Até aqui, à Super Terça-feira, a questão (mesmo entre republicanos, sobretudo os do chamado establishment, como o são os governadores e senadores que rejeitam a ideia de Trump vir a ser o candidato do seu partido) era como travar a ascensão de Donald Trump nas Primárias do partido. Agora, e cada vez mais, a questão não é como travá-lo; a questão é como aceitá-lo – e se pode ou não Trump derrotar Hillary nas eleições Presidenciais de outubro. Trump e Clinton foram os dois grandes vencedores da Super Tuesday – ainda não são favas contadas, mas quase.
JeB Bush, que há um ano era o favorito dos favoritos, desistiu antes da Super Terça-feira e fê-lo depois de uma série de resultados a roçar a humilhação. Sobretudo para quem angariou milhões e milhões de dólares em donativos e ostenta o apelido que ostenta. Ben Carson e John Kasich estão, desde há muito, a fazer figura de corpo presente nas sondagens. As primárias de 1 de março, mais do que negá-lo, vieram sustentar a ideia de que a desistência de ambos está por dias e talvez nem cheguem à Florida, daqui por duas semanas. Marco Rubio é o infant do partido, mas mais do que pensar na eleição de 2016, e não descolando sequer de Ted Cruz, terá de pensar em próximas núpcias.
Por falar em Cruz, ele sim, foi o único capaz de bater o pé a Donald Trump nestas Primárias. Fê-lo no caucus do Iowa (uma derrota que Trump não engoliu até hoje e apelidou de “farsa”, culpabilizando a “aparelho” de Cruz pela perda de eleitores) e repetiu a graça esta noite, primeiro no “seu” Texas natal, depois no Oklahoma. E viria, também, a vencer no Alaska.
Do lado republicano, a noite foi de Trump, que venceu em toda a linha, de norte a sul, em 7 dos 11 Estados que foram a votos. E quando não venceu (perdeu os supracitados Estados do Texas, Alaska e Oklahoma para Cruz, mas também, e surpreendentemente, o Minnesota para Rubio), não sendo estes três Estados de winner-take-all, recolheu delegados suficientes para continuar a sua caminhada serena e triunfante rumo à Convenção Nacional Republicana, agendada para julho, em Cleveland, no Ohio.
MAKE AMERICA GREAT AGAIN!
— Donald J. Trump (@realDonaldTrump) March 1, 2016
As sondagens davam-no como favorito. Mesmo que o acusem de ser xenófobo na imprensa norte-americana e europeia, de ser racista – Trump não recusou o apoio de David Duke, outrora líder do Ku Klux Klan, à sua candidatura no último fim-de-semana –, mesmo que Trump seja vaiado num debate republicano (e foi-o durante o último) depois de criticar George W. Bush e a sua política militar no Iraque e Afeganistão, mesmo depois de trocar aturadas com o Papa Francisco e desagradar sobremaneira à ala mais conservadora e católica do partido, apesar de tudo, Trump era favorito. E confirmou-o.
O mesmo Trump que há menos de um ano atrás estava longe de o ser. O milionário nova-iorquino venceu as primárias do New Hampshire e da Carolina do Sul – para além do recente caucus do Nevada, claro. Há muito tempo, 36 anos para ser preciso, que todos os candidatos que vencem as primárias do New Hampshire e da Carolina do Sul conseguem a nomeação presidencial. E quando a isso se lhes acrescenta uma vitória (mais a mais, expressiva) na Super Terça-feira, não há volta a dar: dificilmente a nomeação lhe escapará.
Há 95 delegados em disputa na Flórida, a 15 de março, outros 95 a 19 de abril, em Nova Iorque, e ainda 172 a 7 de junho, na Califórnia. E são importantes para as contas finais. Mas a continuar com esta dinâmica de vitória (os americanos chamam-lhe momentum), Trump é quase imparável. Ponto.
