Sol e praia. Estas são, muito provavelmente, as primeiras coisas em que pensamos quando em conversa calha o tema Algarve. O mais certo é pormos de lado as 2.000 vinhas cadastradas que pontuam a região ou os quase 30 produtores de vinho associados à Comissão Vitivinícola do Algarve (CVA) que em conjunto trabalham para promover uma nova ideia em terra de rocha, areia e mar: a do enoturismo.
O Algarve pode ser das regiões que menos produz vinhos tranquilos no país — só está à frente dos Açores, confirma Carlos Gracias, presidente da CVA –, mas já anda a dar provas da sua qualidade vínica. As cerca de um milhão de garrafas certificadas e produzidas anualmente começam a dar nas vistas, mesmo depois de um período em que o vinho e a vinha foram abafados pelo turismo e mercado imobiliário adjacente.
A partir da década de 2000 a estratégia mudou e uma nova leva de viticultores ocupou-se de vinhas reestruturadas e castas já conhecidas por dar bons vinhos. Os rostos da mudança são muitos e, a título de exemplo, sugerimos três quintas produtoras que nasceram de uma mesma paixão: a do homem pelo vinho.
Quinta do Francês
Patrick Agostini não largou o bisturi ou o auscultador pela enxada. A vida deixou-lhe espaço de sobra (e de manobra) para fazer as duas coisas que hoje o definem: ser médico e produtor de vinho. A caminho da Serra de Monchique, já as colinas se adensam e a vegetação surge desarrumada na paisagem, está a quinta que este médico francês construiu de raiz com a ajuda da mulher Fátima Santos. Ali, num Algarve tão distante dos areais generosos, o casal plantou oito hectares de vinha para fazer nascer vinhos de assinatura: o primeiro, com apenas 5 mil garrafas, data de 2006. A tarefa não se prestou a facilitismos até porque, tal como Fátima faz questão de recordar, na zona não havia tradição de uvas, apenas laranjeiras a perder de vista. Mas das vinhas haveriam de nascer os néctares que atualmente levam turistas a fazer uma visita guiada à quinta seguida da prova de três vinhos acompanhados com petiscos tradicionais — dos enchidos aos queijos, por 7,5 euros por pessoa.
Quinta da Vinha
O enérgico José Manuel Cabrita é o rosto (e o nome) do projeto. Se em tempos tinha por hábito vender as uvas à Adega Cooperativa de Lagoa, para aí se juntarem a tantas outras sem identidade ou protagonismo, de há uns anos para cá encara-as quase como se fossem membros de uma família que já vai vasta. O proprietário da Quinta da Vinha e os enólogos que com ele trabalham tratam os cachos e suas castas exclusivamente portuguesas com um respeito tal que, ao contrário do que se poderia pensar, ali quem manda são as próprias das uvas. Os enólogos, esses, são apenas os cuidadores e a intervenção feita aos néctares é mínima.
De tanta estima (e de 6,6 hectares de vinha) nasceu em 2007 o Cabrita tinto e rosé com uma produção de 11.300 e 3.000 garrafas, respetivamente, ainda que a tradição do vinho remonte a 1977, quando o pai do atual produtor fazia o seu néctar caseiro a partir de uvas tradicionais algarvias, como Crato, Manteúdo, Negra-Mole e Castelão. Hoje em dia, os vinhos com rótulos feitos para atrair consumidores mais jovens têm um propósito: ajudar a lavar a cara e a fama de uma região também ela produtora de bons néctares.
Adega do Cantor
O nome da adega não foi escolhido ao acaso, não fosse esta estar associada ao músico Cliff Richard, motivo que lhe empresta fama para dar e vender. Situada a poucos quilómetros de Albufeira, a Adega do Cantor trabalha uvas provenientes de três quintas — do Moinho, que pertence ao artista britânico, do Miradouro e ainda Vale do Sobreiro — para produzir vinhos de duas gamas, Vida Nova e Onda Nova. A rolha do primeiro vinho saltou em 2001 e, de lá para cá, produzem-se 100 mil garrafas por ano. À semelhança do que facilmente se vê numa adega duriense, a do cantor é dotada de duas salas a transbordar de barricas — e é numa delas onde se fazem as habituais provas de vinho. Já no exterior a conversa é outra: estando a adega bem a jeito de receber uvas de três espaços distintos, o cenário é um só, vinhas e mais vinhas.
O Observador viajou a convite da Comissão Vitivinícola do Algarve.