Atualizado às 17h00 de dia 16 de janeiro.

Estão cinco pessoas internadas no Centro Hospitalar Universitário de Rennes (CHU), na região da Bretanha (FRança), depois de participarem num ensaio clínico para testar uma nova molécula, anunciou a ministra da Saúde gaulesa Marisol Touraine. Três destas pessoas podem apresentar estados irreversíveis e uma quarta está em morte cerebral. A molécula em ensaio clínico foi desenvolvida pela empresa portuguesa Bial. O Ministério Público francês já abriu uma investigação ao caso.

Os seis voluntários eram homens saudáveis entre os 28 e os 49 anos, disse a ministra. Estavam a participar numa semana de testes com a molécula no centro de investigação médica Biotrial e permaneceriam nas instalações do centro durante todo esse período, explicou a Bial ao Observador. Os ensaios começaram no dia 7 de janeiro, mas devido a complicações de ordem neurológica, o primeiro voluntário chegou ao hospital no dia 10 e os foram levados para o hospital no decorrer desta semana.

A pessoa que está em morte cerebral foi admitida no hospital no domingo e teve uma evolução tão rápida que os médicos pensavam que estaria a ter um acidente vascular cerebral, mais tarde verificaram que se tratava de uma trombose, disse em conferência de imprensa Pierre-Gilles Edan, chefe do serviço de neurociências do CHU. Das quatro pessoas que deram entrada entre quarta e quinta-feira, três delas têm danos neurológicos tão severos que, caso venham a recuperar, ficarão certamente com sequelas, garantiu o médico. A sexta pessoa está no hospital sob observação, mas sem sintomas.

“Não podemos fazer prognósticos porque se trata de uma situação para a qual não temos qualquer tipo de referência”, explicou o médico, acrescentando que para este tipo de molécula não é conhecido o grau de toxicidade.

A Bial confirmou que tinha um composto experimental em ensaios clínicos de fase I em França desde junho de 2015. E que, até esta data, já tinham participado no ensaio clínico da nova molécula na área das dores neuropáticas 108 voluntários saudáveis – 90 dos quais tinham tomado a molécula -, “sem notificação de qualquer reação adversa moderada ou grave”. Este último grupo de oito voluntários marcava o fim deste ensaio de fase 1 e estava a receber a dose mais forte – porque para testar a toxicidade se começa pelas doses menores e se vai aumentando gradualmente. A ministra da Saúde explicou que os ensaios decorreram de três formas: uns tiveram uma toma única, outros tomaram múltiplas doses e outros à refeição. Este grupo estaria a tomar múltiplas doses.

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“É um estudo abrangente considerando que se trata de um ensaio clínico de fase I”, disse à BBC World Daniel Hockart, farmacologista pediatra e especialista em ensaios clínicos na Universidade de Liverpool. O especialista referia-se ao facto de o ensaio ter mais de 100 pessoas. “Mas tudo depende da variedade de doses que precisam de ser testadas.”

“Neste momento, temos no local vários colaboradores para acompanharem a situação junto do centro de investigação e junto do hospital, assegurando a necessária colaboração com estas entidades, assim como com as autoridades competentes”, referiu a empresa portuguesa em comunicado.

A ministra não especificou que tipo de molécula estava a ser testada, segundo informou o Guardian. E o jornal francês El Monde desmentiu que fosse um analgésico com base em canábis como estava a ser noticiado por alguns jornais.

“Este teste foi realizado num estabelecimento privado especializado em ensaios clínicos”, referiu. O centro de investigação médica Biotrial era um laboratório certificado, segundo informou o El País. “Este ensaio foi aprovado pelas Autoridades Regulamentares Francesas, bem como pela Comissão de Ética Francesa, em conformidade com as orientações de Boas Práticas Clínicas, com a Declaração de Helsínquia e de acordo com a legislação inerente a ensaios clínicos”, confirmou a Bial. Em conferência de imprensa, Marisol Touraine referiu que a molécula tinha sido testada em modelos animais, nos ensaios pré-clínicos, incluindo chimpanzés.

Ensaios clínicos

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Fase I testar segurança. É dada uma pequena quantidade da molécula a um número reduzido de voluntários saudáveis para ver se existem efeitos secundários.

Fase II testar eficácia. A molécula é dava a pessoas doentes para ver se cumpre o efeito a que se propõe.

Fase III comparar eficácia. Nesta fase são envolvidos mais doentes e compara-se o resultado da nova molécula com medicamentos já usados ou com um placebo.

O ensaio foi feito por via oral em oito voluntários saudáveis – seis que foram testados para a molécula em causa e dois que tomaram um placebo (procedimento equivalente, mas sem a molécula em teste). O objetivo era avaliar a segurança, tolerância e perfis farmacológicos da nova molécula, esclareceu o jornal espanhol El País. Esta era a primeira fase dos ensaios clínicos, depois de ter passado com êxito a fase pré-clínica – onde os ensaios são feitos com animais. A revista Science chamou a atenção de que os ensaios de fase I não têm normalmente placebos e que não é claro porque é que este teria.

O ensaio foi suspenso pela Biotrial no dia 11, que está a chamar todos os voluntários que participaram no ensaio. Apesar de não apresentarem sintomas, o laboratório quer assegurar que não terão complicações. A Agência Nacional de Segurança do Medicamento e de Produtos de Saúde (ANSM) está a investigar o caso e o laboratório onde decorriam os ensaios.

Apesar de considerar que este incidente não é comparável com nenhum outro acidente ocorrido durante um ensaio clínico, a ministra da Saúde continua a considerar que os ensaios clínicos devem ser realizados.

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O ensaio clínico pretende recolher informação sobre a toxicidade e efeito da nova molécula antes de se tornar um medicamento. Depois de realizar os ensaios pré-clínicos, in vitro ou em cobaias, o ensaios têm de passar para humanos. Sem os voluntários que se submetem aos ensaios clínicos não seria possível, neste momento, completar o processo de verificação de segurança e eficácia de um medicamento.

Os casos de ensaios clínicos que correm mal numa fase precoce como esta não são comuns, referiu a Reuters. O último caso deste tipo na Europa aconteceu em 2006, quando seis voluntários saudáveis se submeteram a um ensaio clínico em Londres e acabaram nos cuidados intensivos – um deles ficou com a cabeça inchada, outro perdeu os dedos das mãos e dos pés.

Este ensaio malsucedido levou ao colapso da empresa alemã TeGenero. A droga conhecida como TGN1412 voltou a entrar em ensaios clínicos para a artrite reumatoide, mas numa dose mais pequena, e esta a mostrar resultados promissores.

A Autoridade Nacional do Medicamento e Produtos de Saúde (Infarmed) informou as redações, em comunicado, que tomou conhecimento da ocorrência do incidente com os ensaios clínicos, através da Agência Francesa do Medicamento. O Infarmed disse ainda que a situação está a ser analisada e acompanhada pelas autoridades francesas, que têm partilhado a informação no contexto da rede europeia das autoridades do medicamento. E acrescentou que esta molécula não está a ser utilizada em nenhum ensaio clínico em Portugal.

O ministro da Saúde português, Adalberto Campos Fernandes, disse estar a acompanhar “com preocupação” o caso, conforme noticiou a Lusa. “Estamos a acompanhar a situação com preocupação, mas nesta altura quero chamar a atenção para a elevada consideração [pela Bial].”