Central ou trinco, trinco ou central. Durante algum tempo foi esta a vida de Daniel Carriço. É o que dá quando se é bom a jogar à bola em mais do que um território do relvado, embora sempre se tenha sempre um sítio preferido. Daniel gosta de ser central. Foi lá para atrás, na defesa, para o meio da última barreira que se ergue à frente da baliza, que o mandaram “quando era novinho” e já mais corpanzudo do que os outros. Foi ficando e ficando até ser dos melhores e acabar, aos 21 anos, a capitanear os graúdos do Sporting.
Passou uns aninhos a ser leão e a ter mais baixos do que altos. Perdeu duas finais, ganhou outra sem jogar e, depois de 16 anos no clube (dois deles como emprestado a equipas de outras paragens), saiu. Quase tudo lhe correu mal em Inglaterra, no Reading, antes de tudo lhe correr às mil maravilhas em Espanha. “Se me dissessem que isto ia acontecer, não acreditaria”, admitiu, quando lhe perguntámos o que acha do sorriso que este final de época lhe está a dar — conquistou a segunda Liga Europa consecutiva a 27 de maio e, a 31, foi pela primeira vez convocado para a seleção nacional. Por isso é que diz que não está “bastante feliz” em Sevilha. Pudera.
Já está farto de dar entrevistas ou não?
Um bocadinho.
Mas nunca tinha falado como convocado para a seleção nacional.
Pois, isso é a primeira vez. Sem dúvida que hoje é um bom dia para dar entrevistas.
Como está a ser este dia?
Óbvio que estou muito feliz. Foi uma temporada muito importante para mim e tive momentos de bastante alegria. Conquistar a Liga Europa foi fantástico. E se terminar a época estando pré-convocado já era um motivo de orgulho, ser chamado pela primeira vez é o cumprir de um sonho.
O Fernando Santos nunca tinha falado consigo antes desta convocatória?
Óbvio que está atento a todos os jogadores portugueses, sobretudo os que estão no campeonato espanhol, que é um dos mais competitivos. Já tinha enviado observadores e treinadores que fazem parte da sua equipa técnica. Até me encontrei com um deles, que já tinha sido meu treinador. Tivémos contactos e sabia que estavam atentos.
Não se fica mais nervoso quando se sabe que na bancada está um observador da seleção de olho no estamos a fazer?
[Ri-se] É mais um motivo para tentar fazer um bom jogo e dar o melhor. Mas acabamos por ter tanta pressão, entre aspas, tanta vontade de vencer e de fazer com que as coisas saiam bem, que esse é mais um fator de motivação.
Só agora, à segunda Liga Europa que conquista, é que chega à seleção. Não bastava só uma?
[Ri-se outra vez] Também não é assim! Tenho de respeitar porque, na minha posição, o leque de jogadores que o mister tem à disposição é muito variado e tem muita qualidade. Há jogadores que são referências internacionais, como o caso do Pepe e do Ricardo Carvalho. O próprio José Fonte tem vindo a fazer um excelente trabalho na Premier League. Agora chegou a minha vez e o que passa na minha cabeça neste momento é ajudar Portugal nestes dois jogos. Tentar ganhar à Arménia, o que será importante para a qualificação rumo ao Europeu, e depois à Itália, que é muito prestigiante.
O que Fernando Santos tem feito é escolher os do costume nos jogos a contar e fazer as experiências nos amigáveis. Ou seja, até é provável que se estreie logo frente à Itália.
Pois, nessa maneira de ver as coisas pode ser que seja verdade. Não sei o que o mister está a pensar fazer. O que quero é treinar bem durante essa semana, adaptar-me aos meus companheiros — já joguei com alguns deles — e integrar-me da melhor maneira. Sei, pelos jogadores que conheço, que há um excelente ambiente e serei mais um para ajudar. Vou tentar dar o melhor de mim e se o mister entender que posso participar em algum dos dois jogos ficarei extremamente feliz.
Chega à seleção pelo que tem feito no Sevilha. Como é que um clube que já tinha conquistado duas Taças UEFA seguidas consegue fazer o mesmo na Liga Europa? É muy raro, como dizem os espanhóis.
Sim, é mesmo! O Sevilha é um clube com uma mística muito grande, não é fácil fazer isto. Tem uns adeptos que transformam o nosso campo num inferno. Nenhuma equipa gosta de jogar ali e o ambiente é muito desfavorável para quem vem jogar contra nós. Até costumo dizer que começam a perder. É um factor fundamental. Então na Liga Europa, nos jogos a eliminar, decidíamos sempre as eliminatórias em casa. Depois, claro, temos de ver que o nosso treinador [Unai Emery] é muito bom, assim como o plantel.
E também é especial porque estes foram os únicos dois títulos que, para já, conquistou em campo, como sénior. Melhor só ganhar duas Ligas dos Campeões seguidas, não?
Sim, melhor só a Champions. Em Portugal só tinha ganho a Super Taça no meu primeiro ano no Sporting. Não joguei, mas estava no plantel. De resto já tinha perdido duas finais: uma da Taça da Liga [2009] e outra da Taça de Portugal [2011]. Se antes de chegar ao Sevilha me dissessem que isto ia acontecer, não acreditaria. Estou bastante feliz e quero terminar a época da melhor maneira, que será representar o meu país.
