Ganhar, ganhar e ganhar. Dizem que o truque de uma mentalidade vencedora é pensar apenas nisto, a toda a hora, enquanto se odeia as sensações que uma derrota traz. Ser obcecado por vitórias, títulos, medalhas e conquistas. Mas não era preciso saber o resultado da prova para deduzir que a piscina não foi simpática com aquela menina de seis anos. Via-se mais espuma e água descontrolada em salpicos do que algo parecido com nadar, muito menos em crawl, ou estilo livre. Mais do que parecer, via-se que Katia não sabia o que estava a fazer. Derrota. A menina perdia a primeira corrida que fazia na vida e, no final, perguntaram-lhe o que lhe passava ela cabeça enquanto estava a tentar dar umas braçadas. “Nada!”, respondeu, sorriso enorme e ainda desdentado na cara.
A menina estava felicíssima da vida. A criança que uma derrota não entristeceu foi crescendo à medida que nadava e perder passou a ser algo raro. O sorriso não. O tal que, com todos os dentes, alinhados e brancos, mostrou no domingo quando lhe colaram uma câmara a um palmo da cara enquanto lhe perguntavam o que tinha acabado de acontecer: “Sabia que se nadasse da maneira certa podia conseguir uma coisa boa. Só não sabia que seria assim tão boa!”. Katie Ledecky estava em Austin, no estado do Texas, acabada de sair da piscina onde batera o recorde mundial dos 800 metros livres durante o campeonato dos EUA. E nunca parou de sorrir.
A reação na vitória fez lembrar a que teve na altura da primeira derrota — despreocupação. Afinal, era a mesma Katie cujas primeiras braçadas foram um desastre e que as últimas lhe serviram para melhorar um recorde que já era seu. A mesma adolescente que, aos 18 anos, foi a mais rápida do planeta a percorrer 200, 400, 800 e 1.500 metros numa piscina. Quatro distâncias que nada tem a ver umas com as outras: se a primeira se completa num par de minutos, a última demora à volta de um quarto de hora a terminar. Era o mesmo que ver Usain Bolt ganhar uma medalha de ouro a correr os 100 metros e, depois, pendurar outra ao pescoço nos 5.000. “Ela abraçou a ideia de que todos os eventos podem ser nadados com a mentalidade de um sprinter”, resumiu Bruce Gemmell, o treinador que já vai com quase 50 anos dedicados à natação.
No atletismo nunca aconteceu tal coisa. Na natação passou a acontecer desde que Katie Ledecky cresceu.
Nem foi preciso esperar muito tempo. Três anos depois de mal nadar na primeira prova, Katie pôs-se na fila de uma sessão de autógrafos, à espera da sua vez para conhecer e tirar uma fotografia com o ídolo, Michael Phelps. Tinha 9 anos e, com 14, já estava na mesma equipa olímpica que o hoje detentor de 22 medalhas olímpicas. “Foi um momento bastante surreal, quando pensei que o tinha conhecido na altura em que estava a começar a nadar”, revelou, mais tarde, à CBS. Meses depois, a menina nascida em Washington estava a tirar os óculos, pasmada, enquanto olhava para o ecrã que mostrava os tempos da final dos 800 metros livres dos Jogos Olímpicos de Londres, em 2012. Acabara de vencer uma medalha de ouro aos 15 anos, quatro segundos mais rápida que a segunda classificada (sim, é muito).
(sozinha, sem ninguém à frente, é assim que Katie Ledecky costuma terminar as provas em que participa)
Era o início de uma ainda curta carreira passada a bater recordes. Em quatro anos, Katie já bateu onze, o último este domingo, em Austin. As melhores braçadas que deu numa piscina, contudo, viram-se em Kazan, cidade russa onde o ano passado se realizaram os Mundiais de natação. Já com 18 anos, a norte-americana venceu as provas de 200, 400, 800 e 1.500 metros. Chegou ao ponto de quebrar recordes que a própria tinha estabelecido na competição, 24 horas antes, e de melhorar outro sem querer, numa ronda de qualificação em que apenas participou para treinar. “Estou um pouco chocado por o ter conseguido. Não estava a puxar muito. O meu treinador disse-me para nadar os primeiros 900 metros com calma, aumentar o ritmo nos 300 seguintes e, nos últimos 300, a escolha era minha. Sinceramente, senti que foi bastante fácil”, reconheceu, sorridente, pois claro.
Ao feito de ser a primeira pessoa da história a vencer todas as provas de estilo livre em que participou chamaram “Ledecky Slam”. Antigos e atuais nadadores ficaram espantados — o recorde que conseguiu nos 400 metros, por exemplo, foi nove segundos mais rápido que o melhor tempo que Mark Spitz, vencedor de nove medalhas de ouro olímpicas, conseguiu na carreira. “É das melhores nadadoras em estilo livre que já vi. Uma vez treinei com ela, em Colorado, e fez com que eu parecesse que estava parado. Ela voou sobre mim”, revelou Ryan Lochte, o 11 vezes ouro olímpico, à Business Insider. “A sério, ela quase que nada como um homem. A braçada longa e curva, cada vez mais forte durante a corrida”, chegou a dizer Michael Phelps.
É normal ver Katie Ledecky acabar as provas a cortar uma água parada, sem ninguém a agitá-la à sua frente. Está habituada a liderar, a não ter de nada atrás de quem seja. Mesmo sem a ver nadar, basta olhar para os número que são seus aos 18 anos: tem sete dos 19 tempos mais rápidos de sempre nos 400m livres, nove dos 10 mais velozes nos 800m e seis dos melhores 14 nos 1.500m. Conseguiu-os todos depois de um tempo em que ainda eram permitido aos nadadores usarem fatos de corpo inteiro, com materiais que depois a Federação Internacional de Natação proibiu, por considerar que melhoravam a velocidade dos atletas na água. “Sinto-me muito especial, porque não é todos os dias que podes dizer que fizeste algo que ninguém antes conseguiu fazer”, confessou à Today News.
Tão bem se sentiu que, após os Mundiais, decidiu congelar a matrícula na Universidade de Stanford, uma das melhores dos EUA, para se focar na preparação dos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro — que arrancam a 5 de agosto. Já Michael Phelps é que não se terá sentido muito bem quando, em abril de 2015, resolveu desafiar Katie para uma corrida, durante um evento em que coincidiram no Arizona, EUA. “Claro. Queres nadar daqui a uma hora?”, respondeu-lhe a adolescente. “Não, quero nadar agora, que acabaste uma prova e estás cansada”, atirou-lhe o senhor medalhas olímpicas. Katie, mesmo assim, disse-lhe que sim. Mas a história conta que o duelo não chegou a entrar na água porque Michael Phelps não apareceu.