Discurso de Américo Duarte, deputado da UDP, proferido na Assembleia Constituinte a 10 de Dezembro de 1975:
“Passo agora a frisar um assunto que muito tem preocupado o Governo. Como seja a procura de armamento. A forma como se tem efectuado essa procura e a necessidade de mostrar que há material apreendido leva a aspectos cómicos pela deturpação que os comunicados oficiais sistematicamente fazem. (…) Nestas buscas não são poupadas sequer as clínicas médicas. Assim, ontem, dia 9, coube a vez à clínica popular comunal da Cova da Piedade. Passo a ler um comunicado distribuído à população sobre este assunto:
‘À população:
Hoje, dia 9 de Dezembro, pelas 6 horas da manhã, um forte aparato militar, composto por cerca de 100 guardas republicanos e fuzileiros, visitou interiormente a Clínica Popular Comunal, na Cova da Piedade. Que procuravam estes «senhores» no interior da clínica? Armas? Os seus detectores de metais e as suas equipas técnicas detectaram uma vasta gama de material de guerra e de combate, tal como: bisturis, pinças, tesouras, fórceps, seringas, agulhas, etc.
(Risos)
Todo este material foi pago pelo povo, pelo mesmo povo que dá de comer, vestir e calçar a essas forças armadas. Entretanto, os seus peritos (?) não só encontraram as armas acima mencionadas, como ainda um vastíssimo arquivo de documentação «altamente secreto», assim ordenado: 5798 tratamentos (pensos, injecções e pequenas intervenções cirúrgicas); noutro arquivo, também «altamente secreto», deparou-se-lhes um ficheiro, que poderá levar à prisão cerca de 5000 bebés consultados no gabinete de pediatria!
(Gargalhadas.)
E mais de 4300 adultos consultados no gabinete de clínica geral! Como bons «peritos», descobriram o paiol de munições da clínica, que consta de milhares de munições, cargas várias e detonadores, tais como: supositórios de vários calibres, vitaminas, antibióticos, bombas-antiasmáticas, Molotov’s de soro, uma arma altamente perigosa, o já célebre raio X…
(Risos)
… e tanto outro material, que só esses «peritos» poderão descrever. Quem os recebeu? A porta foi-lhes franqueada pelo enfermeiro de serviço (note-se que o banco de urgência funciona vinte e quatro horas por dia), um perigoso elemento «contra-revolucionário»…
(Risos)
… e secundado por uma médica espanhola. e três médicos alemães, que se encontram nesta clínica para dar instruções de «guerrilha» contra a doença.
(Risos)
Informa-se, ainda, que todo este material «bélico», altamente perigoso, se encontra em exposição e pronto a ser distribuído ao povo!’”