Entrou em vigor esta quarta-feira o novo Regulamento da Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores (CPAS) que, entre as várias medidas aprovadas, prevê o pagamento de contribuições mensais pelos advogados estagiários, muito deles sem trabalho remunerado. As novas medidas pretendem evitar o colapso financeiro da entidade, responsável pela segurança social dos mais de 30 mil advogados em Portugal.
O novo regulamento, aprovado no passado dia 30 de abril em Conselho de Ministros, pretende alargar o pagamento de contribuições a todos os inscritos na Ordem dos Advogados, incluindo estagiários. A partir de 1 de julho, estes, até então isentos, terão de pagar uma contribuição mensal equivalente ao primeiro escalão contributivo, ou seja, 21,46 euros.
Mas este valor é apenas provisório. O regulamento prevê o aumento gradual da taxa contributiva dos beneficiários até 2020. A taxa, atualmente nos 17%, irá subir para os 19% já em 2017. No ano seguinte, irá chegar aos 21% e, em 2019, aos 23%. Em 2020, irá aumentar para os 24%, o que significa que, daqui a cinco anos, um advogado estagiário terá de pagar 30,3 euros por mês à Caixa de Previdência.
“Com a mudança da taxa contributiva, em 2017, um advogado terá de pagar no mínimo 119 euros, o equivalente ao escalão mais baixo obrigatório. Em 2020, esse valor irá aumentar para os 242 euros.
Esta nova regra, que também se aplica aos estagiários da Câmara dos Solicitadores, só afetará, porém, os estagiários que se encontrem na segunda fase do período de estágio ou que tenham atividade aberta nas finanças. Os jovens advogados, que até então podiam pedir a suspensão dos pagamentos durante três anos, terão também de contribuir mensalmente. A CPAS garante que no caso dos advogados em que a suspensão já foi requerida, esta manter-se-á até ao termo do período concedido.
“Muitos acabarão por abandonar a profissão”
A seguir aos estagiários, os advogados em início de carreira serão os mais afetados com as novas mudanças. José Costa Pinto, presidente da Associação Nacional de Jovem Advogados (ANJAP), acredita que as novas medidas irão fazer com que muitos advogados abandonem a profissão. Ao Observador, o presidente da ANJAP disse que gostava de saber se “o impacto daqueles que vão abandonar a profissão foi considerado”. “É que se não foi, daqui a meia dúzia de anos vamos ter de discutir estas regras”, acrescentou.
Para José Costa Pinto, o “problema de base é como é que se justifica que os colegas que começam a estagiar tenham de pagar”. “A primeira dúvida que surge — partindo do pressuposto que esta reforma era necessária para evitar o colapso da Caixa –, é se o esforço foi distribuído equitativamente por todos os beneficiários, o que não é claro para nós“, disse ao Observador.
Num país onde, por norma, os estagiários “não ganham ou ganham pouco, não faz sentido nenhum que tenham de contribuir”. E nem é certo que muitos deles cheguem a exercer a profissão. Com a entrada em vigor do novo regulamento, deixou de ser possível resgatar os pagamentos feitos durante o estágio. Isto significa que, no caso de um advogado que nunca chegue a exercer, o dinheiro pago à CPAS durante o período de estágio nunca será devolvido.
“O que fazia sentido era, antes de colocarmos esta obrigatoriedade, discutirmos o financiamento dos estágios”, referiu. “Não há uma varinha de condão que resolva estas questões. É importante que sejam discutidas. É um paradigma que tem de mudar.” Apesar disso, José Costa Pinto garante que “não houve espaço, nem tempo, nem meios, para explicar” estas questões.
Num comunicado divulgado no Facebook, é explicado que não foi possível “à ANJAP esclarecer quaisquer dúvidas, nem através da Direção da CPAS, que não a recebeu, nem no âmbito da Assembleia Geral de 6 de fevereiro de 2015”, onde se optou “por não discutir a proposta em causa”. José Costa Pinto defende que muita coisa ficou para explicar. Para que as medidas sejam bem recebidas, o presidente acreditar ser necessário que todos “estejam confortáveis com as novas regras” e que seja claro que estas eram necessárias. O que não aconteceu.
Beatriz Santos, estagiária, vai ser uma das muitas futuras advogadas que vão ser afetadas pelas novas regras. Ao Observador, admitiu que a situação é muito complicada. Não é obrigatório pagar aos estagiários pelo trabalho realizado e, os que são pagos, recebem salários muito baixos. “É muito pouco representativa a percentagem de estagiários que recebe um salário elevado”, explicou ao Observador. A situação atual é “muito deslocada do que se passa neste momento”.
A estagiária admite ter a sorte de trabalhar com “pessoas impecáveis”, mas isso nem sempre acontece. Existem muitos estagiários que, “se arranjarem um cliente para o escritório, não recebem nada”. “Tenho tido a sorte de ter gente que me ajuda” e acompanha, mas “conheço pessoas que nem nunca falaram com o patrono”.
