A pergunta foi colocada uma vez: “Aceita uma nomeação sem um apoio mais alargado?” Foi colocada segunda vez: “Confirma se foi convidado e vai ou não ser reconduzido?”. Três vezes: “Aceita uma nomeação sem exigir um apoio mais alargado? Não é importante um apoio mais alargado?”. Quatro vezes: “Confirma que vai continuar como governador do Banco de Portugal?”. A todas estas perguntas do deputado Pedro Nuno Santos do PS, da deputada Mariana Mortágua do BE e dos jornalistas, a resposta foi o silêncio. O governador do Banco de Portugal esteve durante mais de quatro horas na Assembleia da República a fazer um balanço do mandato à frente da instituição, mas ignorou as perguntas sobre a sua recondução. No final, um auto-elogio em forma de resposta indireta:
“O tempo há-de dar tempo [para uma avaliação]. Há uma coisa que está acima de tudo: que é a estabilidade do sistema financeiro. E um governador tem de engolir em seco muita coisa se for necessário para manter a estabilidade do sistema financeiro”.
Foi a última audição de Carlos Costa na Assembleia da República, pelo menos neste mandato. Com notícias de que tinha recebido um convite do Governo para ser reconduzido no cargo, o governador decidiu não falar do assunto e defender a sua gestão à frente do banco central. Começou a audição a dizer que durante estes quatro anos esteve perante três situações extraordinárias – programa de ajustamento, união bancária e colapso do BES – para no final mostrar-se satisfeito pelos resultados conseguidos. E para Carlos Costa estes resultados – recapitalização do sistema financeiro sem aumento abrupto da dívida pública, possibilidade de resultados positivos da banca em 2015 e ainda o volume de imparidades a baixar – prendem-se com a decisão que tomou quando foi negociado o memorando de entendimento de seguir “uma via diferente” de outros países em ajustamento: “Podem acusar-me de muita coisa, mas tenho a meu favor ter tido a clarividência de nesse dia ter dito ao meu interlocutor – que não vou dizer quem é, por ser uma pessoa por quem tenho muito apreço – que comigo enquanto governador não sigo esse caminho. Todos os caminhos têm risco. O risco [deste] é aquele que me estão a querer fazer pagar”, disse.
O governador fez as contas e diz que caso não tivesse optado por um acompanhamento permanente do sistema bancário isso teria levado a um impacto de 30 mil milhões de euros na dívida pública: “Tirando o caso BES, que não tem a ver com esta lógica, conseguimos fazer a recapitalização dos bancos sem impacto na dívida pública. Se tivessemos seguido a via alternativa, (…), isto daria qualquer coisa superior aos 30 mil milhões de euros de recapitalização. Teríamos o sistema bancário nacionalizado e teríamos hoje um problema de privatização”, defendeu.
Reconduzido ou não, eis as questões.
Ficam as perguntas, não as respostas. O PS tem apontado o dedo à atuação do governador do Banco de Portugal e com uma recondução em cima da mesa, os socialistas insistiram num ponto político: a falta de consenso ou de apoio do PS para a sua continuidade à frente do Banco de Portugal. “O governador deve ser nomeado numa ambiente de paz. A verdade é que é e vai ser um dos principais protagonistas (não responsável), de um desastre financeiro deste país. Ninguém pôs em causa a responsabilidade da queda da ponte Entre-os-Rios, mas a verdade é que Jorge Coelho se demitiu. Aceita uma nomeação sem um apoio alargado?”, questionou o deputado do PS, Pedro Nuno Santos.
Mais tarde, o socialista pegou na decisão do governador de não publicar a auditoria interna à atuação do BES para o questionar outra vez, indiretamente, sobre se sente ter ou não condições para continuar como responsável pelo banco central. “Pode deixar muita gente a achar que o sr governador se pode estar a proteger (…) porque até pode fundamentar ou justificar uma possível recondução à frente do BdP”. Em causa está o facto de não serem conhecidas as conclusões relativas à auditoria interna – Carlos Costa disse apenas que na próxima semana tornará pública as recomendações – e que podem ter, para o deputado, conclusões que apontem para uma ação tardia do regulador: “Até a sra. ministra das Finanças disse que deveria ter visto mais cedo [o problema do BES], o vice-primeiro-ministro, a comissão de inquérito escreveu as mesmas conclusões e não sabemos se não é [a mesma conclusão] do relatório da auditoria interna”.
Também o Bloco de Esquerda não deixou de insistir com Carlos Costa sobre a sua recondução. A deputada Mariana Mortágua fez passar a ideia que Carlos Costa podia estar a ser utilizado como “testa-de-ferro” do Governo ao “assumir responsabilidades que também são do Governo”. A deputada referia-se ao facto de o Governo sempre ter dito que a decisão de avançar com a resolução do BES foi do Banco de Portugal: “Pode ser reconduzido como forma de recompensa de uma gestão política no caso do BES”, disse.
Já o PCP fez uma avaliação do trabalho de Carlos Costa na atuação do BES. O deputado do PCP, Paulo São relembrou que antes da queda do BES foi questionado sobre a situação e “podia ter dito muito a estas perguntas do PCP e não disse nada”, concluiu. PSD e CDS não falaram de uma possível recondução.
Com a oposição a questioná-lo sobre a recondução, Carlos Costa preferiu fazer um discurso final em que defendeu a sua governação e apontou para o futuro dizendo que as suas decisões têm um impacto na próxima legislatura: “Quem quer que seja Governo tem aqui uma margem de manobra”, disse referindo-se ao menor impacto na dívida pública que acabou por ter a sua gestão da crise financeira.
As palavras de Carlos Costa já não tiveram resposta, apenas sorrisos.