Partilhou uma “Lisboa fervilhante” com Natália Correia ou David Mourão-Ferreira, batia “por bater” à noite – ou não tivesse ele sido, nos dias da sua juventude, forcado, halterofilista e boxeur –, é padrinho da última filha de Vinicius de Moraes, casou e descasou, amou (“nem sempre bem”) e foi bem-amado, fez-se ator (Um personagem preferido? “É como perguntar a um pai de que filho é que gosta mais”) porque era “preguiçoso demais” para ser cantor lírico.
Quase tudo se ouviu de Nicolau Breyner, quase tudo se escreveu dele. Eis cinco histórias menos conhecidas, contadas na primeira pessoa.
A voz prodigiosa que trocou a ópera pela boémia
O pai de Nicolau Breyner trabalhava para a Inspeção da Imigração. E numa das muitas viagens que fez conheceu José Mujica, “um frade argentino que tinha sido um grande cantor de ópera”. Levou-o a jantar a casa dos Breyner, em Serpa, e Mujica acabaria por pedir a Nicolau, então com oito anos, que cantasse. “No fim, disse-me que eu era uma bênção e aconselhou os meus pais a deixarem-me seguir [o canto lírico]”, contaria mais tarde Nicolau.
Começou a ter professores de canto. Foi aluno de Tomás Alcaide, tenor português, de Maria Antónia Palhares e até de uma “grande mestra” italiana — como o próprio a descreveu certo dia –, Merope Foresta.
Então, porque se dedicou Nicolau ao teatro e não ao canto lírico? “Nunca tinha pensado ser ator. O meu pai disse que a ópera era uma arte cénica e que tinha de ir para o Conservatório para aprender teatro e trabalhar as duas coisas. Comecei a perceber que não tinha coragem para manter aquela disciplina…” É que, conta Nicolau Breyner, ser cantor de ópera é como ser-se bailarino: “As leis da ópera são de alta competição: não beber, não fumar, não apanhar sol, ter cuidado com a alimentação, não namorar muitas meninas. Foi quando disse: ‘Nem pensem nisso.’ Eu queria viver.” E viveu. Como quis.
Concorreu ao Festival da Canção. Perdeu para… Carlos Mendes
Nicolau Breyner cantou muito. Sobretudo no teatro de revista. Mas também em festivais. No mais ansiado e visto dos festivais: o Grande Prémio TV da Canção Portuguesa.
Fê-lo em 1968. Estávamos a 4 de março. Era a quinta vez que o Grande Prémio se realizava. Apresentado por Maria Fernanda e Henrique Mendes, o festival não correu bem a Nicolau. Mas também não foi um fiasco. A canção que interpretou, “Pouco Mais”, da autoria de César de Oliveira (letra) e de João Vasconcelos (música), acabou em 4.º lugar.
O vencedor desse ano foi Carlos Mendes, com o tema “Verão”.
Foi ele quem descobriu “o grande artista” num (Sr.) feliz acaso
Ainda hoje há quem recorde Nicolau Breyner pela rábula televisiva “Sr. Feliz e o Sr. Contente”. Em tempos idos, na década de 1970, o sucesso era quase sufocante para Nicolau. “A popularidade era indescritível. Num espetáculo no Porto, no Palácio de Cristal, e eu e o Herman tivemos de sair por uma janela e entrar no carro da polícia, tal era a loucura”, recordaria Nicolau em entrevista.
Mas para falar de Nicolau, o “Sr. Contente”, há que falar também da sua contracena, Herman — e de como o descobriu… por acaso. “Ele estava a tocar baixo numa banda e a fazer teatro. Um dia vi-o, achei-o um miúdo com muita graça, de tal maneira que quando surge o Feliz e Contente assumi a responsabilidade da escolha.”
Mas houve quem não quisesse Herman como “Sr. Feliz”. “Falaram-me em vários atores, mas eu quis aquele miúdo. Não voltámos a trabalhar depois disso. Um dia disse-lhe: ‘é altura de voares’ e ele começou a voar, e muito alto.”
Nos bastidores do teatro: o dia em que Laura Alves o levou a um velório… errado
História nos bastidores do teatro Nicolau Breyner tinha-as sempre prontas a serem contadas. Como na vez em que ele e Tony de Matos deram verdadeiramente banho um ao outro em palco. “Divertíamos muito em cena com as partidas que pregávamos uns aos outros. Certa vez, com o Tony de Matos, pessoa que eu adorava de paixão, aconteceu uma engraçada em cena. Eu sacudi-lhe água para a cara, na segunda sessão ele encheu a boca de água e borrifou-me, na terceira sessão deitei-lhe um copo de água pelas costas. A coisa acabou com um balde de água.”
Mas não há episódio que Nicolau tenha recordado com tantas gargalhadas como o que lhe aconteceu com Laura Alves. Estavam a fazer uma peça e a secretária do teatro disse-lhe que “a Laurinha” queria falar com ele. Pensou que tinha feito asneira. Mas não.
“Queria que a acompanhasse ao enterro do avô do Humberto Madeira, e quando a Laurinha queria, não havia como fugir. Chegou à capela, de óculos escuros, lenço preto e míope como um rato, às cegas. Entrou a cumprimentar as pessoas. Chega ao caixão, deposita as flores, reza, destapa a cara do morto e ouve-se: ‘Ai filho, que não é este, enganei-me.’ E saca das flores. ‘Era só o que me faltava deixá-las aqui.'”
Casou-se várias vezes (e “descasou-se” numa lua de mel)
Nicolau sempre foi um bon vivant — assumidamente marialva e não machista. E cedo se entregou às mulheres. Certo dia, numa entrevista, confessaria que perdeu a virgindade com uma empregada da casa de Lisboa, “tinha 13 ou 14 anos.”
Quando lhe perguntavam quando se apaixonou pela primeira vez, sempre confessou não se recordar — “Não sei o nome dela. Conhecia-a da missa. Falei com ela uma vez ou duas, devo ter dito bom dia, boa tarde. Era uma rapariga lindíssima, cabelo louro, olhos azuis. Uma paixão platónica.”
No teatro teve outros tantos amores. Duas, três, às vezes quatro e cinco namoradas de cada vez. “O meu pai tinha uma frase excelente: ‘Fazes caridade sexual’, dizia-me. Realmente, às vezes não me apetecia nada… Mas não sabia dizer que não”, confessou.
Casou três vezes. Um desses casamentos durou somente duas noites e acabou, como é bom de ver, na própria lua de mel. Tinha 25 anos, Nicolau. “Estive casado poucos dias. Foi um total disparate da minha parte. Já disse várias vezes que peço as maiores desculpas a uma pessoa que feri por inconsequência. Porque é que quis casar? Fiz muita coisa na vida que ainda estou para perceber porquê. Pensei que era melhor acabar logo ali do que mais tarde”, explicou, em 2005, à revista Sábado.