O autor português José Luís Peixoto descobriu, nos cursos e oficinas de escrita que tem desenvolvido em Moçambique, potencial para novos talentos no país, embora limitados nas condições de que dispõem para publicar as suas obras.

“Ao nível do potencial da escrita, encontrei muito mais do que imaginava”, descreveu José Luís Peixoto, em declarações à Lusa, a propósito da sua participação na 27.ª edição do Curso de Literaturas em Língua Portuguesa, promovido pelo Centro Cultural Português em Maputo, este ano dedicada ao tema “Novas Tendências”.

O escritor lembrou que, para ele, estando em Portugal, estes potenciais autores moçambicanos têm sido invisíveis, mas, agora que já houve interação, tornou-se “muito visível essa vontade de se encontrar caminhos que confirmem esse potencial, porque a motivação para a leitura e para a escrita já está lá”.

O Curso de Literaturas em Língua Portuguesa é o evento cultural mais antigo promovido pelo Centro Cultural Português, em parceria com a Faculdade de Letras e Ciências Sociais da Universidade Eduardo Mondlane, e, este ano, além de Maputo, deslocou-se para Quelimane e para Beira, cujas ações decorreram na semana passada, esperando-se que chegue a Nampula, norte do país, a partir de segunda-feira.

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A par do curso, José Luís Peixoto realizou também oficinas de escrita para estudantes e jovens já iniciados nas letras e “muitas vezes bastante perto de poderem efetivamente se afirmar como escritores e publicar e obter algum reconhecimento”.

Por outro lado, assinalou, estão “muitas vezes limitados pelo próprio meio a que pertencem”, como nas realidades mais periféricas de Quelimane ou Beira, onde devem esperar “mais dificuldades em dar esse passo, da publicação e divulgação do seu trabalho”.

O escritor lembrou que o potencial que encontrou em Moçambique é um património que pode servir o próprio país, enquanto afirmação cultural.

“Olhamos para grandes embaixadores da literatura moçambicana, como o caso incontornável de Mia Couto, e percebemos o quanto se trata de alguém que leva a cultura deste país e a imagem e identidade deste povo além-fronteiras”, observou.

É esse trabalho, prosseguiu, que “dá uma certa forma e consistência muito importantes para que o país se pense e se oriente”, considerando a propósito que se trata de “um povo curioso e que transmite uma certa tranquilidade pelo menos no contacto direto”, uma caraterística positiva “num momento em que a guerra é uma nuvem que paira em Moçambique”.

Sobre o tema do curso, dedicado às “Novas Tendências”, José Luís Peixoto, 41 anos, interpreta-o como “uma oportunidade de descoberta e conhecer essas vozes difíceis de escutar em Portugal”, mas também o inverso, “de falar de literatura portuguesa, que é também falar do Portugal contemporâneo, porque existe a história que partilhamos e também o momento presente”.

Apesar da profusão de línguas locais em Moçambique e de grande parte da população não falar o português como língua materna, o escritor lembrou que “a literatura ganha sempre com a riqueza e diversidade” mas também não vislumbra alternativas para os autores moçambicanos.

“Parece-me que o caminho da literatura moçambicana é na língua portuguesa”, afirmou, sustentando que, entre todas as que são faladas em Moçambique, trata-se da mais desenvolvida ao nível escrito, embora haja margem para tirar vantagens da diversidade e partilha.

“A própria língua portuguesa não tem de ter medo de outras realidades linguísticas”, advertiu o escritor, “porque uma língua, seja ela qual for, tem a ambição de exprimir o mundo e o mundo é muito diverso”, devendo assumir como mais-valia novas contribuições, inclusive de vocabulário.

Para dar a conhecer o seu trabalho, José Luís Peixoto viajou para Moçambique com mais de 500 exemplares de uma pequena edição, reunindo textos de vários dos seus livros, e que foi deixando por os lugares por onde passou no país.

“Em muitos casos era o primeiro livro que aquelas pessoas iam ter em casa e isso é muito impactante”, descreveu, na justa medida em que “, para um leitor, ter os seus livros também é importante”.