Ted Cruz pede apoio aos outros candidatos para vencer Trump
No seu discurso de “meia-vitória”, Ted Cruz afirmou que a sua campanha “é a única que tem vencido, que consegue vencer e que vai vencer Donald Trump”, apelando aos restantes candidatos que se “unam” a si contra Trump. Porquê? Porque os Estados Unidos “não devem ter um Presidente cujas palavras nos envergonhariam se os nossos filhos as repetissem”, concluiu.
Cruz sabe que é, até ver, o único capaz de fazer frente a Trump e que todos os delgados vão contar na Convenção. Até ao último. Mas Trump, ele próprio, tem cada vez menos dúvidas de que será o escolhido – o próprio presidente do Comité Nacional Republicano, Reince Priebus, admitiu recentemente que não se oporá à nomeação de Trump, “se os delegados forem acumulados de uma forma a que um dos candidatos se torne o nomeado”. Apesar de tudo, foi moderado – Trump – surpreendentemente moderado na hora de subir ao palanque em Miami.
O que fez? Elogiou Cruz e procurou tirar Rubio da corrida à Casa Branca. “Tenho de dar os parabéns ao Ted, porque eu sei o quão arduamente ele trabalhou no Texas. Rubio? Estão a declará-lo como o grande perdedor desta noite. O que é verdade. Ele não ganhou nada, ponto. E não vai ganhar nada”, terminou. Aplaudido. Sorridente. Vencedor.
Together we can nominate a proven conservative who has fought to defend the Constitution! https://t.co/H5d9J6ViCE pic.twitter.com/PrxEPX2fjj
— Ted Cruz (@tedcruz) March 2, 2016
A Hillary dos do sul (e o socialista que não descola dela)
“Mulher, mãe, advogada, defensora dos direitos das mulheres e das crianças, primeira-dama do Arkansas, primeira-dama dos Estados Unidos, senadora, secretária de Estado, autora, dona de cães, fã de calça-casaco, quebra-barreiras.”
À falta de espaço para mais – as redes sociais têm destas “modernices”, não é? –, é assim, sucintamente, que Hillary Clinton se apresenta no Twitter. Depois da Super Terça-feira, com mais certezas do que incertezas, talvez seja hora de ganhar carateres apagando o seu apego pelo modelito “calça-casaco” e acrescentar “candidata democrata às Presidências norte-americanas”. Talvez não chegue o espaço.
Mas a verdade é esta: Hillary venceu à tangente no caucus do Iowa, Hillary perdeu para Sanders no New Hampshire, Hillary somou a vitória no Nevada (não tão à tangente como no Iowa, mas nem por isso uma vitória folgada) uma categórica demonstração de força (73,5% dos votos) na Carolina do Sul. E hoje voltou a fazê-lo, sobretudo nos Estados do sul, onde há uma clara franja de eleitores (contabilizam-se aqui somente os que são elegíveis para as Primárias democratas) afro-americanos que a apoiam.
Mas tomemos o exemplo recente da Carolina do Sul, a 27 de fevereiro, que foi uma espécie de barómetro, de antecâmara, para o que esta noite se veio a assistir – é que sete dos 11 Estados (mais a Samoa americana) que foram a votação na Super Terça-feira são “sulistas”. Hillary Clinton conseguiu nesse Estado obter mais votos de eleitores afro-americanos do que Barack Obama em 2008. O atual Presidente norte-americano havia conseguido 78% dos votos; Clinton chegou aos 86%. Impressionante, não?
America never stopped being great. Our mission is to make America whole.https://t.co/bV85jaRoCO
— Hillary Clinton (@HillaryClinton) March 2, 2016
Bernie Sanders começou bem a noite. Começou.
Curiosamente, até foi Bernie Sanders o primeiro vencedor da noite. Mas a vitória de Sanders no “seu” Estado do Vermont não é propriamente uma surpresa: o percurso político de Sanders fez-se todo lá, primeiro como mayor de Burlington, depois como deputado e, por fim, como senador do Estado. As sondagens neste Estado davam-lhe uma vitória com perto de 80% dos votos. Mas até conseguiu mais.
