Tirar um doutoramento em Portugal dá, praticamente, um passaporte para o emprego. Em muitos casos, porém, instável. Esta é uma das principais conclusões do estudo “A Empregabilidade dos Doutorados nas Empresas Portuguesas”, coordenado pela Advancis Business Services, e apresentado esta quinta-feira na Escola Superior de Estudos Industriais e de Gestão, do Instituto Politécnico do Porto. O estudo destaca ainda a falta de doutorados no conjunto da população ativa e a fraca empregabilidade dos doutorados pelo tecido empresarial.

Em 2012, 94% dos doutorados tinha um emprego, 2% encontravam-se desempregados e 4% estavam inativos. Mas nem tudo são boas notícias. É que os doutorados em Portugal estão mais sujeitos a vínculos contratuais precários que os restantes trabalhadores. Nesse mesmo ano, 41% de todos os doutorados empregados tinham um contrato de trabalho temporário, sendo que é no domínio das Ciências Naturais que os doutorados estão mais sujeitos aos contratos temporários de trabalho (55%). No total da população portuguesa empregada, no terceiro trimestre de 2014, de acordo com o Instituto Nacional de Estatística, os trabalhadores por contra de outrem com contratos temporários (com termo) ou outros não permanentes, correspondia a um valor próximo de 18%.

“Se é um facto extremamente positivo que os doutorados não têm na sua generalidade falta de emprego, a verdade é que há neste segmento da população uma prevalência de contratos temporários muito superior à registada nos restantes segmentos”, referem os autores do estudo, Ana Barroca, Gonçalo Meireles e Catarina Neto.

Mas para que os níveis de emprego se mantenham e haja uma melhoria dos indicadores de inovação e competitividade do país, é preciso, segundo os autores do estudo, que “uma maior capacidade do setor empresarial [para] criar emprego e tirar maior partido deste segmento altamente qualificado da população ativa”. Aliás, a “ambição de constituir um espaço europeu de conhecimento, inovação, criatividade e competitividade impõe maiores e melhores relações de intercâmbio e colaboração entre a academia e a indústria”, até para “estimular a investigação e o desenvolvimento de novos produtos/serviços transferíveis para a sociedade em geral”.

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Setor empresarial emprega poucos doutorados

O ponto é que a maior parte dos doutorados em Portugal está a trabalhar em instituições de ensino superior, mesmo com a quebra no emprego público sofrida nos últimos anos, por conta da crise. Os autores recordam os dados da OCDE disponíveis para 2009, onde se vê que Portugal era um dos países com maior concentração de doutorados no setor do ensino superior e menor prevalência de doutorados em empresas.

“Parece que o setor empresarial ainda não despertou para as mais-valias de ter doutorados nos seus quadros ou, por outro lado, não é capaz de atrair mais destes profissionais para as suas fileiras, como seria desejável para cumprir os objetivos das referidas políticas públicas”, escrevem os autores do estudo.

Em 2012, apenas 4% de todos os doutorados exerciam a sua atividade principal nas empresas, mais de metade (54%) tinha como atividade principal a docência, seguida da atividade de investigação (42%).

Era também no Ensino Superior que, em média, os doutorados recebiam mais. Em 2012, a média do rendimento anual bruto dos doutorados empregados neste setor era de 40000 euros, no setor empresarial 33000 e no Estado 30000 euros. Uns anos antes, em 2009, a média dos rendimentos era substancialmente superior – 47203 euros – e as empresas eram quem melhor pagava aos doutorados (55320 euros).

Por que é que as empresas contratam poucos doutorados?

Neste estudo é elencado um conjunto de barreiras que limitam a passagem dos doutorados da Academia para o setor empresarial. Entre os principais fatores referenciados destacam-se a existência de representações sociais estereotipadas sobre os doutorados e sobre as empresas, o distanciamento entre a Academia e a indústria e a existência de um desfasamento entre o perfil dos doutorados e as competências procuradas pelas empresas.

Uma das possíveis barreiras prende-se, desde logo, com a idade média dos doutorados aquando da conclusão da formação (38 anos, em média) e a prevalência de mulheres. Tendencialmente os recrutadores preferem candidatos mais jovens, ou se mais velhos com experiência em meio empresarial, e do sexo masculino.

