Verdadeiramente fascinantes pela engenharia de papel, manufactura exigente e capacidade sugestiva da imaginação de crianças e adultos, os livros pop-up alcançaram na última década uma sofisticação espampanante, que a par e passo parece desafiar-se a si mesma para alcançar resultados ainda mais surpreendentes, empurrando para a mais longínqua e tosca pré-história os seus antepassados, os livros “mecânicos” seiscentistas ou alguns livros infantis do tempo da Rainha Vitória. Fala-se de uma segunda idade de ouro.

Muito activo, o norte-americano Robert James Sabuda, 51, é hoje a estrela máxima desse firmamento criativo que há pouco mais de um século afirmou o livro também como objecto tridimensional. As primeiras versões, rudimentares ainda (um a quatro pop-ups por livro, isolados do texto), foram produzidas na Inglaterra e na Alemanha, mas em poucos anos o género entusiasmou criadores, editores e públicos por toda a Europa, tendo na Checoslováquia, com o austríaco Vojteck Kubasta (1914-92), um dos seus expoentes. O zootropo, o praxinoscópio e a lanterna mágica, rasgando um novo mercado para o entretenimento infantil, parecem ter levado os editores livreiros a reflectir e investir em livros híbridos capazes de aproximar a leitura em voz alta, para crianças, da moda das “pantominas luminosas”, dos pequenos teatrinhos de papel colorido ou recortado, mas também da diversão nos novos luna-parques: alguns livros foram então arquitectados como pequenos carrocéis-harmónio, ou túneis (peep-show). Curiosamente, os peep-shows permitiam espreitar para duas grandes realizações de engenharia da época: The Thames Tunnel Peepshow (1847) e Crystal Palace Peepshow Tunnel Book (1851). Muito mais tarde, também a coroação da rainha Isabel II, em 1953, foi assinalada com uma edição deste tipo, incluindo quatro “imagens pop-up realistas” da capital do império britânico. O livro deixava de ser só texto, ou apenas texto e imagem, e tornava-se escultura.

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O “Thames Tunnel Peep Show”, de 1847

No início

A expressão pop-up book só havia sido cunhada duas décadas antes, na capa de um Pinocchio concebido por Harold Lentz e lançado em Nova Iorque pela Blue Ribbon Books (1932), e pouco depois patenteada. Dentro dum livro comum, eram introduzidas folhas ocultamente estruturadas de tal modo que, a dado momento do acto de folheá-lo, saltavam — precisamente, pop-up — figuras ilustradas a cores do meio das páginas escritas em tipo, que se recolhiam ao virar de páginas seguinte. Eram “ilustrações-surpresa”, como ficaram conhecidas em língua espanhola. Noutros casos, um único “teatro de figuras” era o remate da história narrada, entre a última página e a contracapa. A surpresa de mecanismos ocultos entre as folhas dos livros também serviu propósitos pedagógicos, e uma boa maneira de ensinar letras e algarismos aos mais pequenos, seduzindo-os com a interactividade e a parecença com brinquedos (alguns destes livros também foram chamados toy books).

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Na Inglaterra e na Alemanha, além de Raphael Tuck (1821-1900) e Ernest Nister (1842-1909), foi Lothar Meggendorfer (1847-1925) quem mereceu os maiores elogios de historiadores do pop-up book, pelo tecnicismo e qualidade das suas soluções divertidas. O seu primeiro trabalho foi feito para o seu filho Adolf, pelo Natal de 1878, e até ao abismo da primeira guerra mundial Lothar produziu mais de sessenta livros, para os quais, associado ao editor Jakob Ferdinand Schreiber, mobilizou desenhadores, cortadores, artesãos e coloristas. Internationaler Circus (1887), uma das suas obras-primas, consiste numa tenda de circo com mais de quatrocentas figuras, uma orquestra, palhaços, acrobatas e equilibristas e a plateia. Terá sido à sua Viel Kopf, viel Sinn, uma harlequinade de 1898, que em 1995 a editora Dorling Kindersley, de Covent Garden (Londres), foi buscar inspiração para o enorme sucesso de Famous Faces.

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O livro “Famous Faces”, editado pela DK em 1995

Novas técnicas como a cromolitografia facilitaram enormemente este tipo de publicações, ao permitirem a impressão massiva e o baixo preço de imagens coloridas. Mas foi o surgimento da figura do engenheiro de papel — coincidente ou não com a do ilustrador — que veio dar ao livro dimensão tridimensional. A produção de diferentes peças a colar e fixar à mão (um trabalho delicado, atribuído a mulheres), com uma minúcia que impeça a sua corrupção após certo uso, reconfigurou a própria produção industrial do livro clássico. Os pop-up books tornaram-se um campo de experimentação de soluções gráficas, tanto mais reconhecidas quanto a espectacularidade dos efeitos obtidos.

