Poderá não ter reparado. Mas na última vez que assinou um vulgar contrato de crédito ao consumo teve de responder à pergunta sobre se é uma “pessoa politicamente exposta” (PEP) ou se foi “titular de outros cargos políticos ou público, nos últimos 12 meses”. Desde 2008, na sequência da transposição de duas diretivas comunitárias que reforçaram o combate ao branqueamento de capitais e ao financiamento do terrorismo, que a lei portuguesa obriga o sistema financeiro a ter especiais deveres de escrutínio perante os chamados PEP.
Os PEP são aquelas, segundo a definição do Parlamento Europeu, “podem representar um risco mais elevado de corrupção pelo facto de exercerem ou terem exercido funções públicas importantes”, como chefes de Estado, chefes de governo, ministros, membros dos órgãos de direção de partidos políticos, juízes de tribunais supremos e deputados, assim como cônjuge, pais, filhos e os cônjuges destes últimos.
Nos negócios que envolvem os próprios titulares de cargos políticos, mas também seus familiares diretos ou até pessoas conhecidas como estando estreitamente associadas a pessoas politicamente expostas, devem ser tomadas diligências para determinar, por exemplo, a origem do património e a origem dos fundos envolvidos em transações acima dos 15 mil euros. Mas apenas durante o período em que os respetivos titulares ocupem os cargos públicos visados pela lei e nos 12 meses seguintes após a sua saída.
Logo em 2008 surgiu uma polémica entre os operadores judiciários, nomeadamente do Ministério Público, e o governo de José Sócrates. O procurador-geral adjunto Euclides Dâmaso, na altura diretor do Departamento de Investigação e Ação Penal de Coimbra e hoje procurador distrital de Coimbra, entendia que o legislador nacional tinha deixado os políticos portugueses fora da alçada da lei, concentrando-se apenas nos não residentes.
Diversos juristas consultados pelo Observador asseguram que a lei hoje aplica-se também aos titulares de cargos políticos e públicos nacionais.
Certo é que a lei é de 2008 mas só começou a ser aplicada em 2013 com a publicação das novas regras por parte do Banco de Portugal.
Angolanos apanhados e novas regras a caminho
A lei das pessoas politicamente expostas é a principal responsável, por exemplo, pelo aparecimento de boa parte dos inquéritos criminais relacionados com titulares de cargos políticos e públicos da República de Angola. Manuel Vicente, vice-presidente, João Maria de Sousa, procurador-geral, e diversos generais com cargos políticos com Hélder Vieira Dias ‘Kopelipa’ e Leopoldino Nascimento ‘Dino’, começaram a ser investigados pelo Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP) por suspeitas de branqueamento de capitais devido às comunicações obrigatórias que os bancos do sistema financeiro nacional são obrigados a fazer para a Unidade de Informação Financeira da Polícia Judiciária – e que levam sempre a abertura de um pré-inquérito para averiguar se existem suspeitas fundadas para uma investigação formal no DCIAP.
A diretiva europeia original de 2005 foi atualizada em maio de 2015 com uma diretiva do Parlamento Europeu que alarga de forma significativa o âmbito de quem tem acesso às informações relacionadas com os PEP.
Com as novas regras, os países da União Europeia são obrigados a manter um registo central com informações sobre os beneficiários efetivos de sociedades, fundações e outras estruturas.
Objetivo: identificar as pessoas que estão, na realidade, por detrás dessas entidades. Os bancos são também obrigados a reforçar vigilância e a comunicarem transações suspeitas dos clientes.
Os países devem assegurar o armazenamento dessas informações num registo fora das sociedades, utilizando uma base de dados central. Nos próximos quatro anos, a Comissão Europeia vai tentar garantir a segurança e eficácia da ligação entre estas bases de dados através de uma plataforma central europeia.
De acordo com a nova diretiva de combate a branqueamento fiscal:
- As informações contidas no registo central podem ser consultadas pelas autoridades competentes e pelas Unidades de Informação Financeira (UIF), (sem restrições) ou pelos bancos, quando tomarem medidas de diligência. Também podem ser consultadas por “quaisquer pessoas [como jornalistas ou investigadores] ou organizações que possam provar um interesse legítimo” sobre o branqueamento de capitais, financiamento do terrorismo ou infrações como a corrupção, crimes fiscais e fraude.
- O acesso à plataforma central pode estar sujeito a um registo online e ao pagamento de uma taxa para cobrir custos administrativos. “As pessoas com um ‘interesse legítimo’ terão acesso pelo menos ao nome, mês e ano de nascimento, à nacionalidade e ao país de residência do beneficiário efetivo, bem como à natureza e extensão do interesse económico detido.
- Os deveres de vigilância dos bancos, instituições financeiras, consultores fiscais, auditores, advogados, agentes mobiliários, casinos sobre as transações suspeitas dos clientes são reforçados com as novas regras. Ou seja, as operações suspeitas e outras informações relativas ao branqueamento de capitais deverão ser comunicadas às UIF, que depois analisam e disseminam os resultados da análise às autoridades competentes.
- Com a nova diretiva, os denunciantes ficam mais protegidos. “Os Estados-Membros asseguram que as pessoas, incluindo os funcionários e representantes da entidade obrigada que comuniquem suspeitas de branqueamento de capitais ou de financiamento do terrorismo, quer internamente, quer à UIF, são devidamente protegidas de quaisquer ameaças ou atos hostis, e, em particular, de medidas laborais desfavoráveis ou discriminatórias”, diz a diretiva.
- A Comissão Europeia fica incumbida de identificar os países cujos regimes nacionais anti-branqueamento de capitais constituam uma ameaça significativa para o sistema financeiro da UE (“países terceiros de risco elevado”). As medidas de diligência sobre os clientes estabelecidos nesses países ficam reforçadas.
- O Parlamento Europeu aprovou também um regulamento que obriga os prestadores de serviços de pagamento a assegurarem que as transferências são acompanhadas de informações, quer sobre o ordenante quer sobre o beneficiário do pagamento, para prevenir mais eficazmente o branqueamento de capitais.
A diretiva sobre o branqueamento de capitais tem de ser transposta para o direito nacional no prazo de dois anos.