado “o incumprimento do contrato de concessão de serviço público de rádio ou de televisão (alínea b)” ou se “verificado o incumprimento do projeto estratégico para a sociedade que assumiram perante o conselho geral independente quando da sua indigitação (alínea c)”. Outro cenário previsto, este menos provável, prende-se com os casos de “incapacidade permanente” da administração para gerir a RTP.
Quem compõe o Conselho Geral Independente da RTP?
O vice-reitor da Universidade de Lisboa, António Feijó, foi eleito presidente do CGI a 25 de setembro de 2014, numa reunião que juntou os seis representantes do conselho.
O vice-reitor da UL, no entanto, não foi a primeira escolha do Governo para integrar o CGI. Feijó substituiu João Lopes, depois do nome do jornalista e ex-diretor editorial da Editorial Notícias e colaborador do Diário de Notícias, da SIC Notícias e da Antena 1, ter sido ‘chumbado’ pela Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) por desempenhar funções noutros órgãos de comunicação. A outra escolha do Governo foi Ana Lourenço, professora de Economia e Gestão na Universidade Católica Portuguesa, especialista na área da Regulação de Audiovisual.
O Conselho de Opinião da RTP, por sua vez, indicou os nomes da ex-presidente do Instituto Camões e antiga presidente da Assembleia Municipal de Lisboa, Simonetta Luz Afonso, e o professor catedrático de Ciências da Comunicação na Universidade do Minho, Manuel Pinto.
Já na qualidade de administradores do conselho independente, os quatro nomeados escolheram o ex-presidente da Anacom, Álvaro Dâmaso, e o ex-administrador da Gulbenkian, Diogo Lucena, para completarem o leque dos representantes do novo conselho.
Esta segunda-feira, o CGI ‘chumbou‘ o plano estratégico delineado pela administração da RTP por considerar que esta violou o princípio de lealdade com o órgão por não ter informado sobre a aquisição dos direitos de transmissão dos jogos da Liga de Campeões.