Pelo menos numa coisa António Costa e Pedro Passos Coelho parecem estar de acordo. Os dois defendem a introdução de medidas de discriminação positiva (preços mais baixos) nas portagens das autoestradas do Interior e do Algarve.

O que foi dito

Pedro Passos Coelho sobre as portagens mais baratas no Interior: “Após termos feito a renegociação toda — das parcerias público privado (PPP) –, podíamos ter decidido isso logo. Não o fiz porque se o tivesse feito as pessoas iriam dizer que o fazíamos por razões eleitorais. Por isso, deixámos isso no nosso programa, apesar de termos todas as condições para o praticar já”, garantiu o primeiro-ministro, numa visita a uma fábrica na Guarda realizada na sexta-feira passada.

Segundo Passos Coelho, o Governo elegeu como “prioridade” conseguir “que todas as regiões do interior, e o Algarve, por uma razão muito específica, tivessem um custo de portagens que promovesse ainda mais a acessibilidade e o desenvolvimento”. O primeiro-ministro assegura ainda que a “discriminação positiva” será “aplicada quer ao tráfico ligeiro, quer às mercadorias”, a pensar nas exportações.

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Domingo foi a vez de António Costa, também a partir de uma cidade do interior (Castelo Branco), defender que “é necessário fazer a reavaliação das obrigações contratuais que o Estado assumiu”, em matéria de acessibilidades. O líder do PS abriu igualmente a porta a rever a política de portagens no Interior, mas também em zonas fronteiriças e de afluxo turístico, como é o caso da Via do Infante, no Algarve.

O que está nos programas?

Os programas eleitorais da coligação PSD/CDS e do PS são omissos sobre a política de portagens. O PàF (Portugal à Frente) refere apenas a intenção de concretizar a construção da autoestrada entre Coimbra e Viseu com cobrança de portagens. No documento dos socialistas nem sequer se conseguem encontrar as palavras “estradas” ou “autoestradas”.

Governo defendeu, mas adiou

A intenção de introduzir descontos nas portagens das vias do Interior foi várias vezes defendida pelo secretário de Estado das Obras Públicas. Sérgio Monteiro admitia esta discriminação positiva no quadro do novo sistema de portagens que foi estudado pela Estradas de Portugal (hoje, Infraestruturas de Portugal) a propósito da substituição do modelo de cobrança assente em pórticos nas antigas Scut.

Em cima da mesa estava também a variação das taxas em função da hora, para induzir mais tráfego em horas de pouca procura. Uma política tarifária mais flexível tem sido apontada como uma das soluções para atrair mais tráfego, sobretudo nas ex-Scut onde a introdução de portagens provocou fortes quedas na procura. No último ano, já houve alguma recuperação, embalada por alguma retoma da economia.

Mas as mudanças no sistema de portagens foram colocadas na gaveta no início deste ano, apesar de o trabalho técnico estar feito. O Governo argumentou que queria promover a discussão pública sobre o tema e que existia o risco de politizar a discussão, dada a proximidade das legislativas (quando isto foi dito faltavam seis meses para as eleições).

Discriminação positiva começou por ser de borla

O anterior Governo socialista, liderado por José Sócrates, aplicou uma política de discriminação positiva ao Interior quando decidiu introduzir portagens nas antigas Scut (vias sem custos para os utilizadores). A cobrança avançou em 2010, mas ficaram de fora as vias do Interior, com base em critérios de rendimento e riqueza, e a Via do Infante, por falta de estrada alternativa, neste caso a Nacional 125.

Esta “discriminação negativa” do Litoral Norte levantou um enorme coro de protestos e manifestações nas populações das três Scut onde foram introduzidas as primeiras portagens (Costa da Prata, Grande Porto e Norte Litoral). Com os programas de austeridade e o resgate, o Governo socialista teve de estender as portagens a todas as antigas Scut, medida que foi já concretizada pelo Governo de Passos Coelho.

Até o modelo que aplicava descontos ao tráfego local nestas vias foi suspenso. O Governo alegou que a Comissão Europeia o considerou discriminatório, tendo-o substituído por um regime menos favorável.

Quais são as dúvidas?

A primeira premissa por esclarecer é quais são portagens e as autoestradas do Interior que poderão beneficiar das tais portagens mais baratas. São apenas as antigas Scut — Interior Norte, Beiras Litoral e Alta, Beira Interior e Algarve — ? São todas as autoestradas (incluindo as da Brisa)? Ou são apenas as autoestradas cuja receita pertence ao Estado (as ex-Scut, as subconcessões rodoviárias e o Túnel do Marão)?

É provável que as autoestradas cuja receita é das concessionárias fiquem de fora desta discriminação positiva porque isso implicaria pagamento de compensações do Estado aos privados, como aconteceu no passado com os descontos para pesados. Em tese, as concessionárias poderiam já praticar preços diferenciados ou descontos, mas quase não o fazem.

Ficando a medida limitada às autoestradas que fazem parte do universo da Infraestruturas de Portugal, a grande questão é saber como compatibilizar esses descontos, que resultariam em perda de proveitos, com a necessidade de captar mais receita, que aponta precisamente na direção contrária: mais troços com portagem. É que os cortes negociados nas PPP não resolveram o problema da sustentabilidade do setor rodoviário.

Há quem defenda que os descontos podem ser compensadores do ponto de vista económico porque atraem mais tráfego, mas essa tese não foi comprovada nos descontos para pesados. Por isso, no limite a pergunta é esta: Em que medida é que os descontos no Interior e Algarve não vão ser subsidiados por aumentos nos custos suportados por outros utilizadores? E se a discriminação positiva não passa por baixar as portagens pagas no Interior, mas antes por aumentar (em valor e troços pagos) as taxas cobradas no Litoral?