Malditas primeiras vezes. O corpo preso de movimentos pelo nervosismo da perda da virgindade, as mãos que dão guinadas, os pés das travadelas bruscas, a ansiedade a atrapalhar a estreia na condução de um carro. É tramado saber que nada se sabe sobre algo que se vai experimentar pela primeira vez. O nervoso a ficar miudinho na entrada para relvado, os passes que se falham por saírem pensados e não automáticos, a corrida que se corre a mais pela vontade em mostrar serviço. Os jogadores do Tondela podia estar a tremer das pernas e dos pensamentos, os malandros, que lhes lembravam que o clube nunca tinha estado na primeira liga. Mas não, qual quê. Porque as estreias não são uma ciência que diz a quem nunca andou no campeonato para ter medo de quem sempre lá esteve.

Os que vestiam de riscas verticais, verdes e amarelas, começaram atrevidos, soltos dos cordas do nervosismo. Pareciam dizer uns aos outros que ali, no Estádio de Aveiro que alugaram para serem anfitriões, o Sporting não podia estar à vontade. Por isso esqueceram que a cautela existe no futebol e pressionaram os leões. O Tondela começou atrevido, a correr muito, a pressionar lá à frente, a apertar como um grande, a não querer deixar jogar quem ali estava para dominar. Daí que a primeira falta do campeonato seja de João Pereira, depois de perder a bola, e o primeiro livre batido de Jon Murillo. Só aos 10’, quando Bryan Ruiz mostra o veludo que tem no pé esquerdo, dá em Téo Gutiérrez para, na esquerda, o colombiano cruzar e Slimani rematar, é que o Sporting começa a obrigar o Tondela a parecer o que é — um estreante na liga.

Até aí os passes dos leões não saem. A bola não os liga e divide-se em ressaltos e viagens pelo ar, tal e qual as distritais onde o Tondela andava há 10 anos. A pressão desenfreada dos estreantes resulta até os tais dez minutos se contarem. Até o Sporting se habituar a ser chateado e a perceber como o chateiam. Ruiz e Carrillo fogem das faixas, espreitam ao meio e juntam-se para os passes dos médios os encontrarem. Os laterais que cuidem das linhas onde o espaço começa a abundar pelas atenções que o costa-riquenho e o peruano atraem. Jefferson cruza aos 11’ para a cabeça de Slimani não chegar por pouco. Dois minutos passam e uma jogada parecida acontece. Contam-se outros dois e há golo quando a bola que Carrillo pica para Ruiz receber e cruzar vai parar a João Mário, cujo remate na área desvia num defesa para entrar na baliza. 1-0 e o primeiro golo do campeonato é português.

O Sporting faz-se confortável em casa alheia. A bola troca-se rápido e com poucos toques. Slimani trocas as voltas a quem o marca na frente, está sempre a fugir. Adrien e João Mário livram-se de pressão com passes rápidos. Carrillo é a culebra que lhe dá alcunha e ziguezagueia por entre adversários. As jogadas de perigo são verde e brancos e nota-se que os pincéis que Jorge Jesus distribuiu pelos jogadores. A primeira vez do Tondela dificulta-se e Rui Patrício só toca com as mãos na bola aos 37’, só para a agarrar. Jon Murrillo é quem mais se vê nos estreantes, mas pelo muito que corre a defender e o pouco que o deixam correr a atacar. O intervalo chega, fecham-se os primeiros 45 de 24.260 minutos de futebol deste campeonato.

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O descanso faz melhor a quem já estava bem do que aos que estavam mal. Os leões continuam frescos, com vontade de acelerar. Ruiz é o extremo maroto que passa a vida no centro do campo para Jefferson, o lateral com muita corda nas pernas, sprintar para a frente. A equipa usa-o e abusa-o, o pé esquerdo do brasileiro farta-se de cruzar a bola para a área. Slimani tem dois remates, um deles depois de um calcanhar de Carrillo lhe passar uma bola a reclamar por golo. O Sporting não marca, o estreante aguenta-se — para ser feliz. Vítor Paneira, o outrora extremo e hoje treinador do Tondela que demorou 13 anos a chegar à primeira liga, dissera que na cabeça só tinha “dois resultados possíveis: a vitória ou o empate”. E a segunda hipótese apareceu com um empurrão do homem que tinha na equipa com mais jogos feitos no campeonato.

