A notícia

Esta terça-feira, a Antena 1 avançava a história. Maria Luís Albuquerque, enquanto secretária de Estado do Tesouro, deu indicações à gestão da Parvalorem para a empresa reavaliar a previsão de perdas associadas aos créditos do antigo Banco Português de Negócios (BPN). O pedido terá sido feito à administração da empresa pública em 2013 e a propósito das imparidades a registar nas contas de 2012. Maria Luís queria que as contas revelassem a melhor expetativa (leia-se a mais otimista) em relação às perdas potenciais, resultantes de créditos em incumprimento.

Em resposta, a Parvalorem reavaliou as imparidades (registos de perdas potenciais) que foram reduzidas em 157 milhões de euros, de 577 milhões para 420 milhões de euros. A notícia concluía que esta “maquilhagem” ou “manipulação” de contas teria beneficiado o défice de 2012.

A Atena 1 citava a administradora financeira da Parvalorem e documentos enviados à tutela.

As explicações dadas pelos protagonistas

A primeira reação veio do Ministério das Finanças que desmentiu qualquer manipulação, nos seguintes termos. “O registo contabilístico de imparidades é função de estimativas de perdas futuras em créditos existentes. As imparidades são avaliadas e validadas pelos auditores das empresas de acordo com os critérios definidos para o efeito e adequadamente refletidas nas contas. Refira-se que qualquer materialização ou não dessas perdas é sempre registada nas contas da Parvalorem no momento em que se verificam, com o correspondente impacto nas contas públicas, pelo que não há qualquer manipulação ou ocultação de contas.”

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A gestão da Parvalorem assumiu, por seu turno, a total responsabilidade pelas contas de 2012, afastando a intervenção da governante.

Pouco tempo depois, chegaram as explicações da própria Maria Luís Albuquerque.

“Fiz a pergunta [se as perdas registadas nas contas de 2012] podiam ser mais otimistas porque me pareceu que a expetativa estava excessivamente negativa quanto àquilo que seria a evolução da economia e da capacidade de efetivamente os créditos serem satisfeitos”.

Maria Luís Albuquerque argumenta que nunca poderia pedir para manipular contas porque não tem o poder para o fazer. Mas na qualidade de acionista, podia a devia “perguntar se as expetativas não estariam a ser demasiado pessimistas”, ou seja, se não haveria “uma expetativa exagerada de perdas” que poderiam nem se concretizar no futuro.

“Quando essas perdas ou ganhos se materializam são sempre registadas nas contas da empresa e são sempre registadas nas contas públicas. Não é nada que se possa ocultar, disfarçar, manipular de alguma forma”. O Ministério das Finanças reforçou ao Observador que só contam as perdas que se materializam no final do ano.

Esta posição foi apoiada por Passos Coelho, perante os pedidos de explicações e ataques dos partidos da Oposição. “Estamos a falar de estimativas de futuros prejuízos que poderiam vir a ocorrer”. Passos considerou natural o pedido de revisão. “O exercício orçamental é da responsabilidade do Governo. Se o Governo entender que alguma estimativa que lhe é apresentada está ou exagerada ou não está de acordo com os parâmetros que nós estabelecemos, podemos mandar proceder à sua reavaliação“, disse o primeiro-ministro.

O que diz o INE sobre o impacto no défice?

Ao final da manhã, o Instituto Nacional de Estatísticas (INE) esclareceu, em resposta ao Observador, que as perdas potenciais (que correspondem às imparidades contabilísticas que foram revistas nas contas de 2012 da Parvalorem) não são contabilizadas no défice.

A necessidade/capacidade líquida de financiamento em contabilidade nacional difere do resultado contabilístico das empresas. Existem fluxos nas contas das empresas que não são contabilizados em contas nacionais, como por exemplo as imparidades uma vez que constituem perdas potenciais e não efetivas. Desta forma não se deve utilizar o resultado contabilístico de uma empresa para calcular o seu saldo em contas nacionais.

Por esta explicação, as alterações atribuídas a Maria Luís Albuquerque não teriam tido efeito no défice, pelo menos em 2012. Só quando as perdas se materializam é que haverá lugar ao reconhecimento do seu efeito no saldo das contas públicas.

Se as imparidades não têm impacto, porquê reavaliar?

Essa é uma questão mais complicada e para a qual não há para uma resposta evidente. No entanto quanto maiores forem as perdas reconhecidas no balanço, ainda que estejamos a falar de prejuízos potenciais, maior é a exigência de colaterais e garantias, quando estão em causa créditos, como é o caso da Parvalorem.

