Nos próximos anos vão abundar bicicletas em Portugal. Não por causa da influência cada vez maior dos chineses no país, mas por a “disponibilização” de seis mil bicicletas estar prevista no Plano Nacional de Reformas (PNR). O Governo tem como objetivo aproveitar os incentivos europeus para desenvolver um “plano estratégico para a mobilidade suave” até 2020: o projeto tem um custo total de 24,8 milhões de euros e é quase na totalidade co-financiado por fundos comunitários (20,3 milhões de euros).
No documento apresentado pelo Governo esta quinta-feira, está previsto um investimento total de 25 mil milhões de euros. Mais de metade deste valor é financiado por fundos estruturais, Plano Junker e outros programas europeus. O Governo elencou 140 medidas e 139 delas nada têm a ver com bicicletas, mas sim com pensões, redução de taxas moderadoras, contratos de trabalho sem termo para desempregados de longa duração e outras… como os quatro mil milhões de euros inscritos para reduzir dívida e défice, embora o Governo não explique como.
Dois mil milhões para atualizar pensões
Na área social, o Governo distribui promessas e dinheiro para quase todos. Há cerca de dois mil milhões de euros para voltar a atualizar as pensões até ao final da legislatura (quando o anterior Governo PSD-CDS queria poupar 600 milhões de euros permanentes nas pensões). As medidas de apoio social multiplicam-se. Há 424 milhões para aumentar o abono de família, para aplicar uma majoração monoparental e dar bonificações por deficiência. O objetivo é abranger 1,1 milhões de crianças e jovens.
Segundo o documento do Governo, o Rendimento Social de Inserção custará 641 milhões de euros até 2019, e haverá um aumento do complemento social para idosos (20 milhões) e ainda um apoio extra para desempregados de longa duração, que prevê beneficiar 70 mil pessoas. O Indexante dos Apoios Sociais (IAS), que é o valor que serve de referência para calcular os apoios sociais, será atualizado no próximo ano e, com isso, aplicam-se mais 226 milhões de euros. Contas feitas, só para estas medidas estão previstos mais de 1.300 milhões de euros, fora o impacto da atualização das pensões.
Contudo, o que não está esclarecido é como o Governo vai reforçar a aplicação da lei da condição de recursos, que define os critérios para aceder aos apoios sociais. A ideia faz parte dos planos do PS desde a campanha eleitoral e até gerou polémica no debate entre António Costa e Pedro Passos Coelho: consoante venha a ser aplicada, esta medida pode transformar a aparente bonança numa restrição. No passado, foi através do aperto da lei da condição de recursos, e da sua introdução em diferentes prestações sociais não contributivas, que se cortaram apoios e baixou a despesa.
Costa quer que ministros revoguem mais leis
Os ministros de António Costa vão ter uma medida de avaliação interna: têm de chegar ao final da legislatura com mais atos legislativos revogados do que aprovados. Até ao final da legislatura, o Executivo promete acabar com 400 atos legislativos, o que se traduz numa média de 100 revogações por ano. O objetivo é simplificar a legislação e a administração pública. A complexidade do quadro legislativo português é um dos custos de contexto identificados frequentemente pelas empresas, bem como um desincentivo ao investimento estrangeiro em Portugal.
Outra ideia do Governo para travar os encargos administrativos para as empresas e para o Estado é transformar a ministra-adjunta Maria Manuel Leitão Marques numa espécie de guardiã das boas práticas. Para todos os atos legislativos que possam resultar em aumento dos custos de contexto ou outro tipo de encargos associados, a ministra da Modernização Administrativa tem de dar um parecer obrigatório, sem o qual os outros governantes não podem avançar com a medida.
Para facilitar a implementação desta ideia, o Governo está a desenvolver uma ferramenta de análise do impacto dos diplomas, com base em critérios estandardizados. Esta ferramenta deverá ser adotada ainda durante o primeiro semestre do ano.
Pagar impostos por débito direto é outra das reformas pensadas pelo Governo. Por enquanto, é só uma ideia, mas pode mudar definitivamente a relação dos contribuintes com o Estado. O Executivo quer disponibilizar “meios de pagamento automatizado (por exemplo, de débito em conta bancária) das obrigações contributivas”. A iniciativa está a ser pensada tanto para cidadãos como para empresas, e estará direcionada para as obrigações contributivas “periódicas e repetitivas”. Ainda não está calendarizada.
