Ligeiramente desfocada, a preto e branco, a fotografia do ano World Press Photo conta uma história. É um pai a entregar uma criança bebé nas mãos de alguém através de uma barreira de arame farpado, mas vale mais do que isso. Em 2015, o fluxo de refugiados sírios, iraquianos e afegãos que procuraram a Europa para refúgio da guerra e deram de caras com uma Europa de muros, vedações e barreiras foi um dos temas que marcou decisivamente as notícias e o mundo. A fotografia do ano, portanto, é sobre o tema do ano.
Tirada pelo fotógrafo australiano Warren Richardson a 28 de agosto de 2015 na fronteira entre a Hungria e a Sérvia, “Esperança numa nova vida” — assim se chama a fotografia — foi considerada “assombrosa” pelo júri do concurso, presidido pelo editor de fotografia da agência France Presse. “Trata-se de uma fotografia por um lado muito clássica, no sentido mais nobre do termo, e intemporal. Desde que a vimos compreendemos a sua importância. A sua força deve-se à sua simplicidade e, em particular, ao símbolo dos filhos farpados”, explicou Francis Kohn à Paris Match. Na edição deste ano, o fotógrafo português Mário Cruz também foi premiado.
No seu Twitter, Warren Richardson partilhou algumas fotografias que tirou durante o périplo que fez pela Europa mergulhada na crise de refugiados entre julho e setembro de 2015. Tirando as últimas que o fotógrafo partilhou, todas estão a preto e branco.
1 month old Afghan boy born into the world as a refugee. Budapest. pic.twitter.com/3wMImfDq6W
— Warren Richardson (@WarrenImages) July 24, 2015
I Janos Pap Ter, Budapest, Hungarian man dances with Afgan men. pic.twitter.com/lmkeVMXC64
— Warren Richardson (@WarrenImages) August 13, 2015
Keleti Pályaudvar Train Station, Hope the world is watching and does something about this problem that we all face. pic.twitter.com/Nhz69ZMzcg
— Warren Richardson (@WarrenImages) August 6, 2015
Sendo o tema do ano, não foi naturalmente a única fotografia apresentada a concurso sobre o assunto. Esta, por exemplo, de um fotógrafo turco da AFP, pertence a um portefólio que recebeu o terceiro prémio da categoria Notícias Locais.
Bravo à @Kilicbil pour cette photo et pour son prix (3ème prix World Press, catégorie "Actualités") pic.twitter.com/PIwgPe5MiC
— Stephane Jourdain (@s_jourdain) February 18, 2016
Quando se pensa em fotografias de refugiados, talvez a primeira imagem que venha a memória seja a de Aylan Kurdi, o menino sírio morto numa praia turca. Porque é que essa fotografia não foi premiada? Alberto Rojas, fotojornalista e redator do El Mundo, insurge-se. “Só pode haver duas razões” para que a fotografia não tenha sido distinguida. A primeira, significativa, é que a responsável pela imagem (Nilufer Demir) não a apresentou a concurso. “A segunda: que o júri ficou louco.”
“Há muitas décadas que uma fotografia não causava semelhante impacto sobre a opinião pública”, escreve Rojas, que lembra as icónicas imagens de Tiananmen, da criança com um abutre no Sudão e da rapariga queimada por napalm no Vietname como exemplos de fotografias que tiveram um impacto desse género. “Nenhuma delas mudou a realidade significativamente, mas mostrou-a ao mundo, que é a função de qualquer fotojornalista.” E a imagem de Aylan não alterou o destino trágico de centenas, milhares de pessoas. Mas tem “a capacidade de abanar consciências”, defende Rojas, que é definitivo em classificá-la como “histórica”.
Tão simples e tão macabra. É a foto do ano, da década e uma das grandes da História.”