Tem o recorde de mais jogos feitos (49) na Liga Europa. Como é que soube que estava prestes a chegar a esta marca?
Acho que li uma notícia, num site qualquer. Depois lá pensei e reparei que era mesmo verdade. Mas no momento até achei que já tivesse mais, porque a UEFA não conta os jogos dos play-offs, das eliminatórias. E já estive em várias com o Sporting e o Sevilha. Isso também não interessa agora [mais risos]
A época passada jogou a primeira final a trinco e, agora, foi central. Quando chegou a Sevilha, vindo do Reading (em 2013), disseram-lhe que vinha para ser o quê?
O Monchi, o diretor desportivo, já me conhecia bem desde que estava no Sporting. Aí já tinha feito contactos para representar o Sevilha, isso até foi falado na altura. Ele já sabia que podia jogar nas duas posições. No primeiro ano reparti-me um pouco entre central e médio centro, este ano fui mais central. Mas o mister Unai conhece-me muito bem e sabe que posso jogar nas duas posições.
Em qual das finais estava mais nervoso?
Foram diferentes. Contra o Benfica foi mais emotiva. Era contra um clube português, o eterno rival, porque sempre joguei no Sporting e habituei-me a estar no lado contrário. Foi um jogo especial, ainda para mais porque foi até aos penáltis e os nervos eram muitos. Agora, contra o Dnipro, foi uma final muito complicada e aguerrida. A relva não estava muito boa e a bola levantava muito, talvez isso tenha complicado um pouco, porque somos uma equipa muito rápida e que coloca muita intensidade nos jogos. Mas depois lá conseguimos fazer a remontada, como dizem em Espanha.
Quando é que meteu na cabeça que queria ser defesa central?
Quando era mais novinho e ainda jogava no Estoril [saiu do clube aos 11 anos] fazia um bocadinho de tudo. Mas como na altura era maior do que quase todos os outros metiam-me sempre a jogar a defesa. Fui jogando aí e, depois, quando o Sporting me viu e fui para lá, joguei sempre a central ou a trinco, e fiquei por aí. Mas se calhar foi uma escolha errada porque são os avançados que ganham dinheiro [ri-se mais ainda]. É normal, no futebol os golos é que pagam bem.
Ontem [domingo] foram os avançados a safar o Sporting. Viu a final da Taça?
Vi sim.
E chegou a ver aquilo mal parado, não?
Fogo… Dizem que o verde é a cor da esperança, mas aos 80 minutos, com o 2-0 a favor do Braga, não estava com muita esperança. Mas o Sporting acabou por ganhar e claro que estou feliz por isso.
O Adrien e o Rui Patrício sempre tiveram jeito para os penáltis?
O Adrien não tanto. Acho que foi uma faceta que melhorou mais como sénior. É capaz de ter batido alguns penáltis quando era mais novo, mas nem sempre era ele o marcador. Já do Rui lembro-me, desde que nos conhecemos, que ele sempre parou penáltis. Ganhámos muitos torneios nas camadas jovens graças a ele. Também me lembro que no primeiro jogo que fez pelo Sporting, ainda como júnior, defendeu um penálti na Madeira. Logo aí se viu a sua aptidão.
Já falou com eles após a vitória?
Falei com o Adrien, com o Rui ainda não. Mas amanhã também vou estar com ele e vamos falar. Vou brincar com ele outra vez, que ele para parar penáltis está sempre presente.
E se para o ano os encontrar na Liga dos Campeões?
Pode acontecer, nunca se sabe. O Sporting está na pré-eliminatória e espero que esteja presente na próxima edição da Liga dos Campeões. O Sevilha vai estar na fase de grupos.
Lembra-se do primeiro jogo que fez na Champions?
Foi logo contra o Barcelona [ri-se]. Era o Messi, o Eto’o, o Henry…
O Messi bem lhe trocou as voltas nesse jogo.
Sim, não foi nada fácil. Era o melhor jogador do mundo e até foi nesse ano que conquistaram o triplete.
É cada vez mais difícil jogar contra ele ou hoje está mais fácil?
Nããã, ele não facilita. Ainda este ano, quando jogámos contra ele no nosso estádio, demos-lhe uma oportunidade e ele meteu-a no ângulo. Acabámos por empatar, mas é sempre muito difícil. Ainda para mais com a equipa que tem atrás dele no Barcelona.
O Daniel chegou a capitão do Sporting com 21 anos. O diretor desportivo do Sevilha já disse que foi dos primeiros a chegar-se à frente e a ser um dos líderes do balneário. Está para breve ficar com a braçadeira?
Não sei, mas no clube veem-me como um jogador importante e também me vejo como tal. Sinto-me muito valorizado. Também me veem como um dos jogadores com mais experiência a nível europeu e é normal que me identifiquem um pouco como um dos líderes. Já temos um português no lote dos capitães, o Beto. Vamos ver como correr no próximo ano, também depende do mister e das entradas ou saídas de jogadores.
E pela primeira vez conseguiu viajar com o Beto para Portugal e até à seleção.
Por acaso não calhou. Cada um veio no seu carro. Como já não voltamos a Sevilha cada um teve de vir no seu.