Tondela´s players celebrate after scoring an equalizer against Sporting during their Portuguese First League match held at Aveiro Stadium, Portugal, 14 August 2015. PAULO NOVAIS/LUSA

O Tondela fez o seu primeiro golo de sempre na liga aos 58′. Foto: PAULO NOVAIS/LUSA

Porque Luiz Alberto, aos 58’, esperou que Tinoco, num daqueles livres mascarados de canto, encostado à linha, cruzasse a bola. Ela lá foi, longa, a curvar para dentro. Rui Patrício deu um passo à frente sem dar mais, ficou no vai-não-vai que trama sempre os guarda-redes e deixou que a bola chegasse ao brasileiro, que fez golo com um toque da bola no braço pelo meio. 1-1 e o primeiro golo do Tondela aparecia de quem já tinha 83 jogos feitos na liga. Soava o alarme no Sporting e os berros de Jorge Jesus até passaram a ser audíveis para quem via o jogo pela televisão.

Os nervos para os estreantes, agora, eram outros — havia que guardar o ponto histórico para arrancar a liga com meio pé direito. Lucas Souza, o trinco, começou a apagar os fogos a que os centrais não chegavam, enquanto Murillo e Machado, os extremos, passaram a correr só para trás. Os leões quiseram acelerar tudo, mas atacar rápido não é o mesmo que atacar à pressa e as coisas não saíram como antes. Bryan Ruiz já tinha sempre alguém a dar-lhe sombra e o Tondela fechava-se em copas ao meio para obrigar o Sporting a recorrer aos cruzamentos do canhoto de sempre. Era o que os estreantes queriam, pois já estavam preparados para cercar Jefferson e rara foi a bola que o brasileiro conseguiria, depois do golo, fazer chegar à área. Carlos Mané entrou para não se parar de mexer e descobrir espaços, Montero foi atrás para segurar a bola e ser um faz-tabelas na área. As oportunidades apareceram, mas os remates eram bloqueados.

O Sporting não conseguia manter o ritmo, abrandava, o Tondela não se desmontava por nada e poucos eram os espaços que não conseguiam tapar. Parecia que este seria o 12.º de 14 arranques de campeonato em que Jorge Jesus não conseguiria levar uma vitória para casa. Esteve quase, porque foi no último de cinco minutos de compensação que Gelson Martins demorou menos um segundo a chegar à bola que Murillo e caiu na área pelo pontapé que o venezuelano (emprestado pelo Benfica) lhe deu — após um lançamento lateral que João Pereira faz com os pés dentro de campo. Penálti, discussões no relvado, esperança à última hora. Jesus foi rápido a esticar o braço e apontar para Adrien Silva, o médio feito capitão leonino que assim arrancou esta liga da mesma maneira que terminou a anterior — a marcar uma grande penalidade. Golo, 2-1, 98 minutos no jogo, vitória para o Sporting e zero pontos para o Tondela.

Mas o estreante, matreiro, esforçado e com “uma excelente organização defensiva”, a que Jorge Jesus admitiu que o surpreendeu, bateu o pé e mostrou “uma equipa atrevida”, como Vítor Paneira disse, no final, querer sempre e “frente a qualquer adversário”. O estreante quase pregava uma partida ao homem que não se dá bem com estreias no campeonato e que, desta vez, conseguiu levar os três pontos para casa. Os primeiros na liga que o Sporting quer conquistar. Enquanto a equipa não os teve na mão, quando o jogo estava empatado, Jesus achou que “tudo o que a equipa fez foi maravilhoso”. Mas essa maravilha só o fez sorrir pela quarta vez numa primeira jornada do campeonato no último minuto que houve para jogar. As primeiras vezes são mesmo tramadas.