Em 2014, a receita real dos municípios portugueses atingiu o valor mais baixo desde 2001, mesmo depois de terem conseguido diminuir a despesa real para os valores mais baixos registados desde o início do século XXI. Estas são algumas conclusões de um estudo independente realizado pela Universidade do Minho e divulgado esta sexta-feira pela Direção Geral das Autarquias Locais (DGAL).
No relatório preliminar da análise intitulada “Monitorização da evolução das receitas e das despesas dos municípios”, os autores apontam para uma diminuição da receita real das autarquias desde 2009, ano em que atingiu o valor máximo dos últimos 14 anos – cerca de 8,9 mil milhões de euros. Em 2014, contrariado a tendência crescente observada entre 2000 e 2009, a receita real dos municípios ficou-se pelos 7,3 mil milhões de euros.
Para tal, escrevem os investigadores, contribuíram de forma fundamental dois fatores: a “crise económica, que levou a uma quebra das receitas próprias (com destaque para as de caráter fiscal) de 2008 a 2012″ e “a redução das transferências do Estado para os municípios a partir de 2011″, necessária para “melhorar as contas públicas portuguesas” e para fazer “cumprir os objetivos traçados no Programa de Assistência Económicas e Financeira (PAEF)”.
Ao mesmo tempo, as autarquias têm conseguido reduzir a sua despesa real. No ano passado, a despesa ficou-se pelos 7,2 mil milhões de euros, bem abaixo do valor máximo registado em 2009, ligeiramente superior a 9 mil milhões de euros. Ou seja, “a queda acumulada na despesa de 2009 a 2014 foi cerca de 20%“, avança o estudo.
Ainda assim, se é verdade que os municípios conseguiram, de facto, reduzir a despesa, há dois pontos que devem ser sublinhados: fizeram-no através da diminuição da despesa de investimento e da diminuição com as despesas de pessoal – ou seja, neste último caso, “através de cortes nos salários dos funcionários públicos” e da “redução do número de efetivos”. Mas há ainda outras conclusões a ter em conta.
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Autarcas aceitam mais competências, mas só com reforço do financiamento
Numa altura em que tanto a coligação PSD/CDS como o PS elegem a descentralização de competências como uma das prioridades da próxima legislatura, os autarcas entrevistados pelos investigadores vêm pôr alguma água na fervura. Isto porque, sem uma “adequada dotação financeira” e sem um “quadro institucional transparente” que defina claramente quem é responsável pelo quê, os municípios não sabem se terão capacidade de resposta aos desafios que se colocam.
Nessa linha, uma das reformas mais criticadas pelos autarcas entrevistados foi a transferência de competências na área da Educação, onde não foram acauteladas as dificuldades financeiras das câmaras municipais, “nem os mecanismos de tutela (direção e controlo) em favor dos municípios”.
“Os municípios devem dispor de recursos adicionais [para responder ao reforço de competências]. Devido à situação de emergência de muitas famílias, os municípios vêm-se obrigados a dedicar uma parte do seu orçamento a cobrir este tipo de necessidades, diretamente ou através de transferências para as freguesias”, pode ler-se no documento.
Os autarcas criticaram também “a descentralização de competências para as freguesias” por considerarem ser “de difícil materialização, devido às suas limitações de recursos técnicos, materiais e humanos”, a exemplo do que aconteceu com a recém-criada Junta de Freguesia do Parque das Nações, em Lisboa.
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Saldo de execução orçamental positivo e endividamento a diminuir. Mas cuidado com anos de eleições autárquicas…
Em relação ao saldo de execução orçamental dos municípios as notícias são positivas: desde 2009 para cá, a tendência inverteu-se e só houve um ano (2013) em que a diferença entre as receitas e a despesas efetivas foi negativa.
A propósito desta rubrica, os autores apontam para um facto curioso: “É interessante verificar que o saldo de execução orçamental foi sempre negativo em anos de eleições autárquicas (2001, 2005, 2009 e 2013) e que é também nesses anos que tende a haver uma maior percentagem de municípios com saldos negativos”.
Já no que diz respeito à dívida bruta agregada dos municípios portugueses as notícias não podiam ser melhores: “Desde 2011 tem-se registado uma forte redução desta dívida” que, em 2014, se ficou pelos 5,9 mil milhões de euros. Ou seja, “uma queda de 31% face a 2010”.
Ora, para esta inversão da tendência de endividamento das câmaras municipais, escrevem os investigadores, contribuíram dois fatores: “o Programa de Apoio à Economia Local (PAEL), que converteu parte da dívida a fornecedores em dívida ao Estado”; e a Lei dos Compromissos e Pagamentos em Atraso, que criou sérias restrições ao endividamento de municípios que, não tendo capacidade financeira para assumir compromissos, continuavam a fazê-lo.
Os investigadores concluem, por isso, que a “redução considerável” da dívida dos municípios “ao longo destes últimos anos”, contribuiu “para a redução da dívida pública de Portugal“.
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Receita fiscal aumenta; Sobre-orçamentação continua a ser erro comum
Para manter as contas das autarquias em ordem, em muito tem contribuído o aumento da receita fiscal, sobretudo com o Imposto Municipal de Imóveis (IMI) – de 2002 para cá, as receitas com o IMI aumentaram mais de 700 milhões de euros.
O aumento das receitas provenientes do IMI tem compensado a descida registada em todos os outros impostos (Taxa de Derrama e Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis, vulgo IMT, que deverá ser extinto em 2018, segundo os planos do atual Governo). Só a receita garantida com o Imposto Único de Circulação (IUC) tem resistido à tendência de quebra.
Os investigadores apontam, ainda, para outro dado relevante: as taxas de execução das receitas de capital – ou seja, a diferença entre o que é orçamentado em termos de receitas provenientes de operações de crédito, alienações de bens, amortizações de empréstimos concedidos, transferências de capital, entre outras, e o dinheiro que efetivamente entra nos cofres das autarquias através dessas operações – continuam muito aquém do expectável.
De acordo com o relatório preliminar do estudo da Universidade do Minho, “muitos municípios realizam, persistentemente, uma sobreorçamentação destas receitas, prevendo repetidamente vendas de terrenos e edifícios que não se concretizam”. Mais: “Em 2014 ainda havia 84 municípios que não executavam metade da receita orçada e só 90 executavam pelo menos 90%”.
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Lisboa e Porto com níveis de captação de receita própria por habitante duas a três vezes superiores aos restantes municípios
A conclusão não é surpreendente: as cidades de Lisboa e Porto têm uma capacidade de gerar receitas próprias muito superior à dos outros municípios. Os autores do estudo falam mesmo em níveis de captação de receita própria por habitante duas a três vezes superiores aos restantes. Neste campeonato, só as autarquias do litoral do país (sobretudo as com elevada sazonalidade) parecem ombrear com capital e a cidade nortenha.
No fundo da tabela surgem os municípios do interior e das ilhas, bem abaixo da média nacional. Ora, isto faz com estas autarquias sejam muito mais dependentes das transferências do Estado do que as câmaras municipais com maior capacidade de gerar receitas próprias – estas, muito mais autónomas financeiramente. Em alguns casos, nos “municípios mais pequenos, com destaque para os do interior e ilhas” as transferências do Estado chegam a representar mais “de 90% das receitas totais”.
Já os valores mais elevados de despesa por habitante registam-se nos municípios mais pequenos. O que pode ser explicado por dois motivos: por um lado, pelo facto de os municípios mais pequenos, não tendo muita população, não conseguirem diminuir o custo de oferta de bens e serviços fundamentais; ou, por outro lado, simplesmente porque os municípios com menos população “adequarem as suas despesas às receitas com que podem contar”, daí que os níveis de receita por habitante andem lado a lado com os níveis de despesa.
De resto, as autarquias mais pequenas também lideram no que diz respeito à dívida por habitante, com os municípios do interior e das ilhas a registarem, por norma, níveis mais elevados do que as câmaras municipais do litoral. Os grandes municípios, com população igual ou superior a 40 mil habitantes, “são os menos endividados“.
Existe, ainda, mais um dado relevante: “A população mais envelhecida”, demograficamente mais concentrada no interior do país, “está associada a maiores despesas municipais por habitante e a uma menor capacidade de gerar receitas próprias“, cenário que, de resto, “parece ser compensado por via de transferências do Orçamento de Estado”.
Em sentido inverso, “os municípios com uma maior percentagem da população abaixo dos 15 anos registam, nos primeiros anos da amostra, menores valores de receita e de despesa por habitante, embora nos últimos anos, apresentem maior capacidade de obter receitas próprias”, como observam os autores do estudo.
Pode consultar o documento na integra em anexo.