Ainda que a tecnologia evolua a um ritmo alucinante, a verdade é que nenhuma mulher encara com tranquilidade um diagnóstico de cancro da mama. Isso mesmo é constatado diariamente nos consultórios por quem trata esta patologia no nosso país. Segundo Sofia Braga, oncologista na Unidade da Mama dos Hospitais CUF em Lisboa, “o impacto do diagnóstico na vida duma mulher é sempre brutal. O cancro da mama vai ser, possivelmente, a doença mais importante da sua vida”.

Mas embora o desenlace nem sempre seja o pior, as estatísticas justificam a preocupação: anualmente são detetados em Portugal cerca de 4500 novos casos e 1500 mulheres morrem com esta patologia. Estima-se ainda que uma em cada 11 mulheres irá ter cancro da mama nalguma fase da sua vida. A probabilidade de este tipo de tumor se desenvolver aumenta com a idade, sendo raro antes dos 30 anos mas tornando-se mais significativo a partir dos 45 e sobretudo a partir dos 60 anos. A incidência do cancro da mama no homem é rara, quando comparada com a que se verifica na mulher.

Estilo de vida como fator de risco

Que fatores condicionam o aparecimento de um cancro da mama? Para Ida Negreiros, cirurgiã responsável pela Unidade da Mama do Hospital CUF Descobertas, a resposta à questão não é tão óbvia quanto possa parecer, pelo menos em termos clínicos. Ainda assim, aponta o estilo de vida como um verdadeiro fator de risco. “Sabemos que o cancro da mama não existe nas sociedades menos desenvolvidas com a mesma frequência com que existe nos países ditos civilizados, e isso seguramente tem a ver com o nosso estilo de vida”.

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Quem também valoriza o estilo de vida como fator de risco é Sofia Braga, acrescentando ainda a relevância da história ginecológica, reprodutiva e hormonal, que, em conjunto, considera “mais importantes que a história familiar”. Segundo Luís Mestre, cirurgião que coordena a Unidade da Mama do Hospital CUF Infante Santo, o fator genético é responsável por 5 a 10% dos casos de cancro da mama, referindo-se à mutação patológica nos genes BRCA1 ou BRCA2.

Prevenir o possível

Reduzir a probabilidade de vir a desenvolver um tumor deste tipo passará sobretudo por intervir nalguns fatores de risco, explica Sofia Braga: “Sendo simplista, as mulheres devem tomar menos contraceção oral, ter mais filhos mais cedo e amamentá-los mais tempo e não tomar terapêutica hormonal de substituição.” Mas a especialista reconhece que “o assunto não é totalmente dogmático”, tornando-se mesmo “difícil definir normas gerais, porque as mulheres engravidam quando podem, amamentam o que podem, tomam os contracetivos orais que têm que tomar e não podemos ordenar estilos de vida que podem ter um impacto baixo no risco de desenvolver cancro da mama”.

Se algumas recomendações suscitam dúvidas, outras há que são claríssimas: “As mulheres devem ter uma alimentação variada e cuidada, com pouca gordura animal, manter um peso saudável, fazer exercício físico, não fumar e não beber álcool em excesso.” Ainda em relação à alimentação, a médica aproveita para desmistificar algumas ideias, salientando que as indicações de reduzir ou suprimir a carne vermelha, os laticínios e os hidratos de carbono processados e doces “não estão fundamentadas em investigação científica suficientemente sólida para entrarmos em recomendações agressivas”.

Existem ainda outras medidas de prevenção mas, de acordo com Sofia Braga, a sua aplicação está longe de ser consensual. Uma delas passa pela utilização do fármaco tamoxifeno, um modulador seletivo do recetor de estrogénio, que está validado experimentalmente e baixa o risco de desenvolver carcinoma da mama. Porém, à semelhança de outras terapêuticas, os efeitos adversos que lhe estão associados têm impedido a sua disseminação e popularidade.

Já no caso de a mulher ser portadora de uma mutação patológica nos genes BRCA1 ou BRCA 2, “a cirurgia profilática também irá diminuir bastante esse risco, embora não o isente”, especifica Luís Mestre. Recorde-se que esta foi a opção seguida pela atriz Angelina Jolie que, em 2013, decidiu submeter-se a uma dupla mastectomia preventiva, após análises genéticas terem indicado 87% de risco de vir a desenvolver cancro da mama.

