(artigo atualizado segunda-feira às 8h30)

Nem a chuva travou o dia histórico. “Que bolá Cuba?”, que é como quem diz, “Que tal, Cuba?”. Foi assim que, via Twitter, Barack Obama fez saber que já tinha aterrado em Cuba. É a primeira vez desde 1928 que um Presidente norte-americano pisa solo cubano, depois de longos e turbulentos anos de corte diplomático. Para a história ficam as fotografias de Barack Obama e a família a sair do Air Force One, de roupa primaveril mas de chapéu-de-chuva em punho.

Além de Michele Obama, das filhas, Malia e Sasha, e da sogra, Marian Robinson, a delegação norte-americana que acompanha o Presidente é bem maior do que isso. Segundo o jornal britânico The Guardian, a comitiva conta com entre 800 a 1200 pessoas – que se deslocaram a Havana para assistir ao fim da guerra fria entre os dois países, separados apenas por 150 quilómetros (entre Cuba e o Estado norte-americano da Florida), os 150 quilómetros mais longos do mundo.

Esta segunda-feira é a vez do encontro mais aguardado: Obama e Raul Castro vão reunir-se no palácio presidencial. Será a terceira vez que os dois se encontram, mas a primeira em território cubano.

Obama é o primeiro Presidente dos Estados Unidos que visita o país em 88 anos. A viagem está carregada de um grande simbolismo, não só porque representa o iminente fim do embargo, que só deverá ser levantado na próxima legislatura, mas também porque é um passo importante para a normalização das relações diplomáticas entre os dois países, que foram cortadas em 1961 – o ano em que nasceu Barack Obama.

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Boda molhada, boda abençoada

Debaixo dos holofotes do mundo inteiro, o primeiro dia do Presidente dos EUA em Cuba terminou com um passeio e jantar familiar em Havana Velha, onde Obama foi saudado pelos cubanos que saíram às ruas para o ver – apesar da chuva. A verdade é que há várias semanas que não chovia com tanta intensidade em Havana, adensando ainda mais a mística da visita histórica. Boda molhada, boda abençoada, costuma dizer-se.

Mas não foi a chuva que impediu vários cubanos de saírem para as ruas na zona histórica da cidade para dar as boas-vindas ao Presidente norte-americano. Devido ao mau tempo, a cerimónia de encontro de Obama com o pessoal diplomático norte-americano em Cuba não aconteceu na embaixada dos Estados Unidos da América ao ar livre, como estava previsto, mas numa sala de um hotel.

Teve também de ser modificado o passeio planeado em Havana Velha. Ainda assim, Obama, a sua esposa Michelle, as duas filhas, Malia e Sasha, e a sogra, Marian Robinson, passearam pela Praça de Armas, onde a família contemplou a estátua de Carlos Manuel de Céspedes, um dos líderes independentistas da ilha. Todo o percurso, que continuou pelo Palácio dos Capitães Generais, o edifício do antigo Governo colonial que agora alberga o Museu da Cidade, foi conduzido por Eusebio Leal, o historiador oficial de Havana e responsável pela restauração desta zona da capital.

Debaixo de uma chuva intensa e protegida por guarda-chuvas, a família presidencial chegou à Praça da Catedral, onde Obama se deteve brevemente para cumprimentar algumas pessoas que o esperavam no local. Dentro da catedral foram recebidos em privado pelo cardeal cubano e arcebispo de Havana, Jaime Ortega, que teve um papel essencial, juntamente com o Papa Francisco, no processo de reaproximação entre Havana e Washington.

Depois, a comitiva presidencial passou pelas estreitas ruas de Havana Velha e Havana Centro, onde centenas de moradores tiraram fotos a partir das varandas e portas, saudando e aplaudindo a família. O dia terminou no restaurante “San Cristóbal”, no centro de Havana. Barack Obama e a família vão ficar hospedados numa mansão da embaixada, que terá sido desenhada para ser uma “Casa Branca de inverno” para Franklin Roosevelt, conta o The Guardian.

Hoje, segunda-feira, Obama vai encontrar-se com Raul Castro no palácio presidencial, naquele que será o terceiro encontro entre os dois desde que foi anunciada a reaproximação entre os países. Na terça-feira, Obama vai discursar perante mil pessoas no mesmo teatro onde, 88 anos antes, Calvin Coolidge, o último presidente dos EUA a visitar Cuba, também o fez. O discurso histórico vai ser transmitido pelas televisões do país.

Damas de Branco pedem “Cuba sem Castros”

Antes da chegada de Obama, o domingo em Havana ficou marcado pela habitual marcha das Damas de Branco, histórico grupo de opositores do regime cubano, que resultou na detenção de dezenas de ativistas. Vestidos de branco, os manifestantes erguiam cartazes com frases como: “A viagem de Obama a Cuba não é por diversão. Não às violações dos direitos humanos”, ou “Obama, nós temos um sonho: ver Cuba sem os Castros”.

Ao início da noite, contudo, a agência de notícia Efe, dava conta de que já tinham sido libertadas. Há meses que as manifestações de domingo terminam com detenções de ativistas. Desta vez, as detenções aconteceram poucas horas antes da chegada a Havana do presidente dos Estados Unidos, que tem na sua agenda um encontro com dissidentes do regime de Castro.

Uma história de encontros e desencontros

Os dois países sempre tiveram relações estreitas, já desde o tempo em que Cuba era uma colónia espanhola. Nessa altura, os Estados Unidos importavam açúcar de Cuba e tentaram, por duas vezes, comprar o país aos espanhóis. Essa compra tinha o aval de Cuba que queria acabar com a dominância espanhola. Assim, o país foi invadido por tropas dos Estados Unidos, que ficaram no país até 1902, ano em que conseguiram a independência, mas com um acordo que dava aos norte-americanos o direito de intervir em Cuba para manter a estabilidade e independência do país. Em 1934, os dois países assinaram o Tratado das Relações, que emendava esta situação, mas garantia que os norte-americanos continuavam a ter direito a arrendar a Base Naval da Baía de Guantánamo.

Em 1959, Fidel Castro ascendeu ao poder e expulsou investidores norte-americanos, para implementar um regime comunista no país. Foi nessa altura que os EUA criaram um embargo, que disseram que só iriam levantar quando Cuba se tornasse num país democrático. As relações foram tensas durante a guerra fria e tiveram o auge com a crise dos mísseis cubanos e com a invasão da baía dos porcos. Em 2006, Fidel Castro demitiu-se e o seu irmão, Raúl Castro, subiu ao poder.

Obama restaurou as relações diplomáticas entre os países vizinhos em 2014, mas o primeiro sinal já tinha sido dado em dezembro de 2013, no funeral de Nelson Mandela, quando Barack Obama e Raúl Castro apertaram as mãos. Em julho do ano passado, Cuba reabriu a sua embaixada em Washington e, no mês seguinte, a bandeira americana foi hasteada na embaixada dos EUA em Havana.

Com esta visita, os líderes dos dois países pretendem cimentar a aproximação que já tem vindo a acontecer desde 2014. A ocasião deverá ser aproveitada para analisar os progressos feitos e para tentar encontrar um consenso em áreas em que há discórdia, como os direitos humanos. Em declarações ao The Guardian, Ben Rhodes, conselheiro de segurança de Obama, diz que esta viagem deverá servir para “tornar o processo de normalização permanente e irreversível”. Isto é particularmente importante tendo em conta que, a partir de novembro deste ano, os Estados Unidos terão um novo presidente.