Contudo, Sanders não se ficou por aqui, vencendo noutros três Estados: Colorado, Minnesotta e Oklahoma. Quando se soube da vitória no Oklahoma, Sanders subiu ao palanque e discursou. E mesmo sabendo que Hillary venceria mais Estados do que ele (Hillary acabou por vencer sete: Texas, Arkansas – onde o marido, Bill, foi governador –, Tennessee, Alabama, Georgia,Virginia e Massachusetts), não se deu por vencido desde já.
“Esta noite vocês vão assistir a muitos resultados. Não temam nada. Os media esquecem-se que esta não é uma eleição winner-takes-all. No final da noite nós vamos conseguir eleger muitas centenas de deputados. Lembrem-se que há 10 meses nós tínhamos 3% nas sondagens. Foi um longo, longo caminho até aqui, aquele que fizemos juntos. No final desta noite, 15 Estados foram a votos; mas faltam 35. E vamos lutar por eles até ao final”, concluiu, aplaudido por uma multidão eufórica.
Bem lembrado, Bernie. Sim, Hillary venceu. Mas não, as contas não estão (por enquanto) encerradas. O número de delegados é que fará a diferença na Convenção Nacional Democrata, lá para meados de julho, em Filadélfia. Hoje, Clinton arrecadou 417 delegados, somando assim um total de 508 desde que começaram as Primárias. E Sanders conseguiu um total de 230 — o que, feitas as contas, lhe confere um total de 295 delegados. O problema para Sanders é o tempo, ou a escassez deste, o que joga a favor de Hillary Clinton até ao final.
Os 214 delegados da Flórida, a eleger no dia 15 de março — aí sim, em winer-takes-all –, podem aumentar ou reduzir distâncias. E Hillary até é favorita nas sondagens nesse Estado. Mas Sanders já provou que se há candidato que contraria sondagens é ele.
O alvo a abater (por republicanos e democratas) é só um: Donald Trump
Do lado dos democratas, nesta Super Terça-feira foram escolhidos 865 delegados — o que corresponde a 18% de um total de 4763. E do lado dos republicanos as contas são ainda maiores: 595 delegados em 2472, isto é, 24%.
Mas centremo-nos nos republicanos. Donald Trump venceu em sete Estados: Alabama, Arkansas, Georgia, Massachusetts, Tennessee, Vermont e Virginia. Sobram três. Um deles é o Texas, que caiu nas mãos de Ted Cruz – o qual também arrecadou o Oklahoma, como já se sabe. Houve ainda o Minnesota, onde Marco Rubio conseguiu pouco mais do que o seu prémio de consolação — e o balão de oxigénio para se agarrar à corrida.
Ao início da manhã em Lisboa, ficou também a saber-se o resultado no Alaska, o remoto Estado cuja personalidade política mais célebre é Sarah Palin — antiga governadora do Alaska, vice de John McCain nas presidenciais de 2008 e, mais recentemente, apoiante confessa de Trump. Mas o magnata não conseguiu ganhar o Alaska mas, sim, Ted Cruz, que obteve 12 delegados e Trump 11. Ainda assim, Trump é o alvo a abater. Por todos. Sobretudo pelos “seus”.
Ted Cruz, e sendo ele o outro “vencedor” da noite republicana, apelou à união.
“Enquanto o campo ficar dividido, o caminho de Donald Trump para a nomeação fica mais fácil. E isso seria um desastre para os republicanos, para os conservadores e para a nação”, afirmou. Mas o verdadeiro ataque a Trump veio depois, acusando-o, Cruz, de não ser um “verdadeiro conservador”, ao referir que este é a favor da “medicina socializada” — isto é, dos cuidados de saúde universais. Além disso, acusou Trump de ser a favor do planeamento familiar e contra a segunda emenda da Constituição, que refere “o direito de ter e empunhar armas”. Por fim, quis distanciar-se de Trump ao não deixar nenhum espaço para dúvidas quanto a Israel (“a América vai ficar, sem qualquer tipo de desculpas, ao lado de Israel”) e o Irão (“eu vou rasgar aquele acordo [nuclear] em pedaços”).