Saúde: taxas moderadoras mais baratas e mais isenções
O regime das taxas moderadoras por parte de quem recorrer aos serviços de saúde vai registar alterações, de acordo com as medidas que o Governo incluiu no PNR. Uma das promessas inscritas no documento é a de reduzir o valor global destes encargos, com o objetivo de baixar a despesa das famílias, prevendo-se que o corte se situe em 25% em relação aos valores em vigor em 2015.
As isenções vão ser alargadas. É o que vai suceder nas situações em que o doente é referenciado pelo médico de família, pelo INEM ou pelo centro de atendimento do Serviço Nacional de Saúde, a Linha 24, casos em que a taxa moderadora será eliminada. Também deixará de ser cobrada taxa moderadora na realização de exames médicos, conhecidos como Meios Complementares de Diagnóstico e Terapêutica, efetuados durante o dia nas unidades hospitalares. Dadores de sangue, de tecidos células e órgãos, bem como bombeiros, serão, igualmente, beneficiários de isenção.
Entre as decisões que visam promover o acesso aos serviços de saúde, o Governo pretende repor o direito ao transporte por parte de doentes não urgentes, de acordo com as respetivas “condições clínicas e económicas”.
O Plano Nacional de Reformas pretende ampliar os cuidados prestados através dos centros de saúde, com uma aposta nas áreas da saúde oral e visual, além de retomar o objetivo de garantir um médico de família por cada utente. Cumprir a meta vai incluir a contratação de mais médicos, incluindo profissionais que se encontram aposentados.
Nos cuidados continuados, o Governo quer alargar a atuação ao domicílio e em ambulatório junto da população idosa e dos cidadãos dependentes, com o aumento do número de equipas disponíveis para a prestação destes apoios, situação que se encontra em concretização. Também as unidades em que há internamento de pessoas naquelas condições vão ter um aumento dos lugares disponíveis para proceder a cuidados continuados.
Outro problema que o PNR se propõe resolver no setor da Saúde tem a ver com a questão crónica das “listas de espera”. O documento promete promover o “acesso e a livre circulação” no interior do Serviço Nacional de Saúde, “nomeadamente em áreas onde o tempo de espera é ainda significativo”, como “consultas de especialidade, cirurgias, meios auxiliares de diagnóstico e terapêutica”. Metas? Alcançar “zero utentes” que, em cirurgias, superam o “tempo máximo de resposta garantido”, e atingir os 100% nas consultas realizadas de acordo com aquele “tempo máximo”.
Os preços dos medicamentos serão revistos, com o objetivo de os baixar, e o Governo pretende incentivar a opção pelos genéricos. Com as compras centralizadas no Serviço Nacional de Saúde e ganhos de eficiência na gestão, o documento indica que poderão ser alcançadas poupanças no valor de 729 milhões de euros. A desmaterialização das receitas médicas também está entre os objetivos de melhoria na eficiência do sistema de saúde.
Mil milhões para contratar desempregados de longa duração sem termo
A qualificação dos portugueses, a formação e a educação é outro dos principais pilares do PNR. O governo tenciona reduzir o insucesso escolar para metade, disponibilizar manuais escolares gratuitos — o que já era sabido — mas também recuperar a aposta nos recursos educativos digitais desde o primeiro ciclo. No ensino superior, o Governo estima atribuir mais 70 mil bolsas nos próximos quatro anos, e contratar três mil novos docentes universitários e investigadores, através de novos contratos para jovens doutorados.
No que se refere a políticas de emprego, verifica-se uma aposta na formação profissional, que deve abranger mais 20 mil pessoas nas empresas, para as dotar de competências em tecnologias de informação. No caso dos desempregados, devem ser formadas pelo menos 75 mil pessoas no IEFP através do “cheque formação”, uma medida que terá custos de 6,2 milhões de euros, quase na totalidade cobertos por fundos europeus.
Para o Governo cumprir o objetivo de promover empregos com “maior qualidade e sustentabilidade” o PNR prevê políticas ativas de emprego para 70% dos desempregados de longa duração, que o Governo contabiliza como sendo 600 mil. Para além disto, 75% dos contratos de trabalho realizados ao abrigo dos apoios estatais devem ser sem termo. O valor deste investimento ultrapassa ligeiramente mil milhões de euros em quatro anos.
Quatro mil milhões para a inovação empresarial
O Governo prevê investir quase 4 mil milhões de euros em 14 medidas para a inovação empresarial nos próximos quatro anos. A fatia é quase toda paga através do Portugal 2020 e o maior investimento nesta área é no reforço da capacidade das empresas em Investigação, Desenvolvimento e Inovação (I&D&I). Uma das apostas é na transferência de conhecimento entre o meio académico e o empresarial, com o Governo a prever uma despesa de mais de 800 milhões de euros com a contratação de pessoal qualificado para empresas e laboratórios colaborativos.
