Os planos do Governo para atingir as metas de redução do défice estão ancoradas maioritariamente em medidas de controlo da despesa, mas mais de dois terços destas medidas não estão explicadas e o mesmo acontece com quase 400 milhões de euros que o Governo espera conseguir com receitas de impostos até 2020, alerta o Conselho das Finanças Públicas.
Os avisos não são novos, nem sequer são deste ano ou exclusivos do Conselho das Finanças Públicas (a UTAO fez o mesmo alerta há semanas) ou deste Governo, mas a instituição liderada por Teodora Cardoso já tinha avisado quando analisou o Orçamento do Estado para 2016 e agora volta a fazê-lo na análise ao Programa de Estabilidade. O Governo diz onde pretende chegar, mas não diz como.
“Apesar do maior contributo de medidas do lado da despesa, uma fatia importante das mesmas está dependente de ganhos de eficiência cujos resultados são incertos. Menos de um terço do volume das poupanças previstas pelo Ministério das Finanças (31%) apresenta uma especificação concreta”, considera o Conselho das Finanças Públicas.
Ou seja, só as poupanças com juros (349 milhões de euros), as poupanças com o controlo de recrutamento de funcionários públicos (277 milhões de euros) e as poupanças com o maior controlo das prestações sociais (150 milhões de euros) se encontram especificadas.
A maior parte das poupanças, no entanto, não estão especificadas. Ou seja, não há medidas detalhadas a explicar como é que vão produzir o efeito desejado e cuja exequibilidade o Conselho possa avaliar.
Nesse lote estão as poupanças com consumos intermédios, investimento e “outra despesa corrente”. Essas poupanças, nas contas do Governo, deverão ser equivalentes a 1775 milhões de euros cumulativos entre 2017 e 2020, os anos que o Programa de Estabilidade cobre.
O Conselho vê o mesmo problema nas contas relativas à receita fiscal. O Governo espera conseguir uma receita adicional com impostos de 704 milhões de euros, mas nas contas dos técnicos do Conselho falta uma explicação para onde o Governo pretende ir buscar mais de metade desses 700 milhões de euros.
“Dos 704 milhões de euros adicionais que o Ministério das Finanças espera arrecadar através da cobrança de impostos indiretos, entre 2017 e 2020, mais de metade carece de especificação (390 milhões de euros)”, avisa o CFP.
Aliás, o CFP diz mesmo que o Governo explica e detalha as medidas que vão ter aumentar o défice ao longo do período temporal do Programa de Estabilidade, mas não o consegue fazer para boa parte das medidas que deveriam compensar esses desvios.
Esforço concentrado em 2017
Outra constatação da análise ao Programa de Estabilidade é que Portugal não cumpre em quase todos os anos – com exceção do ano de 2018 – o valor mínimo de redução do défice estrutural que é exigida pelos tratados europeus e pela Lei de Enquadramento Orçamental.
Segundo o CFP, a maior parte do esforço de consolidação orçamental será concentrado no próximo ano. Aliás, em 2016 o orçamento será expansionista, diz o CFP, argumentando com o agravamento previsto do saldo estrutural em 0,1 pontos percentuais, um valor diferente daquele que o Governo continua a confiar e que apresentou em Bruxelas, uma redução de 0,3 pontos percentuais.
A partir de 2017, o cenário muda de figura e o orçamento passa a ser restritivo, numa conjuntura de crescimento económico.
Apesar de todas as dúvidas colocadas pelo CFP em relação às medidas e às contas do saldo estrutural, as contas do Governo apontam para que seja respeitada a trajetória de redução da dívida pública e, até mesmo superada, até ao ano de 2020.
Para que tal aconteça, o Governo conta com o reembolso antecipado dos empréstimos internacionais feitos pelo FMI ao abrigo do resgate contratualizado há exatamente cinco anos, com a ajuda da almofada financeira que o Estado tem em depósitos.