Faltava Marco Rubio – de Ben Carson e John Kasich nada se escutou nesta noite. Rubio é senador da Flórida. E está confiante de que vencerá no seu próprio Estado, que vai a votos a 15 de março. A Florida elege 99 delegados nos republicanos e tem um sistema de tudo ou nada: quem vence, fica com todos; os outros, saem de mãos a abanar. E o que dizem as sondagens? Na verdade, nada que seja animador para Rubio. Trump aparece à frente com 42,1% e Rubio só tem 23,8%. Ainda assim, ele pôs-se ao ataque, num discurso (estranhamente) de autênico vencedor da noite: “Vamos enviar a mensagem de que o partido de Lincoln e de Reagan e a presidência dos EUA nunca vai ser tomada por um aldrabão”, disse.
O candidato nomeado pelos democratas, seja ele Hillary Cliton ou Bernie Sanders, não deve estar preocupado com Trump. As sondagens dão-lhes uma vitória segura sobre ele. Mas a verdade é que Trump já provou que é um mestre a virar sondagens negativas a seu favor.
Most Americans can pay lower taxes if hedge fund managers who make billions manipulating the marketplace finally pay the taxes they should.
— Bernie Sanders (@SenSanders) March 1, 2016
Nos democratas, Bernie Sanders subiu ao palanque, no seu Vermont natal, aplaudido. E a cada palavra sua, era aplaudido mais ainda. O alvo foi só um, do começo ao fim: Donald Trump. “Não se trata de eleger um Presidente; trata-se de transformar a América. E aproveitar o potencial que todos sabemos que o nosso país tem. Nós sabemos que há um problema para resolver. E temos que ter a coragem para o resolver. Não vamos permitir que os multimilionários destruam a nossa democracia.” O discurso acalorou-se com o passar dos minutos: “Queremos uma economia que funcione para todos nós e não só para quem está no topo. Não vamos permitir que os ‘Donald Trump’ que há por aí nos dividam.”
Já Hillary Clinton não pegou tanto na alta finança para criticar Trump – afinal, o próprio Sanders acusa-a de ter o “rabo preso” a Wall Street. Mas atacou-o onde Trump mais se põe a jeito: nas questões sociais e nas minorias. Hillary sabe que a eleição não são favas contadas. “Por todo o país, os democratas votaram para quebrar barreiras, para que todos nos reergamos. Agradeço a todos os que votaram em mim. Mas vamos precisar que todos vocês continuem a apoiar-me, a dizer aos vossos vizinhos, aos vossos amigos, para votarem em mim. O país só prospera quando todos prosperarmos, só é forte quando todos o somos. Não queremos tornar a América grandiosa novamente. Ela já o é. O que a América tem é que ser de todos”, começou por dizer Hillary Clinton, numa alusão clara ao lema de campanha (“Make America Great Again”) de Donald Trump.
Depois, continuaram as indiretas (ou diretas?) a Trump: “Vamos quebrar barreiras. Vamos exigir direitos iguais. Direitos iguais para as mulheres, para os afro-americanos, para os imigrantes que trabalham e são explorados, direitos LGBT iguais, direitos iguais para todos. Eu sei que muitos americanos perderam a fé no futuro. Num futuro de oportunidades para os seus filhos, as oportunidades que eles merecem. Mas vamos dar-lhes esse futuro. Juntos.”
Os democratas vão novamente a votos já no sábado, em três Estados: Louisiana, Nebraska e Kansas. Os republicanos, também a 5 de março, em quatro: Kansas, Kentucky, Louisiana e Maine. E assim continuará a romaria dos caucus e das Primárias até junho. Com cada vez menos para decidir, mas ainda com uma corrida em aberto.
Eis como se repartem os números de delegados totais, após esta Super Tuesday, segundo o The New York Times: