Uns acusam-no de ser louco, radical e profundamente xenófobo. Outros veem nele o último dos patriotas e o exemplo de homem de sucesso a seguir. E há quem o veja simplesmente como um daqueles fenómenos extravagantes que as corridas à Casa Branca têm tendência a criar. Mas dificilmente alguém lhe fica indiferente. Donald Trump anunciou em junho a candidatura às primárias do Partido Republicano e, desde aí, tem somado polémicas atrás de polémicas através de um discurso violento contra a imigração mexicana e de ataques contra o próprio partido.
O último a reagir ao fenómeno “Donald Trump” foi o Huffington Post. Numa decisão inédita, o jornal norte-americano anunciou que ia passar a fazer a cobertura da campanha do bilionário na área de “entretenimento”. Numa nota assinada pelo responsável pela redação em Washington e pelo diretor editorial, a publicação revelou os motivos que levaram a esta tomada de posição: a campanha de Trump é um “espetáculo à parte” e, como tal, recusa-se a “morder o isco”. Dirigindo-se diretamente aos leitores, os responsáveis pelo Huffington Post disseram: “Se estão interessados no que ‘O Donald’ tem para dizer [como se de uma personagem se tratasse], vão encontrá-lo junto das nossas histórias sobre os Kardashians”.
Em Portugal, seria o equivalente a fazer a cobertura da campanha de um qualquer candidato a candidato a Presidente da República como se se tratasse de mais uma extravagância de uma qualquer celebridade que costuma encher as páginas ditas cor-de-rosa. A decisão do Huffington Post acabou por criar muita controvérsia: até que ponto cabe aos meios de comunicação social definir quem deve ou não ser levado a sério?
Jay Rosen, um dos mais influentes críticos norte-americanos, veio defender a posição assumida pelo Huffington Post, usando, para isso, uma metáfora curiosa. Donald Trump é “um acidente de carro ambulante” disposto a chamar atenção através de todos os meios, mesmo os mais chocantes. E, nesse sentido, não pode ser avaliado da mesma forma que os restantes candidatos. “Mesmo que possa afetar a corrida [presidencial]” e mesmo que traga “consequências políticas bastante reais”, sublinhou Rosen.
O professor de jornalismo utiliza, ainda, dois outros argumentos para se colocar ao lado dos responsáveis pelo jornal: a decisão do Huffington Post acabou por ser a mais “transparente” possível, porque os jornalistas, por mais profissionais que fossem, dificilmente conseguiriam tratar a candidatura de Donald Trump com a isenção e distanciamento exigíveis. Além disso, Jay Rosen, que falou com Ryan Grim, o responsável pela redação do jornal em Washington, acredita que os jornais não deveriam continuar a atribuir tamanho espaço mediático a um candidato que está conscientemente a desviar a atenção dos assuntos que deveriam realmente ser discutidos.
James Poniewozik, jornalista da Time, no entanto, veio trazer outros argumentos ao debate que instalou sobre se a decisão do Huffington Post foi ou não a mais correta. Para Poniewozik, Trump tornou-se um problema sobretudo para os Republicanos, não por caber na categoria de “entretenimento”, mas precisamente por ser um “problema político”. “Podemos argumentar que Trump (…) não tem qualquer chance [ou intenção] de ganhar (…) Podemos dizer que Trump está a receber demasiada cobertura e estaríamos provavelmente corretos. Mas se Trump é jornalisticamente interessante é-lo por razões políticas”, começou por escrever Poniewozik. Mas talvez não pelas razões que os candidatos “tradicionais” o costumam ser.
O jornalista da Time acredita que é possível retirar uma leitura do facto de Trump, “um palhaço” mesmo para os padrões dos reality-shows, estar a lidar as sondagens para a vitória no Partido Republicano. Trump é a prova do quão “volátil e aberta” está a corrida republicana neste momento. Mais: representa a existência de um “traço de nativismo” e de “raiva” contra os imigrantes que atravessa todo o eleitorado conservador.
De facto, e indiferente a todas as polémicas, Donald Trump continua a cavalgar a onda de mediatismo e a liderar confortavelmente as sondagens na corrida às primárias republicanas, com 24% das intenções de voto. De acordo com uma sondagem do Washington Post, o Governador de Wisconsin, Scott Walker, o segundo melhor posicionado, tem apenas 13%. Outro dado relevante: segundo o site especializado em análise estatística, FiveThirtyEight, Trump lidera a lista de candidatos mais acompanhados pelos media e surge igualmente em primeiro entre os candidatos com mais pesquisas no motor de busca Google.
Ou seja, Trump está a conquistar o eleitorado republicano e a provocar, pelo menos, curiosidade nos media e nos norte-americanos. Por estes motivos, James Poniewozik acredita que a decisão do Huffington Post é errada. “Se o Huffington, ou qualquer outra pessoa” quer provar “que Donald Trump é uma fraude, perigoso, pouco sério ou simplesmente errado, que o faça”, desafia o jornalista da Time. “Um jornalismo sério e inteligente pode provar um ponto de vista. Mas tem que ser fundamentado na realidade. E a realidade é que os Estados Unidos chegaram a uma conjuntura onde Donald J. Trump é uma figura política”.