O Ministério da Economia reconhece que o chumbo do Tribunal de Contas ao contrato de longo prazo entre a CP e a Emef pode ter sérias consequências para a sobrevivência da empresa de manutenção de comboios que está em processo de privatização.
Numa reação à recusa do Tribunal de Contas (TdC) em validar contratos de 354 milhões de euros (mais IVA), fonte oficial da Economia sublinha que esta situação “deixa a empresa com uma redução de mais de 80% de atividade dado que a Emef depende dos serviços que presta à CP. Isto pode, naturalmente, ter consequências para o futuro”. Já para o TdC, não “é evidente” que este contrato de longa duração salvaguarde os interesses da CP e do Estado”. A CP vai contestar este acórdão que ainda não transitou em julgado e cujo teor foi avançado pelo jornal Público.
Em causa estão dez contratos para a manutenção e grandes reparações da frota de material circulante, incluindo a renovação dos Alfa Pendulares, que é a adjudicação mais alta no valor de 66,7 milhões de euros. Os mais longos vão até 2025. A celebração destes contratos foi autorizada por despacho conjunto dos secretários de Estado dos Transportes, Sérgio Monteiro, e do Tesouro, Isabel Castelo Branco, os dois membros do governo que têm assumido a tutela das privatizações neste setor. Estes despachos declaram a suficiência orçamental e a cativação de verbas pela CP até ao patamar de 336,8 milhões de euros (os contratos valem 354 milhões de euros). O montante total em causa é o valor mais alto contratado de uma só vez pela operadora ferroviária desde pelo menos 2010.
O acórdão do Tribunal de Contas que fundamenta a recusa de visto prévio questiona os argumentos da CP para celebrar um contrato desta dimensão e duração, o maior dos até agora analisados, no momento em que a Emef está a ser privatizada. A Emef é uma empresa do grupo CP cuja atividade depende em larga escala da sua acionista.
Tribunal fala em vantagem para acionistas privados
Os argumentos tornados públicos esta segunda-feira, depois de noticiados pelo jornal Público, contrariam a tese avançada pela empresa pública ferroviária que invoca uma contratação “in house” (dentro de casa) para justificar esta adjudicação direta e sem concurso público a uma empresa participada. A Emef está em processo de venda a privados e estes contratos asseguram, na perspetiva do TdC, uma vantagem para os futuros acionistas. Considera por isso que não é admissível “a não observância do princípio da concorrência” porque está em causa um longo período temporal para a execução dos contratos (5,7 e dez anos), em que a Emef já não pode ser equiparada a uma estrutura de gestão interna da CP ou um seu prolongamento organizacional”.
Na semana passada, a CP recebeu duas propostas para a compra da Emef, uma das Alstom e outra da Bavaria Industries Group, que terão sido apresentadas com base num plano de negócios que previa estes contratos de manutenção com a principal cliente. O processo de alienação da empresa de manutenção foi menos concorrido que o da CP Carga que suscitou quatro propostas. O governo quer fechar estas duas operações até final de julho. Daí que o Tribunal conclua:
Durante 5,7 e 10 anos a Emef, já detida por capitais privados, teria assegurada uma vantagem, sobre potenciais concorrentes, prestando serviços à partida contratualmente assegurados e seguindo preços em nada resultaram da dinâmica do mercado e do jogo da concorrência. E a CP, durante o mesmo período alargado temporal, ficaria vinculada a tais compromissos contratuais (no valor de 354,164 milhões de euros). (…) Em contrapartida, não é evidente que os interesses da CP e do Estado, sobretudo atendendo aos alargados prazos de execução que aqui estão em causa, tenham sido devidamente salvaguardados”.
Governo contrapõe poupanças
O Ministério da Economia, que tutela a CP, argumenta que “a renovação dos contratos de manutenção entre a CP e a Emef é recorrente”, embora o Tribunal sublinhe que até agora só se pronunciou relativamente a contratos com uma extensão temporal muito mais reduzida. O governo reproduz justificações dadas pela operadora ao Público, dizendo que os contratos agora recusados “obtêm uma poupança da ordem dos 50 milhões de euros em comparação com os valores historicamente pagos pela CP à Emef”.
Nessa medida, defende que os contratos representam uma poupança de várias dezenas de milhões de euros para a CP, considerando que a empresa pública está devidamente protegida de qualquer desvantagem patrimonial, na medida em que uma hipotética vantagem passada para a Emef “voltaria à CP pela receita da privatização”.
O Ministério da Economia não se pronuncia sobre o eventual impacto deste chumbo na privatização da Emef, mas acrescenta: “Sabemos que a CP irá dar resposta às dúvidas do Tribunal de Contas e esperamos que a empresa tenha condições para prosseguir a sua atividade com normalidade.”