“Ó avô, porque é que chamavam ao Eusébio ‘Pantera Negra’?”
No meio de um jogo no Estádio da Luz, contra um adversário ainda por desvendar, o avô vê-se obrigado a desviar por momentos os olhos do relvado e explicar aos netos a história muito antiga, dos anos 60, culpa de um árbitro britânico. Sentados ao longo da bancada, estão outros adeptos. Cada um tem a sua história, mas todos têm uma coisa em comum — o amor pelo futebol e a admiração por Eusébio. A cena é apenas uma de muitas que preenchem os 90 minutos de Eusébio — Um Hino ao Futebol, o musical sobre o “Rei” que irá subir ao palco do Coliseu de Lisboa já esta quarta-feira.
Produzido pela produtora Plano 6, o musical conta com um elenco de 16 atores portugueses, cantores e bailarinos, entre os quais se incluem Cláudia Semedo, Sofia Escobar, Diogo Amaral e João Ricardo. Um elenco nada fácil de escolher, como explicou ao Observador Ana Rangel, diretora da Plano 6 e autora do musical. “Não foi fácil, muito pelo contrário. Foi difícil por ser um musical e por ter aqui exigências a vários níveis. Era preciso encontrar pessoas que fossem versáteis em todas as áreas — precisávamos de bons cantores, bons atores e bons bailarinos.”
Juntar estas “três vertentes” nem sempre é fácil, mas Ana admite que está muito contente com o elenco escolhido. “Acho que encontrámos um grupo incrível. Acho que o espetáculo está com uma qualidade da qual estou muito orgulhosa.”
Um musical sobre Eusébio onde Eusébio não entra
Eusébio — Um Hino ao Futebol pretende recriar o ambiente de um jogo de futebol. Há cachecóis, comentários sobre o árbitro e até bancadas, construídas de propósito para o palco do Coliseu de Lisboa. É através do grupo de adeptos, interpretado por este “grupo incrível” que, ao longo de 90 minutos, se vai contando um pouco da história do “Pantera Negra”, os marcos mais importantes da sua carreira mas, também, alguns pormenores da sua vida pessoa, como a infância passada em Moçambique e a vinda para Portugal.
“Vamos ao Mundial de 66, ao jogo de Portugal com a Coreia, e vamos dar também um saltinho ao Euro 2004, ao jogo de Portugal com Inglaterra.” Esse jogo “horrível”, que ainda está tão fresco na memória de todos. “Aquele momento em que ele dá a toalha ao Ricardo, em que ele o incentiva a ir marcar o penálti, em que ele se ajoelha e beija o chão do Estádio da Luz — há aí um paralelo muito grande com o Mundial de 66, quando Portugal também perdeu com a Inglaterra”, lembrou a diretora da Plano 6.
Mais do que descrever a longa carreira de Eusébio, carregada de prémios e distinções, Ana Rangel procurou mostrar Eusébio, o homem. “Ele era um líder e uma pessoa muito inspiradora, não só para as pessoas que foram colegas dele enquanto foi jogador, como para todos os que o seguiram. Isso é o legado que ele deixou a todos. E nós quisemos que isso ficasse patente neste espetáculo.” Mas escolher os episódios que seriam representados e destacados não foi fácil. “Escolhemos não só aqueles que foram emblemáticos, como aqueles que mostram a personalidade de Eusébio, o facto de ser companheiro.”
Um desses momentos, e que Ana e a restante equipa de produção gostam particularmente de lembrar, aconteceu durante um jogo do Benfica com o União de Almeirim. “Ele ia marcar um penálti e o guarda-redes disse-lhe que o pai dele estava na bancada. E ele disse ao guarda-redes para que lado é que ia chutar a bola! Está bem que o Benfica já estava a ganhar 8-0. Ele falhou três penáltis na vida dele — na carreira toda — e um deles foi neste jogo. Acho que isto mostra uma pessoa que era sensível, que tinha uma forma de estar com os outros.” Já agora, a informação completa sobre as grandes penalidades falhadas por Eusébio (nunca se sabe quando esta informação vai dar jeito): 1 de junho de 1961 em Setúbal, contra o Vitória, defende Félix Mourinho; 23 de outubro de 1966, na Luz, contra a Académica, defende Maló; e a 9 de fevereiro de 1969, contra o Almeirim, defende Ricardo, outra vez na Luz. O do meio para o campeonato, os outros dois para a taça.
“Vi vários vídeos em que ele, depois de rematar — remates absolutamente incríveis — ia cumprimentar o guarda-redes. É uma coisa que é um fair play que já não existe. E eu acho que foi uma coisa que foi ficando diluída na história do Eusébio e que não deveria ficar.”
Tudo isto é contacto através de flashbacks e de um rodar de bancadas que permite a entrada em palco dos restantes bailarinos e cantores. Porque, apesar de ser um musical sobre o “Pantera Negra”, Eusébio nunca chega a aparecer. “Foi provavelmente a opção mais pensada e refletida quando eu estava a trabalhar no texto — se isto seria tudo feito na primeira pessoa ou não”, admitiu Ana Rangel. “Ele está muito presente neste espetáculo, do primeiro ao último momento mas, a verdade, é que não temos um ator a fazer de Eusébio. A não ser um pequenino Eusébio, que vai cruzando o espetáculo inteiro e que é uma coisa quase simbólica.”
Um musical improvável
Ana Rangel admite que a ideia de um musical sobre Eusébio pode, “à partida, causar alguma estranheza” mas que, se pararmos para refletir (e ela fê-lo muitas vezes), o futebol e a música não são duas coisas assim tão distantes. “Todos os cânticos e todas as coisas que se vivem num estádio estão muito relacionadas com a música. Por isso, não é assim tão descabido”, explicou ao Observador. Para além disso, o musical é “um espetáculo de emoções fortes, de muitas emoções” e, na opinião de Ana, “a música é um canal direto para as emoções”.
“Acho que todas as pessoas que se sentarem na plateia e assistirem ao espetáculo que se vão identificar porque tem coisas como o Euro 2004 ou o Mundial de 66, que nos enchem de orgulho.”
Passado mais de um ano de ter começado a trabalhar no projeto, a escrever as primeiras linhas, Ana Rangel tem a certeza de ter feito a escolha certa. “Foi a melhor opção, porque a música vai guiar-nos, vai acompanhar o texto, e fazer com que as pessoas possam ser embaladas por esta história. Acho eu!”, admitiu entre risos.
Eusébio — Um Hino ao Futebol estreia esta quarta-feira, 6 de abril, às 21h30. Ficará em exibição no Coliseu de Lisboa até 17 de abril. Os bilhetes custam entre 12,50 (plateia de pé) e 180 euros (camarote).