António Tavares é o vencedor do Prémio Leya 2015. O júri decidiu distinguir, por unanimidade, o romance inédito O Coro dos Defuntos.

Ainda sem data de publicação, O Coro dos Defuntos foi escrito em dois meses e a história passa-se numa aldeia beirã, entre 1968 e o 25 de abril de 1974. Uma aldeia que o autor de 55 anos nunca chegou a conhecer, mas que lhe foi contada. “Não há propriamente um protagonista, daí chamar-se coro”, explicou António Tavares ao Observador.

Nesta aldeia de finais do seculo XX, a comunidade ainda vive “num período medieval, sem água, sem luz, sem saneamento, assombrada por lendas, pelo próprio peso da religião”. O autor preocupou-se em recuperar palavras antigas, já desaparecidas da língua portuguesa. Trabalhou o português e recorreu frequentemente à ironia.

Em comunicado, o júri informou estar perante um romance de “construção sólida, conduzindo o leitor através de uma escrita que inscreve em paralelo o percurso do país e o do mundo ficcional, sem que um se sobreponha ao outro”.

“O romance reanima, com conhecimento empático e com ironia, uma ruralidade ancestral (…). E é sobre esse fundo ancestral que vêm inscrever-se as notícias das transformações aceleradas do mundo contemporâneo e o jogo de alusão e de metáfora sobre o devir da nossa sociedade e o agonizar do antigo regime político – até ao anúncio da revolução”, disse o júri.

“Se há tanta gente a escrever e tão bem, porque é que me hei-de meter nisto?”

António Tavares nasceu em 1960 em Angola, mudando-se para Portugal em 1975, no processo de descolonização. Viveu em várias cidades portuguesas. Formou-se em Direito pela Universidade de Coimbra. É professor do ensino secundário, atividade que suspendeu para exercer atualmente o cargo de vice-presidente da Câmara Municipal da Figueira da Foz. Foi jornalista, fundador e diretor do jornal regional A Linha do Oeste. Fundou e coordenou a revista Litorais.

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Escreveu peças para teatro – “Trilogia da Arte de Matar”, “Gémeos 6” e “O Menino Rei” –, estudos e ensaios – Luís Cajão, o Homem e o Escritor; Manuel Fernandes Thomás e a Liberdade de Imprensa; Arquétipos e Mitos da Psicologia Social Figueirense Redondo Júnior e o Teatro. Com o segundo romance, O Tempo Adormeceu sob o Sol da Tarde, obteve uma menção honrosa no prémio Alves Redol, atribuída em 2013 pela Câmara Municipal de Vila Franca de Xira. Ainda não o publicou. “Não queria que este fosse o segundo romance meu a sair”, disse. Com a publicação prevista de O Coro dos Defuntos pela Leya, o autor já vê com bons olhos a sua chegada às livrarias.

António Tavares já tinha sido finalista do Prémio Leya 2013, com o romance As Palavras Que Me Deverão Guiar Um Dia, editado pela Teorema. Foi o primeiro que escreveu, em 2012, já com 52 anos de idade. “Sempre pensei que se há tanta gente a escrever e tão bem, porque é que me hei-de meter nisto? Pensava que não era capaz. Tinha feito jornalismo e peças de teatro, mas nunca me tinha aventurado pelo romance porque achava que não tinha fôlego para o fazer”, disse. Tirou duas semanas de férias, fechou-se e ficou surpreendido com o resultado: “Saiu-me tudo cá para fora, como um jato, estava tudo muito à flor da pele. E o imenso gozo que me deu!”.

“Um escritor não deve só escrever”

Foi o presidente do júri, Manuel Alegre, que lhe ligou durante a manhã para anunciar a novidade. “Tinha uma esperançazinha vaga [de ganhar], que ao mesmo tempo ia tentado dissipar, mas tinha”, admitiu. Para além de Manuel Alegre, do júri fizeram parte Nuno Júdice, Pepetela, José Castello, e ainda José Carlos Seabra Pereira, Professor da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, Lourenço do Rosário, Reitor do Instituto Superior Politécnico e Universitário de Maputo, e Rita Chaves, Professora da Universidade de São Paulo.

O vencedor leva para casa 100 mil euros, valor máximo de um prémio literário para romances em língua portuguesa. Para o premiado é essencialmente um incentivo a continuar, uma recompensa. “Mas também é um prémio que me dá alguma responsabilidade, vou ter de me dedicar mais tempo”, disse. Não pensa, contudo, em dedicar-se a 100% à escrita. “Não encaro de maneira nenhuma a possibilidade de só escrever. Concordo com o que diz o Mia Couto, que o escritor não deve escrever só, deve ter o resto da sua vida”.

O prémio foi criado em 2008 com o objetivo de distinguir um romance inédito escrito em português. António Tavares sucede a Afonso Reis Cabral, que no ano passado venceu com o romance O Meu Irmão. Até hoje, foram distinguidos também os romances O Rasto do Jaguar, de Murilo Carvalho (2008), O Olho de Hertzog, de João Paulo Borges Coelho (2009), O Teu Rosto Será o Último, de João Ricardo Pedro (2011), Debaixo de Algum Céu, de Nuno Camarneiro (2012) e Uma Outra Voz, de Gabriela Ruivo Trindade (2013).