“São precisas medidas drásticas como esta para nos fazermos ouvir”. Palavras de Sofia Candeia, aluna de canto da Escola de Música do Conservatório Nacional (EMCN), que esta terça-feira foi encerrada como medida de protesto contra aquilo que pais, alunos e professores descrevem como uma “situação vergonhosa”.
A evacuação do edifício deu-se depois de soar o sistema de alarme da escola. Não se sabe se foi algum dos muitos manifestantes que accionou o alarme, mas a verdade é que, numa questão de minutos, alunos e professores estavam em frente ao EMCN a protestarem contra a falta de condições do edifício. “A situação da EMCN já se arrasta há anos, para não dizer há décadas”, sublinhou Nuno Villalonga, professor de canto naquela escola. “Ainda recentemente uma professora por pouco não ficou gravemente ferida depois de uma rajada de vento ter levado uma janela de uma sala. A sorte é que o vidro, em vez de cair para dentro da sala, caiu para fora”, contou.
Mas não são só as janelas que se partem no Conservatório. “Há já dez salas encerradas por faltas de condições mínimas de segurança para os alunos. Há pedaços dos tetos e das paredes a caírem e graves problemas nas instalações elétricas”, explicou Sofia Candeia.
A situação chegou a um ponto que, em outubro, “num dia de desespero, foi preciso chamar a proteção civil e os bombeiros porque a chuva ameaçava fazer ruir o teto de algumas salas de aulas e a água estava por todo o lado”, relata Lília Kopke, professora de piano e uma dos muitos professores que se juntaram aos alunos neste protesto improvisado.
Na altura, a proteção civil foi clara: não estavam reunidas condições suficientes para realizar aulas em alguns setores do edifício e mandou encerrar dez salas temporariamente. Quase quatro meses depois, a 30 de janeiro deste ano, os técnicos da Câmara Municipal de Lisboa tiveram um parecer idêntico e notificaram a EMCN a fazer obras urgentes e a encerrar definitivamente dez aulas.
O problema, denunciam professores e alunos, é que o Conservatório não tem verbas suficientes para fazer as obras necessárias e as entidades competentes continuam a não dar uma resposta definitiva para travar a situação.
Sem obras de fundo, a situação é gerida ao “desenrasque”, confessa Lília Kopke. “São colocados baldes nos sítios onde chove, mas em dias em que a água cai com mais intensidade simplesmente não há aulas”.
Cátia Ferrão, membro da direção da associação de pais, alerta para os “graves problemas de desigualdade entre os alunos do Conservatório e os restantes, porque os primeiros não estão a ser preparados devidamente para os exames nacionais que se avizinham”. Existem mesmo alunos que só têm uma “aula [de artes] por semana e muitas vezes não têm algumas aulas de português e de matemática, disciplinas prioritárias”, atesta Sofia Candeia, uma das alunas mais inconformadas com a situação a que a escola chegou.
A 20 de fevereiro, o Ministério da Educação deu autorização à EMCN para apresentar os orçamentos necessários para a realização de obras. Uma abertura que para a diretora do Conservatório, na altura contactada pela Lusa, “não chega”. “Ando desde 2013 a ter contactos com a Direção Geral de Estabelecimentos Escolares para resolver o problema [de degradação do edifício]. Não se admite que estejam a adiar”, afirmou.
A adiar uma situação que a qualquer momento pode “provocar a morte de alguém”, alertou o professor Nuno Villalonga. Também Bruno Graça, professor de clarinete, foi claro: “As coisas são muito simples: neste momento já baixamos ao ponto de o edifício não ter sequer dignidade para receber alunos e em que não há dignidade humana para dar aulas”.
Mas como se arrastou esta situação durante tanto tempo e até a este ponto? Sofia Candeia deu a sua versão dos acontecimentos, enquanto o professor Nuno Villalonga acenava com a cabeça em concordância: “As pessoas que estão no poder, os proeminentes políticos, não dão valor ao ensino artístico e cultural em Portugal e querem obrigar os alunos a passarem do setor público para o privado. É uma vergonha!”, rematou.