O fio da espada roçava-me a jugular. Os Beatles – era esse o nome que usávamos para nos referirmos aos três militantes – sempre gostaram de testar-nos. Sentaram-me no chão. Descalço. Com a cabeça rapada. Uma barba imensa e um uniforme laranja que celebrizou, tristemente, a prisão norte-americana de Guantánamo. John tentou aumentar o dramatismo. Acariciava-me o pescoço com o aço sem deixar de falar.
É assim que Javier Espinosa, repórter do El Mundo, inicia o texto publicado este domingo no jornal espanhol, onde relata a experiência de ter sido mantido como refém do Estado Islâmico durante 194 dias numa prisão na Síria, criada à imagem da prisão militar de Guantánamo.
Foi nessa prisão que os jihadistas juntaram 23 reféns de 11 nacionalidades diferentes. Desses, sete estão mortos. Javier Espinosa, conhecido como o prisioneiro 43, foi libertado em março de 2014, juntamente com o colega Ricardo Garcia Vilanova (repórter fotográfico) e com o jornalista do Periodico de Catalunya, Marc Marginedas. Durante o tempo em que esteve preso, Javier Espinosa partilhou a cela com James Foley, o fotojornalista decapitado pelo EI em agosto desse mesmo ano e a primeira vítima a aparecer em vídeo divulgado pelos terroristas.
Esta é a primeira vez que o jornalista do El Mundo fala da experiência publicamente. Enquanto esteve preso, os jihadistas ameaçaram-no. Se ele falasse, os companheiros que continuaram presos morreriam. Do grupo de 23 reféns, 15 foram libertados, seis executados e uma cidadã norte-americana, Kayla Mueller, foi morta em fevereiro passado, durante um raide aéreo norte-americano, segundo o EI.
A situação do repórter fotográfico britânico John Cantlie, que também estava detido no mesmo local, continua incerta. Os ‘jihadistas’ divulgaram recentemente um vídeo que mostrava John Cantlie com vida.
Segundo Espinosa, o EI reuniu os reféns internacionais, trabalhadores humanitários ou jornalistas, numa única prisão que funcionava como uma réplica de Guantánamo, uma base militar norte-americana em solo cubano onde estão detidos os suspeitos de terrorismo e os suspeitos capturados no Afeganistão.
O relato escolhido por Espinosa para iniciar o texto ilustra uma prática comum nessa prisão. Trata-se da “falsa execução”. Os jihadistas simulavam com todos os reféns várias formas de execução, ameaçando-os com facas e armas de fogo. Um desertor do Estado Islâmico explicou esta semana à Sky News que esta é a razão que explica a calma aparente demonstrada por aqueles que foram executados em frente a uma câmara de vídeo. A experiência de Espinosa com estas falsas execuções fê-lo ter uma certeza: “Aquele encontro confirmou o caráter psicopata dos nossos interlocutores”, escreve.
No texto publicado este domingo, o repórter do El Mundo fala igualmente sobre os atos de tortura física e psicológica que sofreu durante vários meses. Os militantes jihadistas obrigaram os reféns a ver as fotografias da execução de um refém russo, o engenheiro Serguei Nicolayevitch Gorbounov, sequestrado em outubro de 2013 e assassinado em março de 2014, segundo Espinosa.
O repórter espanhol refere ainda que todos os guardas manifestavam um “ódio doentio” contra o Ocidente e que consideravam que todos os jornalistas trabalhavam para os serviços secretos.