Beatriz Santos acredita que, para quem está a começar, é ainda mais complicado. “Vai afetar advogados em várias fases. Isto das contribuições seria ótimo num mundo ideal”, onde o salário era sempre certo. Para além disso, diz não compreender a necessidade de limitar o acesso à profissão.
“O próprio mundo vai-se limpando e regenerando. A oferta é tão grande que, quem não é bom o suficiente, tem de acabar por ir embora.”
Gastos que nunca mais acabam
As contribuições mensais à CPAS são apenas uma pequena parte dos custos que os advogados estagiários têm de suportar. Para além dos gastos diários com deslocações, alimentação e outras despesas, os estagiários são obrigados a pagar uma série de emolumentos avultados à Ordem dos Advogados (OA) ao longo dos pelo menos dois anos de estágio.
No ato de inscrição na OA, os advogados estagiários têm de pagar um emolumento no valor de 700 euros. A esse primeiro pagamento, acresce um emolumento de 150 euros pela prova de aferição, o exame realizado no final do primeiro período de estágio (formação inicial), que tem a duração de seis meses. Se passarem no exame, os estagiários têm 15 dias para pagar 500 euros “após a publicação no portal da Ordem dos Advogados da aprovação”. Caso contrário, terão de repetir a fase de formação — e pagar mais 700 euros.
Antes do exame final de avaliação e agregação, realizado no final do segundo período e estágio, que tem a duração de 18 meses, os estagiários têm de pagar 150 euros. Se chumbarem, têm de pagar 500 euros. A repetição do exame escrito nacional ou da prova oral custa 50 euros. Por fim, para se inscreverem como advogados, os estagiários têm de pagar 300 euros.
Para dar início ao processo de candidatura de estágio num dos centros distritais a OA, é necessário ter um patrono. O patrono deve ser um advogado efetivo com pelo menos cinco anos de trabalho. Este tem o dever de acompanhar o estagiário durante o período de estágio e prepará-lo para quando tiver de trabalhar sozinho. Uma mudança de patrono custa 50 euros. A alteração do centro distrital custa também 50 euros.
Os emolumentos que devem ser pagos pelos estagiários durante o período de estágio são os seguintes (inscrição inicial e provas de avaliação):
- Inscrição inicial: 700 euros
- Realização da prova de aferição no final do período de formação inicial: 150 euros
- Aprovação da prova de aferição: 500 euros
- Repetição da fase inicial de formação: 700 euros
- Repetição de um dos testes da prova de aferição: 50 euros
- Realização do exame final de avaliação e agregação no final da fase de formação complementar: 150 euros
- Repetição da fase de formação complementar: 500 euros
- Repetição do exame escrito nacional: 50 euros
- Repetição da prova oral: 50 euros
- Pedido de revisão da prova do exame escrito nacional: 37,50 euros (por área)
- Inscrição na prova oral para melhoria da classificação: 25 euros
Outras despesas:
- Mudança de patrono: 50 euros
- Prorrogação do período de estágio: 50 euros
- Transferência do centro distrital de estágio: 15 euros
- Inscrição como advogado: 300 euros
Um regulamento para evitar a bancarrota
De acordo com o Decreto-Lei n.º 119/2015, de 29 de junho, as novas regras visam garantir a sustentabilidade financeira da Caixa de Previdência, assim como o pagamento das pensões dos futuros advogados.
Com a aplicação das medidas do novo Regulamento da CPAS, pretende-se que o regime específico de segurança social dos advogados e solicitadores reforce a sua sustentabilidade, alicerçado nas contribuições dos seus beneficiários e sem esgotamento dos seus recursos financeiros”, refere o Decreto-Lei.
Segundo o documento, na base das alterações está o aumento exponencial do número de pensões em pagamento, face ao número contribuições mensais. Em 2001, existiam 17.660 beneficiários ativos para 1.992 pensionistas. O número quase que duplicou nos dez anos seguintes. Em 2013, o número de beneficiários associados à CPAS ascendeu aos 28.730, enquanto o número de advogados e solicitadores reformados chegou aos 4.609.
Para justificar as alterações, a CPAS apontou ainda a tendência de envelhecimento da população portuguesa, associada à maior expectativa de vida dos associados à entidade. De acordo com um “estudo detalhado” realizado pela Caixa de Previdência, “a população de advogados e solicitadores inscritos tem uma expectativa de vida superior em 11% à população portuguesa”.
“Os estudos atuariais efetuados impõem a urgente correção de um sistema que hoje já não tem, no universo contributivo em análise, suporte suscetível de garantir longevidade ao regime”, pode ler-se no Decreto-Lei.
Por estes motivos, tornou-se “fundamental a procura de um equilíbrio entre o esforço contributivo e o valor das reformas”, uma vez que “o valor das contribuições efetuadas pelo pensionista é, em média, insuficiente apenas para financiar dois a três anos da sua pensão”.
O Observador contactou a Ordem dos Advogados mas, até ao momento, ainda não obteve resposta às questões colocadas.