Se Guimarães foi só o começo, Évora confirmou a grandeza do espetáculo concebido para a promoção do álbum Moura, o sexto na carreira da fadista. A ideia de metamorfose continua, com um novo elemento a juntar-se ao cenário. Além da alusão ao casulo foi agora incorporada uma borboleta, com os contornos definidos por leds, parecendo flutuar sobre o palco. No que toca à atuação o alinhamento manteve o foco nas músicas novas, abrindo com o belíssimo “Moura Encantada” que pode conferir aqui no vídeo das três primeiras canções. Entre o público, um mais afoito aproveitou logo os primeiros agradecimentos para se dirigir à cantora, dizendo que gostaria muito de tocar com ela. Igual a si mesma Ana Moura devolveu com um sorriso: “temos de ensaiar isso”. E seguiu a cantar.
Com alguns temas de fado tradicional à mistura, destacou-se o regresso a uma fórmula de improviso conhecida da anterior digressão de promoção do álbum “Desfado”. Uma composição partilhada pelo ensemble em palco, enquanto a artista faz uma pausa, permitindo evidenciar ainda mais o virtuosismo de cada músico, a solo e à vez, no seu instrumento. Este é um espetáculo que não vive apenas das qualidades vocais de Ana Moura. Antes vale pela elevada coerência do conjunto, notável também pelo companheirismo que exibem quando o espetáculo termina e todos se divertem em breves improvisos no palco, interagindo com o público. Veja agora como foi o encore, entre o intenso “Loucura” e o festivo “Desfado”.
Quando chegámos, a meio da tarde, ficámos apreensivos com a dinâmica sonora da arena eborense. Estava a começar o sound-check e notava-se bem como pode ser difícil afinar o som neste tipo de sala. O formato redondo e fechado cria condições ideais para que haja uma reflexão permanente das ondas sonoras, tornando mais difícil estabelecer padrões de equalização. E perante um salão vazio o resultado é ainda pior. Um desafio para João Bessa, o técnico responsável pelo som de frente (F.O.H. – Front Of House Sound Engineer) nos espetáculos da digressão de Ana Moura.
Sentado atrás da grande mesa digital, controla a rack de processadores a que se junta um computador portátil usado para gravar todas as sessões de cada espetáculo. Ao lado, outro laptop é ligado a um microfone omnidirecional, colocado ao nível das nossas cabeças num tripé à frente da mesa, para fazer constantemente a análise de espetro na sala. Se os ouvidos não forem suficientes a tecnologia está lá para ajudar a identificar com rigor as frequências a trabalhar. O técnico e produtor confessa-se mais atraído pelo desenho de som: “Sirvo-me da componente técnica (durante os ensaios) para durante o espetáculo não ter de estar a pensar tanto nela e poder estar mais dedicado a estética musical.”
Explicou-nos que “a mistura não é uma coisa estática” e que os técnicos de som funcionam como uma extensão dos músicos, aproveitando o melhor das dinâmicas produzidas por cada um dos artistas. Quando estão a tocar, os músicos no palco não têm a perceção real do que está sair na frente de som e são os técnicos que devem aproveitar ao máximo os diferentes níveis de execução de cada instrumento, musical ou vocal. Por exemplo, há determinados trechos de guitarra portuguesa tocados tão “baixinho” que só uma compensação atenta pode evitar o desvanecer do som das cordas sob a pressão dos instrumentos amplificados.
“Há salas que estão do nosso lado, e há aquelas que jogam contra nós.
É uma luta constante para manter o equilíbrio da mistura final.”
Com formação na Escola Superior de Música e das Artes do Espetáculo , nasceu no Porto e aos 37 anos conta com vários projetos no currículo, conjugando sempre o trabalho de produtor em estúdio com os espetáculos ao vivo. Tocou em algumas bandas e, entre outros instrumentos, viria a ficar mais ligado à bateria. Contou-nos que é uma feliz coincidência estar hoje a trabalhar com o Mário Barreiros em palco. Foi nos estúdios do músico, a tocar guitarra elétrica nesta digressão, que João Bessa começou a trabalhar “a sério” quando ainda andava na faculdade.
No final as caras satisfeitas não deixavam margem para dúvidas. “Que belo serão de sexta-feira!” dizia alguém. E os nossos ouvidos também estavam felizes, afinal o João Bessa e a sua equipa tinham dado conta do recado, assegurando um bom som numa sala que dá mesmo muita luta. Aliás, foi concebida como Praça de Toiros, no final do século XIX.
Em noite de casa cheia havia gente de todo o Alentejo, mas também espanhóis e turistas de visita à cidade, que aproveitaram o primeiro de abril, ainda reconhecido como “o dia das mentiras”, para conhecer a verdade do novo Fado português. Pouco tempo depois de terminar a atuação, Ana desceu à plateia onde a aguardavam muitos admiradores, alinhados para o autógrafo, a selfie e também para comprar o disco. O primeiro da fila era o Luís Placas, um jovem estudante de 15 anos, a aprender violino no Conservatório Regional de Évora “Eborae Mvsica”. Cedo se ajeitou para conhecer de perto a cantora que o apaixonou com o disco “Desfado”, num testemunho da diversidade de públicos que, aqui no interior como nos grandes centros, seguem de perto a carreira de Ana Moura. Desde os avós aos netos, como se costuma dizer.
O Luís Placas tem pena de não ir a Faro mas nós vamos lá estar. Siga-nos no Facebook, no Twitter e no Instagram.