Outro dos problemas prende-se, segundo os autores deste estudo, com as próprias características do tecido empresarial português. A grande maioria das pequenas e médias empresas são de cariz familiar e baseiam-se em modelos de gestão tradicional. Acresce que as “limitações de conhecimento científico, capacidade financeira, de organização e de gestão” acabam por resultar na pouca importância atribuída ao capital humano e à inovação. Mas estas características não explicam tudo, até porque “a expressão de emprego de doutorados nas grandes empresas é também residual”.

A par destas debilidades do tecido económico, Portugal conta também com uma cultura científica distanciada do setor empresarial e “cuja transformação do conhecimento em valor económico é ainda insignificante”. Os empresários queixam-se da falta de competências transversais dos doutorados.

“Os pontos de contacto entre a Academia e as empresas ainda se fazem de forma avulsa, para projetos pontuais ou por iniciativa de alguns atores. Este distanciamento tem, necessariamente, consequências quer ao nível do ajustamento dos planos curriculares (às reais necessidades do mercado), quer ao nível do fomento da empregabilidade dos graduados”, referem os autores.

Um dos doutorados entrevistados no âmbito deste estudo, e que agora é CEO de uma empresa tecnológica admite que a formação dos doutorados e os minuciosos métodos de trabalho da investigação laboratorial trazem por vezes desvantagens para o ambiente empresarial. “Perdemo-nos com pormenores que não representam valor acrescentado”. Para além disso, há muitas investigações que não têm resultados práticos e também não têm em vista o desenvolvimento de um produto, conclui.

E há ainda um outro elemento: os estereótipos. No setor privado, empregadores e recrutadores, têm ainda uma visão tradicional do perfil dos doutorados e da formação muito associada a um perfil académico, teórico e sem tradução para o negócio.

Para inverter esta realidade e olhando para as barreiras existentes, “há, assim, três níveis de atuação para fomentar a empregabilidade dos doutorados nas empresas: políticas públicas, programas doutorais e práticas de gestão de pessoas nas empresas”, resumem os autores do estudo.

Apesar de estar a crescer, número de doutorados continua baixo

Segundo dados da Direção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência (DGEEC) existiam em Portugal, em 2012, 24992 doutorados, mais do dobro do que há dez anos. E embora o ritmo de acréscimo do número total de doutorados em Portugal tenha até superado a média dos países da OCDE, os doutorados continuam a representar uma proporção reduzida da população ativa em Portugal. Em 2012, de acordo com os autores do estudo, essa franja da população deveria corresponder a apenas 0,54% da população ativa, com idades entre os 25 e os 64 anos.

Esse número deverá continuar a subir nos próximos anos, “na medida em que há cada vez mais inscritos em programas de doutoramento”, dizem os autores. Em 2014, por exemplo, havia 20245 matriculados em programas de doutoramento.”Parte deste crescimento e tendência positiva explica-se com o significativo aumento de doutoramentos obtidos por mulheres. As mulheres com grau de doutoramento eram, em 2012, 11668, isto é, 46,7% do total de doutorados”, justificam. O número de diplomas conferidos anualmente a mulheres é, atualmente, superior ao registado para os homens.

Continuando no perfil dos doutorados, de referir ainda que a idade média com que os doutorados portugueses obtinham o seu grau em 2012 era de 38 anos, em linha com a OCDE, sendo que, na sua maioria (57%), os detentores de grau de doutoramento tinham, naquele ano, mais de 45 anos.

E a preferência dos doutorados recai sobre as Ciências Sociais, as Ciências da Engenharia e Tecnologias e as Ciências Exatas. Em 2012, estes domínios concentravam 58% do total dos doutorados, sendo que as mulheres optam mais pelas áreas das Ciências Sociais e das Ciências Naturais, em contraponto com os homens, que dão preferência, de forma mais destacada, às Ciências da Engenharia e Tecnologias.

Os autores deste estudo deixam uma recomendação para o futuro: “Portugal deve agora concentrar-se também na transferência do conhecimento para a economia, na aplicação do conhecimento, da investigação e da inovação nas empresas nacionais para promover o seu crescimento, modernização e competitividade”.

 

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