Título: Adore Life
Banda: Savages
Editora: Matador; Popstock

Savages-Adore-Life

Quando as Savages apareceram em 2013 com o primeiro álbum, Silence Yourself, tomaram conta da rua, fizeram-se donas disto tudo, com golpes de esquerda, de direita, ninguém conseguia ver de onde vinham, era comer e calar. Agora querem empurrar-nos outra vez para o ringue mas com o novo Adore Life já conseguimos fazer a revienga a um ou dois estaladões que não acertam em cheio. Não será por isso que não acabamos estendidos no chão, a tentar fazer sentido do que aconteceu. Pode é demorar mais tempo e dar-nos mais espaço para respirar.

Que ninguém vá ao engano. As Savages continuam a ser uma das mais ferozes locomotivas das coisas rock de agora, não há dúvidas nessa questão. Mas se no novo disco arrancam a pele com “The Answer” também controlam os nervos, como acontece em “Adore”; apontam o dedo aos culpados de tudo com “Sad Person”, sem hipótese de fuga, mas também sabem que a intensidade nem sempre se mede com o trio guitarra-baixo-bateria afogado em esteróides (está tudo nos cinco minutos da última “Mechanics”). Os porquês não se explicam, era o que faltava. Serve na perfeição um “porque sim” mas também serve a palavra que a vocalista Jehnny Beth mais tem associado a este disco sempre que é entrevistada: amor.

O amor não é novidade — não é para ninguém, porque é que seria para estas quatro? Quando Jehnny Beth cantava, em Silence Yourself, sobre liberdade sexual, quando levantava a voz e abria bem os olhos para gritar por dias menos misóginos, menos constrangidos e mais livres, tudo aquilo era amor, todo aquele bom mau-feitio era um vulcão emocional. Muito bem, era uma coisa mais generalizada, uma espécie de “vocês que se amam que se entendam”, por aí. Agora, neste regresso, o amor que percorre todas as canções de Adore Life é traduzido em momentos de paixão. Parece telenovela mas todos sabemos que não é nada disso. São misérias do coração que podem dar certo ou acabar mal, depende do caso, mas é romance, é gente com a vida nas mãos, a entregá-la a um outro alguém ou a correr, a fugir sem a deixar para trás.

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Adore Life está cheio de frases perfeitas para fazer T-shirts. “Se não me amas, não amas ninguém”, “O amor é a resposta”, “É isto que te acontece quanto te metes com o amor” ou “Dorme comigo e continuamos amigos”. Tudo traduções livres do inglês, que é muito menos constrangedor quando transformado em estampas. Mas as mesmas frases são também provas inegáveis de que Jehnny Beth está de bem com toda esta enxurrada sentimental. É assim porque é verdade, porque não podia ser de outra maneira, porque as canções exigem que assim seja e não o contrário. E fazer tudo isto enquanto o ADN musical continua o mesmo é tarefa complexa. Outra vez os setentas e oitentas mais sombrios, outra vez os motins femininos dos noventas revistos por quem tem a criatividade movida a drama e mais uma vez a liberdade do século XXI em misturar tudo porque tudo está misturado em toda a parte.

Domesticar a urgência

Há um risco nesta nova fase das Savages, em que parecem ter mais carne e osso que há uns anos. É que no tempo em que só havia Silence Yourself estavam elas contra o mundo, em disco e em palco. Os concertos eram batalhas, do princípio ao fim, com a banda a vestir na perfeição a máxima rock’n’roll que afasta quem o toca dos restantes mortais que o ouvem. O som, a imagem e a atitude, juntavam-se os três e não havia espaço para mais nada, quase nem o ar entrava. Agora estamos todos mais próximos, temos mais em comum. As fragilidades são as mesmas e as respectivas consequências também. E isso pode dar a volta às expectativas que a música gera porque quando as Savages chegaram ao mundo fizeram-no com um estrondo.

“Não gostei do segundo disco, ficaram mais sentimentais.” Não, nada disso. Apenas domesticaram a urgência que já tinham (e que se mantém) e isso não é pecado nem crime. Aliás, permite que outras cores sónicas surjam e esse é um dos maiores e mais deliciosos desafios que um novo álbum pode oferecer – foi mesmo para isso que foi inventado, para nos dar a volta enquanto gira em volta dele próprio. Fora o óbvio: tal como aconteceu com Silence Yourself, Adore Life não é em disco o que vai ser ao vivo, não pode nem quer ser. Terá um outro corpo que é difícil adivinhar e ainda bem.

Tiago Pereira é crítico de música do Observador.