Auto-exame e rastreio

Além do auto-exame mamário que todas as mulheres devem fazer regularmente (conheça os sinais de alarme, no final deste texto), há ainda rastreios a cumprir nas alturas certas, tendo em conta a idade e o eventual risco. “Esta será a maneira de fazermos um diagnóstico precoce, antes de haver sinais ou sintomas”, justifica Luís Mestre. Para tal, o assunto deve ser abordado com o médico assistente ou ginecologista, que fará as recomendações mais adequadas a cada caso.

Mas depois de feitos os exames há que mostrá-los ao clínico que os solicitou. O que parece ser óbvio não é, afinal, para muitas mulheres. Ida Negreiros alerta para o facto: “Mesmo que o resultado seja normal, é importante que seja o médico que requisitou os exames a confirmá-lo e para isso deve poder vê-los para confrontar com o que inicialmente tinha visto ou palpado.”

Portugal trata bem

Se a deteção precoce do cancro da mama é um dos fatores cruciais para o sucesso do seu tratamento, um outro fator é, sem dúvida, a equipa que o trata. Sofia Braga pormenoriza a importância de “uma boa equipa numa boa instituição”, devendo esta “funcionar de forma célere, com comunicação e organização entre os profissionais de saúde, possuindo experiência no tratamento desta doença”. Felizmente, esta parece ser a realidade no nosso país. Segundo a oncologista, “Portugal trata muito bem o cancro em geral e o cancro da mama em particular”, e os resultados de sobrevivência de cancro na Europa comprovam-no, diz.

De igual forma, Ida Negreiros garante que “em termos de tratamento e de resultados, Portugal está ao nível do melhor que se faz lá fora”. O maior problema, na sua perspetiva, reside na deteção dos carcinomas da mama, frisando que “há muito espaço para melhoria no que diz respeito ao rastreio”.

Confiança na equipa

Sabendo como é sensível e dramático o momento em que se tem conhecimento de um diagnóstico de cancro, Ida Negreiros aconselha qualquer mulher nessa situação a que “confie numa equipa e tenha esperança, que não fique tolhida pelo medo e faça o possível para continuar a ter uma vida normal”. E isso mesmo é o que diz às suas doentes: “Que não fiquem em casa, não deixem que a doença lhes tome conta da vida. Obviamente devem cumprir os planos estabelecidos, mas nós preparamos tudo para que tenham uma vida normal.” A médica refere-se à organização da Unidade da Mama que coordena, salientando as equipas multidisciplinares que ali trabalham em estreita cooperação, garantindo as diversas especialidades envolvidas no tratamento deste tumor. Luís Mestre realça igualmente o facto de a Unidade da Mama pela qual é responsável possuir “todos os circuitos, quer de diagnóstico quer de terapêutica otimizados, de maneira a que não haja perdas de tempo”.

Acompanhamento e conforto

Tal como na generalidade dos problemas de saúde, também no tratamento do cancro da mama o fator humano é crucial, nomeadamente no acompanhamento prestado. Ida Negreiros explica que “a altura do diagnóstico é, do ponto de vista emocional, muito stressante, pelo que o apoio psicológico é extremamente importante, quer por parte de um profissional quer em casa”. Nesse sentido, as unidades da mama estão já preparadas para fazer face à situação, articulando com profissionais da área da Psicologia e Psiquiatria.

Também a reconstrução mamária imediata, isto é, efetuada no momento em que é feita a cirurgia de remoção do cancro da mama, pode contribuir para diminuir a ansiedade associada ao tratamento. Tendo em conta que a imagem é muito importante para a autoestima e bem-estar psicológico das doentes, esta possibilidade é uma vantagem. Porque se a mulher estiver bem psicologicamente, torna-se mais fácil vencer o desafio do cancro.

SINAIS DE ALARME

  • Nódulos
  • Corrimento mamilar numa altura em que não esteja a amamentar (especialmente se for com sangue)
  • Assimetria mamária recente
  • Alteração da pele da mama (pele casca de laranja)
  • Mama inflamada ou inchada
  • Retração do mamilo
  • Gânglios linfáticos (nódulos inchados) na axila

Quando um destes sinais é detetado, a visita ao médico impõe-se com rapidez. Mas é aconselhada calma, uma vez que todos estes sinais podem ser (e são muitas vezes) indicadores de outras situações benignas que se revelam de forma idêntica.