À primeira vista, a expressão “faça você mesmo” parece um insulto. Mas basta olhar com atenção para a sigla original inglesa para perceber que é tudo menos isso. DIY — Do It Yourself não passa de um conceito que descreve a arte de construir, modificar ou reparar algo sem a ajuda de especialistas ou profissionais.
A apresentadora Leonor Poeiras, de 35 anos, nunca teve outra opção. “Ser a mais nova de cinco irmãos obrigou-me a recriar tudo aquilo que herdava deles”, diz ao Observador. “E assim comecei por mudar botões de casacos, pintar o cesto de verga que levávamos com o almoço para a escola, subir as bainhas dos vestidos e mudar a cor da bicicleta com novos sprays.”
Estava nascido o gosto pelo mundo das artes manuais que floresceu mais tarde na Oficina Poeiras, um blogue que viria a transformar-se em livro onde a apresentadora partilha os seus próprios truques e dicas simples de projetos de decoração. “Tornou-se um modo de vida a reinvenção de bens materiais e o pôr em marcha as minhas ideias. Mas, acima de tudo, tornou-se um modo de vida canalizar toda esta criatividade para projetos pessoais específicos.” Projetos que podem ser de vestuário, decoração, bricolagem, carpintaria e até culinária onde raramente a perfeição é alcançada.
“Há anos que não compro presentes de anos às pessoas que mais gosto, por exemplo. Faço-os”, diz Leonor Poeiras. E a filosofia do Do It Yourself passa exatamente por pegar numa tesoura, em duas cartolinas e alguns marcadores para construir uma lembrança decorativa (quase) a custo zero como nos tempos da primária.
“Acredito que somos capazes de produzir coisas que têm um valor maior do que o dinheiro que valem. Ideias que nos fazem pôr a mão na massa e poupar na massa.”
Da tendência ao negócio
O conceito DIY ganhou popularidade na década de 1970 com a disseminação de ideais anticonsumistas e anticapitalistas. Graças à internet, começaram a surgir blogues e sites especializados em decorações criativas e peças personalizadas. Seguiram-se workshops, pequenos mercados, revistas e livros que convidam o leitor a escolher um projeto e a executá-lo. Depois vieram as páginas de Facebook e as comunidades online como a Etsy, onde pode comprar e vender todas as coisas feitas à mão, abrindo a sua própria loja e sem mais intermediários. Escusado será dizer que esta já é uma tendência internacional com diversos seguidores em Portugal e dos quais alguns já fazem negócio.
“O público português está de coração aberto para o handmade e DIY“, garante Mariana Simões, uma das responsáveis pela criação do festival Idé Lisboa dedicado a promover e expor trabalhos manuais de marcas da área da decoração, moda, festas e tricot. Também ela se dedica a projetos criativos desde criança mas foi a caminho da idade adulta que decidiu fazer da sua paixão um trabalho a tempo inteiro. “Inspirámo-nos em feiras internacionais e criámos este conceito de festival em Portugal para incentivar a criatividade na personalização.” A primeira edição foi um sucesso e provou que é possível viver da arte do “faça você mesmo”.
Mas porque é que a tendência só agora virou moda em Portugal? “A necessidade aguça o engenho e durante a crise económica as pessoas começaram a ver no Do It Yourself a única maneira de, por exemplo, oferecerem prendas sem gastarem dinheiro”, responde a responsável de 32 anos. E será a poupança a única vantagem de pôr as mãos à obra? “Claro que não. Depois do tempo e trabalho a criar ou a personalizar um objeto vamos olhar para ele com valor sentimental. Para além de que personalizar peças pode tornar-se um hobby bastante terapêutico.”
Em 2016, o fenómeno continua a crescer e tem mais sucesso do que imagina. A motivação para a criação de trabalhos manuais aumentou, como forma de fugir do computador e de um mundo essencialmente digital, mas foi a procura por estas peças únicas e originais que duplicou.
“Para fugirem à massificação, há cada vez mais pessoas que preferem comprar artigos personalizados que não encontram à venda em mais nenhuma loja”, conta Mariana Simões. “Entretanto criei uma marca de sapatos personalizados e sinto que as pessoas querem cada vez mais diferenciar-se umas das outras.” Ou não seriam os remendos e pins uma das grandes tendências de moda que, ironicamente, estão à venda nas grandes cadeias de lojas de roupa massificada.
Dos cursos aos livros
Já o mundo de Rute Granja não passa pelo calçado mas pelos tecidos, botões e rendas. A autora do livro Pontinhos de Amor encontrou na costura criativa o escape para o stress do dia-a-dia e há cerca de cinco anos decidiu abraçar o mundo do artesanato a tempo inteiro. “Comecei mais tarde a realizar workshops, oficinas de trabalho e formação, um pouco por todo o país”, confessa. É nesses cursos que ensina os iniciados a fazerem projetos simples como colares com flores e suportes de velas. “A maior parte são trabalhos fáceis e acessíveis a qualquer pessoa, mesmo para quem não tem grande perícia.”
Atualmente existem cursos de iniciação à costura, ao design e decoração de interiores e até à joalharia que costumam repetir-se uma vez por mês e podem ir de 7,50€ até aos 250€ por pessoa. Se não quiser sair de casa, o último ano trouxe mais livros “faça você mesmo” do que aqueles que conseguimos contar, com vários projetos simples que não precisam de berbequim, serra elétrica ou máquina de costura. Tanto no manual Oficina Poeiras de Leonor Poeiras como no Do It Yourself de Thomas Bärnthaler, os projetos são explicados passo a passo e ilustrados com fotos exemplificativas.
Da motivação aos projetos
Se nunca experimentou trabalhos manuais, chegou a altura de pôr as mãos à obra. Sabe aquelas caixas de madeira que andam abandonadas aí por casa? “Com alguma imaginação e pouco esforço, podem ser transformadas em algo fabuloso”, incentiva Joanna Gosling, autora do livro Feito em Casa é Simples. De arquivadores a tábuas de cozinha, há uma infinidade de possibilidades que abraçam o conceito do feito à mão.
“Os amigos e família perguntam-me com frequência como é que consigo fazer isto. A minha resposta é sempre igual: feito da maneira mais simples, nada é muito complicado de fazer”. Basta só (alguma) motivação. Quando der por si já anda a fazer experiências com resinas e vernizes, a forrar as gavetas e a reconstruir móveis.
Arregace as mangas, escolha um dos quatro projetos em fotogaleria e execute-o. No fim vai perceber que, afinal, somos mesmo capazes de produzir coisas que têm um valor maior do que o dinheiro que valem.
Texto editado por Ana Dias Ferreira.