As barreiras no acesso ao Serviço Nacional de Saúde (SNS) não aumentaram nestes últimos anos de crise e as que existem são “pouco significativas”. Esta é uma das principais conclusões do novo estudo da Nova School of Business and Economics, que vem contrariar aquela que tem sido uma afirmação comum nos últimos anos, em relação ao acesso ao Serviço Nacional de Saúde. O estudo “A avaliação do impacto das políticas públicas na saúde: 2011-2015” foi encomendado ao economista e vice-reitor da Universidade Nova de Lisboa, Pedro Pita Barros, pelo Ministério da Saúde, e dificilmente poderia ser mais positivo.

Em 2015, 14,8% dos portugueses que se sentiram doentes acabaram por não ir ao médico. E porquê? “O principal motivo [para as pessoas não irem ao médico] não está nas barreiras que existem”, garantiu Pita Barros, durante a apresentação do estudo, esta quarta-feira, remetendo para os resultados do inquérito levado a cabo junto de 1.260 pessoas que mostra que o principal motivo (91,45%) para as pessoas não terem ido ao médico foi por acharem que a doença não era suficientemente grave.

“Não houve um agravar das barreiras de acesso [nos últimos anos]. As barreiras de acesso nas taxas moderadoras não são muito importantes, nem as dos custos do transporte. As que parecem ser maiores parecem estar nos medicamentos”, prosseguiu o economista, acrescentando que essas dificuldades são mais sentidas pelos desempregados e reformados.

As barreiras de acesso ao Serviço Nacional de Saúde, avaliadas pela utilização e necessidade de utilização da população, não são significativas para a generalidade da população e, ao contrário do que frequentemente se assume com base em situações episódicas, não aumentaram durante o período de crise económica”, lê-se no resumo do estudo.

Onde, ainda assim, as barreiras mais se fazem sentir continua a ser no acesso ao medicamento. Aliás, um quarto das pessoas (25,83%) com menores rendimentos admite não ter adquirido os remédios prescritos por falta de dinheiro. Isto acontece porque é na farmácia que os portugueses deixam a maior fatura das despesas com saúde, mesmo os preços tendo caído.

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Minutos mais tarde, o ministro da Saúde, Paulo Macedo, viria a reforçar a ideia de que foi precisamente na área onde existem maiores barreiras – a do medicamento – onde houve uma “maior atuação” por parte deste Governo.

O estudo aponta ainda para a melhoria da eficiência do SNS, citando o estudo recente da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Económico (OCDE), e para a redução das assimetrias sociais e das desigualdades de natureza geográfica.

Fuga do público para o privado? Outro mito…

Continuando a desconstruir algumas das ideias que têm vingado nos últimos quatro anos, este estudo vem mostrar que “não houve fuga” dos utentes “do público para o privado”.

Em 2015 houve uma menor percentagem de população a ir a uma consulta sem marcação no centro de saúde ou a uma urgência hospitalar do que em 2013. Por outro lado, duplicou a percentagem de pessoas que optaram por marcar uma consulta com o médico de família (de 15,48% em 2013 para 29,24% em 2015). E, no mesmo período, houve mais gente a ir às urgências dos hospitais privados.

As pessoas julgam que foi fuga para o privado porque houve aumento da procura no privado, mas as pessoas não estão a vir do setor público. Estão é a ir dos consultórios privados para os hospitais privados”, explicou o economista Pedro Pita Barros.

E olhando para os números que resultam do inquérito, feito a mais de 2.000 pessoas, repara-se que a percentagem de pessoas que diz ter ido a um consultório privado da última vez que se sentiu doente passou de 5,52% para 3,76%, em 2015. Já as que disseram ter ido a uma urgência hospitalar num privado passou de 2,09%, em 2013, para 5,02%, em 2015. Os números permitem concluir que houve uma “recomposição do setor privado, sem afetar o uso do setor público”, avançou o vice-reitor da Universidade Nova de Lisboa.

“Eu não sei se houve fuga para o privado, sei que o privado cresceu muito nestes últimos anos o que não deixa de ser curioso nestes anos de crise profunda. Agora como é que nós vamos evoluir o nível de eficiência, por forma a uma convivência harmoniosa entre os dois setores é que é o grande desafio”, reagiu Isabel Vaz, diretora executiva da Luz Saúde, presente no painel.

Fatura virtual não está a sensibilizar utentes

Outro dado curioso deste estudo prende-se com a fatura virtual que começou por ser um projeto-piloto em 2012 e que se alargou à generalidade dos serviços de urgência do Serviço Nacional de Saúde em 2013. Desta “fatura” consta informação sobre aquele que é o custo real dos cuidados de saúde prestados ao utente. A medida foi implementada para sensibilizar os utentes para os custos dos cuidados de saúde e reduzir as idas abusivas às urgências.

Receber a nota informativa leva a maior utilização”, afirmou Pedro Pita Barros, na apresentação do relatório. “Algo altamente contra intuitivo”.

“A medida parece não resultar numa diminuição da procura dos serviços de urgências, mas antes promover um aumento da procura dos mesmos, o que não deixa de ser uma surpresa a necessitar de aprofundamento”, lê-se no resumo do estudo que teve por base os dados de cinco unidades hospitalares.

E aspetos negativos a assinalar nesta avaliação de quatro anos de políticas públicas na saúde? A promessa não cumprida de atribuir um médico de família a todos os portugueses e a “menor qualidade da resposta hospitalar” no caso dos cuidados de saúde mental, “medida pelas taxas de readmissão hospitalar”. Problemática é também a questão das dívidas hospitalares. “É um problema que é preciso ter em atenção” pois as “soluções extraordinárias [que foram sendo criadas ao longo dos últimos quatro anos] não alteram a dinâmica. Isto não é um problema do medicamento, mas da gestão em geral”, defendeu Pedro Pita Barros.

Num comentário ao estudo, Isabel Vaz reafirmou que “a verdade é que o sistema nacional de saúde andou para a frente” e que “estamos melhores”. Também o ministro Paulo Macedo fechou a sessão de apresentação deste estudo, afirmando que “o SNS não falhou” nestes quatro anos.

“Temos menos desigualdades, menos assimetrias, menos barreiras na área com maiores barreiras que é a dos medicamentos, temos uma maior eficiência e melhores indicadores de saúde. Além disso, conseguiu-se obter um consenso sem qualquer paralelo sobre o SNS. Hoje todos os partidos plíticos apoiam um SNS. Poderão ter alguma questão de pormenor, mas todos defendem que seja como ele é hoje”, rematou o ministro.

E como ler estes resultados à luz das notícias que foram saindo nestes quatro anos, dando conta de tempos de espera elevados, filas para marcação de exames, entre outros problemas? “Relatos de problemas na saúde temos todos os dias e haverá todos os dias. Não pode ser o caso único que nos vai fazer tirar conclusões sobe o todo”, respondeu, já à margem da cerimónia.

Quanto ao estudo ter sido encomendado pelo Governo, questão levantada pelo professor catedrático do ISEG, João Duque, Pita Barros garantiu que nunca foi pressionado e que não tenta “convencer ninguém”. “Dou os meus dados. Tentámos ser o menos interpretativos possível. Independência ou não, vocês julgarão.”