“Nem vitória nem derrota. Esta noite sabe-me a democracia”. Os jornalistas presentes no Coliseu do Porto, onde Marisa Matias escolheu passar a noite das presidenciais, queriam arrancar à candidata do Bloco de Esquerda (BE) um balanço concreto. Só que, ao contrário das cores que Marisa Matias e Catarina Martins vestiam neste domingo negro para a esquerda, às vezes a política não é a preto e branco.
10,1% dos votos, terceira candidata mais votada do país. A eurodeputada ficou a menos de 13 pontos percentuais de Sampaio da Nóvoa (22,9%), tendo sido a segunda preferida da esquerda. “É de longe o maior resultado alguma vez obtido numas presidenciais” pelo Bloco, reconheceu José Gusmão, da direção de campanha, logo após as primeiras projeções, às 20h00.
Só que, quando os números começaram a surgir nos três ecrãs de televisão disponíveis, as dezenas de pessoas que assistiam não aplaudiram nem o terceiro lugar, nem o resultado histórico. E não foi porque estavam cansadas do longo aplauso com que, pouco antes, tinham brindado Marisa Matias à sua chegada ao Salão Jardim no Coliseu, de ramo de flores na mão. O desmancha-prazeres foi Marcelo Rebelo de Sousa e os mais de 50% com que poderia vencer a eleição à primeira. “É isto”, lamentou Luís Monteiro, o deputado mais jovem da Assembleia da República, ao ver os números.
“Entrei na campanha para disputar a segunda volta“, disse Marisa Matias ao Observador, escudando-se a desvendar se tinha alguma percentagem em mente quando se decidiu candidatar. O principal objetivo falhou, sim. Mas de quem é a culpa? Da candidata do Bloco não parece ser. “Os resultados mostram que há uma enorme onda de esperança no país, que está a fazer o seu caminho. O resultado desta candidatura é uma expressão desse caminho”, disse. E, para ela, a vitória da direita também não é resultado da multiplicação de candidaturas à esquerda. “Isso é uma vantagem, nunca uma desvantagem”, explicou. “Se com estes candidatos todos tivemos este resultado, com menos teria sido diferente. Fiz tudo o que podia e estava ao meu alcance para mobilizar as pessoas para as eleições, acho que o resultado traduz isso, mas temos de fazer uma reflexão conjunta”.
Reflexão à esquerda precisa-se
Pelas 21h30, Catarina Martins veio celebrar com os presentes (entre os quais os deputados José Soeiro, João Semedo e Pedro Filipe Soares) “os mais de 10% dos votos” alcançados por Marisa Matias, resultado histórico. “A Marisa mobilizou da esquerda à direita e na abstenção. O resultado não é um acaso”, disse. “Estou certa de que as sementes desta campanha darão frutos.” De lágrimas nos olhos, a líder do Bloco não poupou elogios à sua candidata e ao partido. “Depois das legislativas, esta eleição confirma o que muitos não queriam perceber. A determinação do Bloco mudou o mapa político em Portugal”, disse.
Sem nunca mencionar outros partidos, reconheceu que “a vitória da direita nestas eleições é uma derrota para a esquerda”, pelo que terá “de existir uma reflexão no país sobre como a direita ganhou à primeira volta”. Sampaio da Nóvoa ficou muito longe de Marcelo. Maria de Belém ficou muito longe de Marisa Matias. Edgar Silva, o candidato do PCP, só conseguiu 4% dos votos. Ficou a sete décimas de Vitorino “Tino de Rans” Silva (3,3%). Um debate urgente entre os partidos à esquerda ao qual a líder do Bloco não irá “fugir”.
O bom ambiente foi uma constante. Houve até alguns risos quando as primeiras projeções por distrito punham Tino de Rans em terceiro lugar no Porto, à frente de Marisa. Bem cedo, pelas 22h30, as dezenas de presentes no Salão Jardim (qualquer pessoa podia entrar livremente, ao contrário da sede de Marcelo, onde por exemplo era necessária credencial) começaram a abandonar em massa. É que, ao contrário das legislativas, em outubro, em que cada voto pode valer um deputado e maior peso no Parlamento, nesta eleição presidencial a principal expectativa da noite era ver se o candidato da direita teria de disputar uma segunda volta. E a esperança morreu muito cedo.
Vitória de Marcelo e da direita, derrota da esquerda, mas não do Bloco, que conseguiu o mesmo terceiro lugar com que já tinha surpreendido nas legislativas, em outubro. Marisa saudou a noite de democracia, depois de se ter tornado na mulher mais votada de sempre numa eleição presidencial portuguesa. Catarina prometeu “lealdade institucional”. A partir de março, Portugal volta a ter um Presidente da República de direita, mas o Bloco não vai esquecer os resultados desta noite: a “luta contra a austeridade”, pelo emprego, pela transparência e pela igualdade teve muitos votos, lembrou a líder bloquista, reclamando o peso do partido. Ao longo dos próximos cinco anos, promete também lembrar Marcelo.