As regras na Argentina até favorecem a probabilidade de uma eleição presidencial ficar resolvida na primeira volta. Em vez dos 50% convencionalmente tidos como necessários para eleger um Presidente, na Argentina a regra são os 45% ou pelo menos 40% desde que o segundo classificado fique 10% atrás.
Mas nem por isso as eleições presidenciais deste domingo na Argentina devem ficar resolvidas à primeira — algo que, a confirmar-se, será a primeira vez que aquele país sul-americano vai a uma segunda volta. O candidato do Frente para a Vitória (FV), o governador da região de Buenos Aires, Daniel Scioli, surge à frente das sondagens, mas nem sempre os estudos de opinião garantem a vitória ao candidato apoiado pela Presidente cessante Kristina Kirchner. Nenhuma sondagem lhe dá mais de 45%.
Assim sendo, tudo dependerá do resultado do segundo classificado, que deverá ser o candidato da coligação de centro-direita Mudemos, o presidente da Câmara Municipal de Buenos Aires, Mauricio Macri.
Outro barómetro é o das eleições primárias de 9 agosto deste ano. Naquela votação, os argentinos puderam escolher o líderes que se iriam apresentar nas eleições presidenciais, mas podiam votar apenas num — assim, pode tomar-se esta votação como uma espécie de voto antecipado no partido que representam. Dessa vez, o partido de Scioli foi o mais votado com 38,41% dos votos, seguindo-se a o Mudemos de Macri com 30,07%. A repetirem-se estes números, a Argentina terá de ir a uma segunda volta, a acontecer a 22 de novembro.
O fim do Kirchnerismo?
Apesar de Scioli ser o candidato do partido de Cristina Kirchner, nem por isso é um seguidor direto do estilo adotado pela Presidente argentina, sobretudo no que diz respeito à política externa. A imprensa aponta este antigo atleta de corridas náuticas (um acidente de barco levou a que perdesse o braço direito) como sendo à direita de Kirchner. “Daniel Scioli está muito à direita dos Kirchner e aponta para uma mudança, mesmo que agora se tenha entregado ao Kirchnerismo porque precisa dos seus votos”, escreve o El País.
A atuação de Cristina Kirchner, que sucedeu ao seu marido Nestor Kirchner em 2007, esteve marcada por episódios em que bateu o pé ao estrangeiro — uma imagem de marca da política sul-americana da passada década. Foi assim com Espanha, quando em 2012 o parlamento aprovou a renacionalização de 51% da YFP, a maior empresa de energia da Argentina e então detida pela Repsol. A petrolífera sediada em Madrid protestou e o primeiro-ministro castelhano, Mariano Rajoy, juntou-se ao coro de protestos: “Onde quer que haja uma empresa espanhol o governo espanhol estará lá para defender esses interesses como se fossem seus”. O Estado argentino e a Repsol chegaram a acordo em 2013, com o primeiro a desembolsar 5 mil milhões de dólares de compensação.
Além disso, a reivindicação do território das Malvinas, as ilhas disputadas com o Reino Unido e que foram palco de uma guerra em 1982 entre os dois países, tem sido uma das bandeiras de Kirchner. Também em 2012, Kirchner disse o seguinte: “Eu sou uma presidente malvinista (…). É uma injustiça que um enclave nacionalista ainda exista a poucas centenas de quilómetros das nossas costas no século XXI. É um absurdo fingir que há domínio a uma distância de 8 mil milhas náuticas”.
Situado à direita de Kirchner, Scioli pode também amenizar o litígio com os fundos de investimento norte-americanos quanto ao processo de restruturação da dívida de 90,8 mil milhões de euros sobre a qual a Argentina entrou em default na crise de 2001.
No plano interno, Nestor Kirchner e depois a atual Presidente conseguiram reduzir drasticamente o desemprego: desde 2002, a cifra baixou de 20% para 7%. Por outro lado, a taxa de inflação anual fixa-se nos 25%.
O diário espanhol El País cita um “sciolista importante”, que aponta nessa direção: “Nós olhamos para o resto do continente sul-americano e aprendemos com os outros. Temos exemplos recentes. A Venezuela seguiu com as mesmas políticas apesar da crise da queda dos preços do petróleo e isso foi um desastre. O Brasil deu uma volta radical e fez um ajuste duro e isso também foi um desastre político e económico. Scioli vai inaugurar uma terceira via, aprendendo com os erros dos outros“.
Será, então, o fim do Kirchnerismo, a versão argentina da frente de governos de esquerda que começaram a dominar a América do Sul no início da década passada? A década de Lula, Chávez, Morales, Correa e… Kirchner.
O colunista Ignacio Miri, do jornal Clarín, uma das publicações mais críticas do governo argentino, não diria tanto. Para ele, o fim do “Kirchnerismo puro” não está por perto — mas a sua influência está, como é de esperar num cenário de eleições, em jogo. “O seu refúgio principal será a Câmara dos Deputados, mas, claro, a sua influência e a sua capacidade de promover ou vetar decisões políticas do próximo governo dependerá do resultado eleitoral”, escreveu Miri. “