As startups são outro dos focos do Executivo, que prevê uma despesa de mais de 300 milhões de euros para apoiar mais mil empresas do género nos próximos anos. A extensão do novo programa “Indústria 4.0” a mais de nove mil empresas representa um investimento superior a 400 milhões de euros, tudo em fundos comunitários.
Mas há outra medida para a inovação que implica um investimento pesado (600 milhões vindos do Plano Juncker) no reforço do acesso a redes de banda larga e 4G, que o Governo quer que cheguem a 100% do território, com mais 100 freguesias a passarem a ter acesso ao 4G.
Capitalização das empresas: 2,5 mil milhões para PME
É um dos pilares em que Costa tem colocado mais ênfase nas intervenções públicas sobre o Plano Nacional de Reformas e para o qual canaliza mais apoios externos (mais de 1,4 mil milhões de euros do Plano Juncker e 1,3 mil milhões do PT2020). A ideia é apoiar as Pequenas e Médias Empresas a serem capazes de prever situações de risco financeiro.
Um dos apoios será feito através do Fundo Capitalizar, que vai apoiar, ao nível de “instrumentos de capitalização”, empresas que estejam em fase de criação, inovação e internacionalização. A meta é chegar a mais de 8 mil Pequenas e Médias Empresas. Outro exemplo nesta matéria é a criação de early warnings, “mecanismos de sensibilização de empresas e alertas de dificuldades”. O objetivo é abranger 400 mil empresas por ano, no período a que diz respeito o Plano Nacional de Reformas.
Sustentabilidade das finanças: o mistério dos quatro mil milhões para reduzir défice e dívida
Em matéria de contenção de despesa pública, o Governo prevê reduções significativas na área da Saúde, sobretudo através de “melhorias na eficiência”. É aqui que inclui medidas como a revisão do preço médio dos medicamentos, para que chegue aos 10,48 euros na venda ao público (6,50 euros no caso de genéricos), e ainda a promoção do uso de genéricos, que tenciona que atinjam 63% do mercado do medicamento. Com estas medidas, o Governo prevê cortar 517 milhões de euros na despesa do Estado. Nas contenções no Serviço Nacional de Saúde — que é um dos capítulos mais pesados em termos orçamentais — o Governo prevê conter mais de 200 milhões de despesa apenas com combate à fraude e mais de 700 milhões com a centralização de compras no serviço.
No PNR está ainda inscrita a intenção do Governo em pagar 1.300 milhões de dívidas aos hospitais. Ainda este mês, no Parlamento, o ministro da Saúde disse que a dívida do Serviço Nacional de Saúde ascendia aos 2 mil milhões de euros.
Um item aparentemente misterioso, porque não está explicado, tem a ver com a “redução do défice e da dívida pública”. O PNR prevê quatro mil milhões de euros com a seguinte descrição: “Ganhos excecionais para acelerar o défice e de redução da dívida”. Além de parecer uma gralha — devia servir para “acelerar a redução do défice” e não para “acelerar o défice” — não há mais nenhuma justificação que enquadre o destino a dar a um montante desta dimensão, que representa 2,1% do PIB.
Mais linhas de comboios e seis milhões para taxistas
Os investimentos previstos no PNR, no sentido de baixar as emissões de carbono, inseridas na secção de valorização do território, não se resumem apenas às bicicletas já mencionadas. Estão previstas muitas obras, como por exemplo uma expansão das redes do metro do Porto e de Lisboa, em nove quilómetros. Já os investimentos em ferrovia preveem a construção ou modernização de 1.200 quilómetros (907 quilómetros até 2020) de linhas ferroviárias, “garantindo a conetividade territorial, interna e internacionalmente”, descreve o Governo. Os concursos para as obras devem decorrer entre 2016 e 2017 e o investimento total deve chegar aos dois mil milhões de euros. No setor dos transportes públicos coletivos, também se prevê a aquisição de 500 veículos.
No âmbito da mobilidade elétrica, deverão ser instalados 2.394 postos de carregamento de veículos elétricos nos próximos quatro anos, no sentido de “descarbonizar a economia”. Também os taxistas estão abrangidos, com um investimento de seis milhões de euros para “descarbonizar” os motores de mil táxis. Este eixo do PNR ainda inclui uma série de medidas de reabilitação urbana, seja na reabilitação de edifícios em áreas degradadas seja na reabilitação para fomentar a eficiência energética ou sísmica.