A seguir ao anúncio da descoberta de água salgada em Marte, a estreia de “Perdido em Marte”, de Ridley Scott, é a melhor coisa que aconteceu à NASA nos tempos mais recentes. Baseado no livro “The Martian”, de Andy Weir, que apesar de ter sido auto-editado se transformou num “best-seller”, o filme, sobre o astronauta e botânico Mark Watney (Matt Damon), que é julgado morto por uma tempestade em Marte, e deixado para trás pelos outros membros da missão, e tem de sobreviver com os poucos meios de que dispõe até que outra missão o venha salvar, é uma celebração da capacidade da sobrevivência humana num planeta desolado e mortífero através da aplicação dos conhecimentos científicos, da utilidade da exploração espacial e da figura do astronauta enquanto símbolo de intelecto, engenho e ciência, e não apenas de arrojo, ação e aventura.

Eis uma fita de ficção científica (FC) passada num futuro próximo, onde a ênfase é muito mais dada à ciência do que à ficção. Não há um marciano à vista excepto o próprio Watney, que, por força das circunstâncias, se transforma no primeiro – e único, e relutante – habitante do planeta vermelho.

Neil deGrasse Tyson “explica” a missão do filme:

https://www.youtube.com/watch?v=-fdKyszL1Zo&feature=youtu.be

Basicamente, “Perdido em Marte” é parte filme “Robinson Crusoé” transportado para o espaço, parte filme de “resgate impossível”, ambientado num planeta Marte ora reconstituído em estúdio, ora com os desertos da Jordânia a fingir que são aquele. E tal como Christopher Nolan fez em “Interstellar”, o argumentista Drew Goddard e Ridley Scott esforçaram-se para que, como no livro, a ciência e a tecnologia do filme fossem representadas de forma rigorosa ou então o mais plausível possível, e os seus protagonistas sejam homens e mulheres determinados, abnegados e corajosos, mas também desembaraçados, criativos e inteligentes, estejam eles isolados em Marte, confinados a uma nave no espaço ou na Terra a pensar na melhor maneira de salvar um astronauta perdido.

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Estamos perante um “blockbuster” com um cérebro a funcionar em pleno – mais ação, “suspense”, aperto dramático, capacidade de deslumbramento, confiança optimista na ciência e sentido do espectáculo cinematográfico (o visual planetário, cósmico e astronáutico é magnífico, e se o “merchandising” do filme incluir miniaturas, eu candidato-me a um modelo da Ares 3).

Isto sem falar, “last but not least”, do humor na adversidade, que se manifesta nos monólogos da personagem de Matt Damon, enquanto este tenta cultivar batatas em solo marciano e “fabricar” água no exíguo “habitat” da base, ou arranjar meio de comunicar com Cabo Canaveral recorrendo a tecnologia ultrapassada ou improvisada; no seu ódio reiterado á música “disco”, favorita da comandante da sua missão (Jessica Chastain); e na banda sonora, que nos põe a ouvir “Hot Stuff” de Donna Summer ou “Waterloo” dos ABBA em plena desolação marciana.

A ação saltita entre a base marciana onde Watley, sozinho, tenta manter-se vivo e não desesperar ou ficar pírulas, a nave da missão que faz a sua longa viagem de regresso à Terra, e as instalações da NASA (que colaborou com a produção da fita), onde directores, engenheiros, astrofísicos, matemáticos e outros, tentam pensar na maneira mais rápida e eficiente de ir buscar o seu astronauta, enquanto se debatem com outros dilemas (avisar ou não os membros da equipa que voltam à Terra, que o seu companheiro afinal está vivo?) e acabam por receber uma generosa e decisiva ajuda da China, cujo programa espacial tem tido mais investimento do que o dos EUA. E tal como sucedia em“Apollo 13”, de Ron Howard, assistimos ao funcionamento da NASA durante uma crise grave (mesmo que esta seja fictícia, ao invés da daquele filme) de forma detalhada e convincente.

Apesar de todo o aparato científico-tecnológico de “Perdido em Marte”, e da elaboração dos efeitos especiais, Ridley Scott nunca se deixa deslumbrar por eles e não perde de vista o factor humano, esteja a história em Marte com Mark Watney, no espaço com a Ares 3 ou em terra firme. Com este filme, quase aos 80 anos, o realizador reentra no cinema de FC pela porta grande, a que abre para o cosmos.

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