Já passaram 70 anos desde que os Estados Unidos lançaram as bombas atómicas sobre ‎Hiroshima e Nagasaki, no Japão. Agora, a Coreia do Norte diz ter conseguido detonar uma bomba de hidrogénio. As imagens de destruição e as dezenas de milhares de mortes do “Little Boy” e do “Fat Man” perduram na história mundial, mas a explosão de uma bomba deste tipo pode ser “vários milhares de vezes mais potente que a bomba de Hiroshima”, explicou ao Observador Nuno Barradas, supervisor do Reator Português de Investigação (RRI) no Campus Tecnológico e Nuclear do Instituto Superior Técnico. Para perceber quão potente é o processo lembre-se que são as reações de fusão do hidrogénio que aquecem o nosso Sol.

“Se a primeira bomba atómica testada tinha uma potência equivalente a 15 mil quilogramas de TNT, as bombas de hidrogénio correspondem a uma ordem de grandeza das megatoneladas de TNT”, disse ao Observador Gaspar Barreira, diretor do Laboratório de Instrumentação e Física Experimental de Partículas.

Cisão versus fusão

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Isótopos são núcleos de um mesmo elemento, com o mesmo número de protões dentro do núcleo, mas um número variável de neutrões. No caso do urânio, os isótopos mais comuns são o urânio-238, com 146 neutrões no núcleo, e o urânio-235, com 143 neutrões.

Numa bomba atómica usa-se urânio-235 ou plutónio-239, isótopos radioativos e instáveis. Estes núcleos, quando bombardeados com neutrões, dividem-se (cisão ou fisão) originando núcleos mais estáveis ao mesmo tempo que libertam neutrões e energia, muita energia. E, claro, a radiação libertada afetará os seres vivos na área durante muito anos após a explosão.

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Numa reação de fusão, como a que ocorre nas bombas de hidrogénio, não existe uma divisão de um núcleo grande, como o urânio, mas uma fusão de núcleos muito pequenos (com uma massa muito menor). O que faz com que “por grama de combustível, a fusão seja muito mais potente”, referiu Nuno Barradas. Além disso, a cisão liberta sete vezes menos energia do que a fusão do hidrogénio.

A energia libertada corresponde à diferença de estabilidade, ou seja, quanto mais estável o núcleo (ou núcleos) formado, maior a energia libertada, explicou o físico do RRI. A cisão do urânio origina núcleos mais estáveis do que o do elemento original, mas a fusão de dois núcleos de hidrogénio origina hélio, “o núcleo mais estável que existe”.

Além disso, enquanto a bomba atómica precisa de, pelo menos, 25 quilogramas de urânio-235 para que se dê uma reação, a bomba de hidrogénio não tem um limite mínimo de material para que ocorra fusão. Daí o receio de que se crie uma bomba tão pequena que possa ser colocada num míssil, noticiou o jornal britânico The Guardian. Por outro lado, quanto mais hidrogénio tiver a bomba, mais potente será a explosão.

Como juntar dois núcleos de hidrogénio?

A primeira dificuldade é conseguir juntar dois núcleos de hidrogénio, que têm ambos cargas positivas e que, à partida, se iriam repelir um ao outro. Este processo acontece naturalmente no interior do Sol, onde as pressões e temperatura são muito altas. Mas na Terra não é possível recriar essas condições.

Portanto, para fazer com que os dois núcleos de hidrogénio se fundam, é preciso envolvê-los com várias cargas explosivas, que rebentem todas ao mesmo tempo e que obriguem os núcleos a juntarem-se, explicou Nuno Barradas. Estas cargas explosivas podem ser várias bombas atómicas do mesmo tipo que a bomba de Hiroshima ou um invólucro contínuo de explosivos, mas na verdade não se sabe ao certo, porque os modelos produzidos até agora nunca foram divulgados, referiu o físico.

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Existem três isótopos para o átomo de hidrogénio: o prótio (1 protão sem neutrões), o deutério (1 protão e 1 neutrão) e o trítio (1 protão e 2 neutrões).

Na reação são usados dois isótopos de hidrogénio, normalmente deutério e trítio, mas como explicou Nuno Barradas o trítio tem de estar presente para que a reação seja mais eficiente. Esta fusão liberta muita energia sob a forma de calor, daí também se chama termonuclear, mas não liberta radiação. A radiação libertada durante a explosão de uma bomba H vem toda das explosões atómicas que envolvem os núcleos de hidrogénio.

Que tecnologia é necessária?

Para criar uma bomba de hidrogénio é preciso ter desenvolvido algumas tecnologias e capacidades, como explicou Nuno Barradas.

  1. Ser capaz de fabricar bombas atómicas do tipo de Hiroshima, logo ter capacidade para enriquecer o urânio (ou poder comprá-lo).
  2. Ter uma tecnologia associada que permita que a explosão das bombas atómicas, que envolvem os núcleos de hidrogénio, aconteça toda ao mesmo tempo.
  3. Poder produzir e renovar o trítio, que além de não existir na natureza, tem de estar sempre a ser renovado – é muito radioativo e vai decaindo ao longo do tempo.

Mas Nuno Barradas que o modelo inicial que conhece pode ter sido modificado e que em relação à Coreia do Norte ninguém sabe que tipo de tecnologia poderão estar a usar.

Quem já testou bombas H?

A primeira bomba termonuclear, “Ivy Mike”, foi produzida nos Estados Unidos e testada em 1952, no atol Enewetak, no oceano Pacífico, referiu The Wall Street Journal. Um ano depois, uma bomba equivalente foi detonada na Sibéria, Rússia.

O Reino Unido deixou cair uma bomba de hidrogénio na ilha Malden, no Pacífico, em 1957. Mais tarde, em 1967, a China detonou uma bomba H no local de teste Lop Nur e a França fez o mesmo, no sul do Pacífico, um ano mais tarde.

Outros países, como a Índia, Paquistão, Israel e Coreia do Norte, que têm realizado testes com armas nucleares, poderão ter também capacidade para criar bombas de hidrogénio.

Fusão para produzir energia

Há já muito tempo que se tenta usar a fusão de hidrogénio para a produção de energia, mas sem sucesso. “A fusão nuclear controlada, ou seja, não explosiva, é muito difícil”, referiu Gaspar Barreira. “A reação descontrolada é bem mais fácil, como se viu”, completou o físico em relação às notícias recebidas da Coreia do Norte.

Conseguir fazer fusões controladas seria muito útil, disse o físico: “É muito barata, porque existe hidrogénio por todo o lado, e é uma energia limpa, porque não produz detritos radioativos”. Mas é muito difícil, porque exige temperaturas e densidades muito altas.

Iter é o projeto europeu que se dedica ao estudo da tecnologia que permita criar fusões controladas e conta com a colaboração do Instituto de Plasmas e Fusão Nuclear do Instituto Superior Técnico (Lisboa).

Atualizado às 14h10.