“É muito importante referir o papel de Salazar, porque nós não podemos pensar jamais que a PIDE era um Estado dentro do Estado. A PIDE tinha muita força, (…) mas respondia à tutela, que era o Ministério do Interior, sendo que o ministro do Interior era sempre um ministro relativamente fraco, porque Salazar não podia ter grandes competições. Em última análise, tudo o que era importante ser feito dentro da PIDE tinha o aval de Salazar”, afirmou a historiadora à Lusa a propósito do homicídio do general Humberto Delgado.
A 13 de fevereiro de 1965, Humberto Delgado e a sua secretária Arajaryr Campos foram assassinados perto de Badajoz, por uma brigada da PIDE chefiada por Rosa Casaco, que o atraiu a este local convencido de que se ia encontrar com militares oposicionistas.
Para a historiadora, que escreveu a “História da oposição à ditadura 1926-1974”, a partir de 1962 “há uma célebre reunião com os principais elementos da PIDE em que decidem neutralizá-lo”. Esta neutralização, na versão dos elementos da polícia política do regime do Estado Novo, após o seu homicídio, referia-se apenas a prendê-lo e sujeitá-lo a julgamento. Uma argumentação que não convence a historiadora para quem “havia quase de certeza já também em parte da brigada que ia para esta operação [designada Operação Outono] e na direção da PIDE, especialmente Barbieri Cardoso, havia já uma ideia de pura e simplesmente eliminá-lo, ou seja, de assassiná-lo como de facto aconteceu”.
Irene Pimentel considerou, contudo, que não terá existido uma ordem de Salazar: ‘mate-se Humberto Delgado’. “Normalmente, o que faz [o ditador] é dizer o que pretende aos seus apaniguados e eles, com mais ou menos excesso de zelo, cumprem essa tarefa”, considerou.
A historiadora lembrou que Humberto Delgado era “uma figura com um dinamismo muito grande”, recordando o seu papel na tentativa de golpe em Beja, em 1962, um percurso na oposição à ditadura que se tornou evidente a partir de 1958 quando aceitou concorrer às eleições contra Américo Thomaz, o candidato do regime. Até então apoiante do regime, nas várias viagens que faz, nomeadamente aos Estados Unidos da América, no âmbito da NATO, “começa a achar que o regime português, ditatorial, não pode continuar”, disse Irene Pimentel.
Questionado numa célebre conferência de imprensa sobre o que faria com Salazar se ganhasse as eleições, responde ‘obviamente, demito-o’, uma vez que segundo a Constituição o Presidente da República nomeava e podia demitir o chefe de Governo. A partir dessa altura a sua candidatura “envolve uma enorme esperança de que o regime terminasse”. A campanha recolhe apoios por todo o país “e o regime (…) assusta-se mesmo, percebe que pode terminar através de umas eleições, (…) recorre à polícia e ao exército” para reprimir as manifestações de rua de apoio ao Delgado.
Mesmo com a fraude eleitoral, Humberto Delgado obteve 23,5 % dos votos. O facto de ter ido a votos tornou-o também uma figura mais temida uma vez que normalmente a oposição, quando concorria a eleições, não chegava a ir até às urnas.
A partir desta altura o regime passa a ter como inimigo, além do Partido Comunista, a figura de Humberto Delgado. “Primeiro, retiram-lhe todas as possibilidades de continuar no Exército, era o mais jovem general do país, depois obrigam-no ao exílio e no exílio é permanentemente vigiado e perseguido e há várias tentativas de o prender e até de o assassinar”, referiu Irene Pimentel.