Não gosto. Não sei precisar aquilo de que não gosto mas pressinto mais do que sinto e intuo mais do que sei que algo não está bem. Se estivesse num estádio, num aeroporto ou num centro comercial acho que neste momento começaria a olhar para as tabuletas que indicam saída. Como estou num país, o meu, olho para o regime e tento perceber qual o pilar que vai começar a fraturar. Porque em algum lado vão estalar os desequilíbrios introduzidos no regime pelo populismo de Marcelo em Belém e pela dinâmica frentista que se instalou no parlamento.
Sim, eu sei que Marcelo fala bem. É óbvio que explica com ar didático o que está em causa. E fez o que devia fazer: promulgou o OE. Politicamente jogou bem, não se comprometendo com a sua execução e deixando claro que este é um OE que resulta de negociações quer com os parceiros europeus quer entre a maioria que apoia o Governo. E que agora há que ver se é passível de ser cumprido ou não.
Mas há algo de bolivarização nisto tudo: um conselheiro de Estado que na véspera e na qualidade de comentador televisivo anuncia que o Presidente da República vai promulgar o OE. Um Presidente da República cujo peso político é avaliado em função da sua capacidade de criar momentos televisivos. E um primeiro-ministro que acha que se legitima se aparecer na televisão no papel de primeiro-ministro preferencialmente a dizer que dá. Hoje deu feriados. Amanhã talvez bancos.
Por hoje o Presidente teve o seu “momento Marcelo” e o primeiro-ministro teve o seu OE promulgado, um OE que o PR disse ser “inspirador”. (Presumo que o conselheiro-comentador também está satisfeito, tão satisfeito que talvez imagine que pode haver um segundo PR a saltar dos estúdios de televisão para Belém!)
Já tivemos o Portugal profundo, o país real, o país a duas velocidades, o país europeu, o país ultramarino… agora temos o país estúdio. Entretanto a vida corre nos bastidores e nas ruas. Um dia o cenário do país estúdio virá abaixo.
Helena Matos é jornalista e colunista do Observador
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