Não tendo os titulares desses empréstimos, muitos eram empresas da antiga dona do BPN, a Sociedade Lusa de Negócios, recursos para entregar mais colaterais, então a Parvalorem seria pressionada a reconhecer mais rapidamente perdas concretas e materiais no seu balanço, com reflexo no défice, ou a fazer provisões. E isso poderia exige capital.

Um aumento de capital subscrito pelo acionista Estado teria impacto no défice, uma vez que a empresa que gere os ativos tóxicos do BPN é cronicamente deficitária — a Parvalorem acumulou prejuízos de quase 1500 milhões de euros em três anos — pelo que não há perspetiva de recuperação do investimento. 

Temos ainda a indicação clara que as imparidades reconhecidas nas contas de 2012, e que traduziam as estimativas de prejuízo com os créditos de má qualidade do antigo BPN, eram insuficientes.

As reservas do auditor

A Deloitte fez uma reserva às contas de 2012 da Parvalorem em que questiona de forma inequívoca as imparidades registadas nas contas pela administração, considerando-as insuficientes. A auditora explica que os ativos dados como garantia dos empréstimos concedidos a clientes (sobretudo empresas da antiga dona do BPN), eram terrenos cuja avaliação estava desajustada face às condições de mercado. A reserva diz mesmo que estes ativos estão sobreavaliados.

A gestão da Parvalorem acabou por reajustar as imparidades no ano seguinte, reforçando a previsão de perdas por imparidade em 312,5 milhões de euros. Esta reavaliação, explicou a empresa ao Observador, foi sustentada em informação entretanto atualizada face ao valor da carteira de imóveis que não existia em 2012. Ainda assim, o auditor manteve a reserva.

Mas se já se concretizaram perdas, o défice já foi penalizado?

Ainda não há uma resposta clara.

Segundo explica o INE, a transferência dos ativos do BPN para as sociedades-veículo Parvalorem, Parparticipadas e Parups, determinou o registo de transferências de capital com impacto negativo no saldo das administrações públicas, decorrente de um valor de mercado estimado muito abaixo do valor contabilístico desses ativos.” Foi o que aconteceu no défice de 2010.

Posteriormente, em 2012, o procedimento dos défices excessivos revela uma “assunção de dívidas” que corresponde a uma estimativa dos valores de imparidades associadas à transferência de ativos do BPN para as empresas Parvalorem S.A. e Parups S.A.  O  impacto no défice foi 0,06% do PIB (Produto Interno Bruto). Este reconhecimento de imparidades representou 100 milhões de euros.

Quanto a variações de valor (aumentos ou descidas) de ativos detidos por uma entidade, posteriores ao momento da transferência desses ativos, o INE diz que “não são consideradas na necessidade/capacidade líquida de financiamento em contabilidade nacional. Essas imparidades e provisões (…) constituem perdas potenciais e não efetivas, pelo que não têm impacto no saldo. O impacto no saldo apenas se verifica quando as perdas se concretizam.” E ainda não se concretizaram?

A resposta do INE não esclarece. Mas o BPN volta a aparecer nas contas do défice de 2014. O segundo procedimento dos défice excessivos revela que foi feito um “write-off” (limpeza) de empréstimos em incumprimento no BPN Crédito, que teve impacto no défice, em conjunto com outras operações. Não é revelado o valor.

O BPN Crédito era uma participada da Parvalorem que foi vendida aos privados em 2014. Esta operação, veio saber-se, teve um impacto de 0,1% do PIB no défice desse ano, ou seja, de cerca de 170 milhões de euros.

As próprias contas individuais da Parvalorem referem a realização de operações de write-off em 2013 e 2014, de anulações de dívida por incumprimento, no valor de 77,3 milhões de euros e 44,8 milhões de euros, respetivamente.

A conclusão possível

Ainda não é possível fechar a conta aos prejuízos que passaram para o Estado decorrentes da nacionalização do Banco Português de Negócios e da posterior venda ao BIC Portugal. Desde a venda do BPN, em 2012, foram alienadas mais subsidiárias como o BPN Crédito, que em 2014 teve impacto no défice, e o banco Efisa, que deverá ir às contas públicas este ano por via de um aumento de capital.

Possivelmente, só quando forem liquidadas as empresas criadas para gerir os ativos tóxicos que ficaram do lado do Estado e reembolsada a totalidade dos empréstimos concedidos pela Caixa Geral de Depósitos ao BPN, é que será feito o balanço final.