O mercado

Ultrapassada a segunda guerra mundial, o termo pop-up perdeu a patente (n.º 1 913 797) e foi rapidamente adoptado para todas as edições construídas com ilustrações em papel recortado que se erigiam por si mesmas num virar de página. O norte-americano W. H. Hunt (1920-2009) recorreu a esse engenho para fazer publicidade “a saltar” de revistas do seu país de 1945 em diante, antes de ser tornar “o rei dos pop-ups books”, com mais de mil livros produzidos, e por tudo isso ser reconhecido como aquele que manteve vivo esse sector editorial, depois de um período de matéria-prima escassa e de mão-de-obra menos disponível e barata. A sua colecção de mais de 4000 livros deste género, antigos e contemporâneos, serviu de base à exposição “Pop Up! 500 Years of Movable Books”, na Los Angeles Central Library, em 2002.

Essa versatilidade do livro como objecto de civilização — também provada pelos livros-miniatura, que cabem numa mão fechada — vem de muito longe, em especial da bibliografia científica com elementos movíveis, de que são exemplos muito citados Cosmographia de Peter Bienewitz (1524), De Humanis Corpora Fabricals de Andrea Versalius (1543), The elements of geometrie of the most auncient philosopher Euclide of Megara (1570) e Elementary steps to Geography and Astronomy for the Use of Families and Preparatory Schools, on a Plan Entirely New de Ingram Cobbin (1830). As potencialidades educativas dos “livros animados”, como também são conhecidos, ainda perduram numa época devastadoramente audiovisual, e é possível encontrar nas estantes livros recentes que mostram máquinas em funcionamento, anatomia do corpo humano ou a natureza tal como ela é.

A National Geographic Society, por exemplo, publicou de 1985 a 1994 vinte action books, um dos quais Explore a Tropical Forest (1989), concebido por John Strejan, um dos engenheiros de papel mais reconhecidos, que dois anos depois lançou The pop-up book of M. C. Escher (1991). Clássicos da literatura infanto-juvenil, como A Pequena Sereia, Peter Pan (desde 1935), Cinderella, O Principezinho, O Feiticeiro de Oz e Alice no País das Maravilhas continuam a ser campo fértil para adaptações pop-up — o livro de Antoine de Saint-Exupéry saiu entre nós em 2009. Mas também há Marco Polo e Moby Dick (Sam Ita, 2007) e muitos mais, como os inevitáveis Star Wars. A Pop-Up Guide to the Galaxy (2007) e Game of Thrones. A Pop-Up Guide to Westeros (2014). Arquitectura e arte também são temas habituais, desde Frank Lloyd Wright in pop up de Roland Lewis (2009) a The Medieval Nativity: a pop up nativity scene based on paintings by the old masters, de Max Schindler e Mark Hiner (1991).

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“Game of Thrones. A Pop-Up Guide to Westeros” — é mesmo um livro

Alguns livros, como Haunted House (A Casa Assombrada) de Jan Pienkowski, 1979-2007 (500 mil exemplares em todo o mundo), são recordes absolutos de vendas, exigindo complexas parcerias comerciais simultâneas em vários continentes e um verdadeiro exército de trabalhadores manuais — não é difícil imaginar onde… — para pôr de pé, literalmente, projectos deste tipo. Parceira da celebrizada Enciclopédia Mitológica de Sabuda e Reinhart, a editora Assírio & Alvim publicou dois volumes, Dinossáurios e Deus & Heróis da Antiguidade, o primeiro rapidamente esgotado.

O culto

Numa escala totalmente oposta, com tiragens dezenas só para galerias e coleccionadores, o fenómeno pop up inspirou de alguma maneira os chamados “livros de artista”, uma grande variedade de experiências, linguagens e soluções técnicas criadas por artistas contemporâneos a partir do objecto livro, e que teve no italiano Bruno Munari um dos seus precursores. Andy Warhol também se interessou, concebendo em 1967 o seu pop up Index Book, com a inevitável lata de sopa a pular das páginas de fotografias de famosos na sua Factory. O tema “livros de artista” tem recebido nos últimos anos enorme atenção crítica e exposição, como aliás pudemos ver em 2013 na exposição “Tarefas Infinitas: quando a arte e o livro se ilimitam” promovida pela Biblioteca de Arte da Fundação Gulbenkian, onde, dando mostra dessa variedade, estavam patentes, entre outros: Cent mille milliards de poèmes de Raymon Queneau (1961); Les signes recortados por José Escada (1966); O ciclópico acto de Jorge Martins (1972, ilustrando um texto de Luiza Neto Jorge); Walls paper de Gordon Marta-Clark (1973) — e o surpreendente Your House, um livro “esculpido por dentro” por Olafur Eliasson em 2006. Há dez anos, um encontro sobre o livro no imaginário infantil trouxe a Cascais outro artista pop-up em evidência, Katsumo Komagata, e uma exposição itinerante dos seus pequenos livros coloridos e recortados, cruzando modernidade gráfica, sensibilidade estética japonesa, preocupações ambientalistas e empatia com os mais novos.

"Your House", de Olafur Eliasson

“Your House”, de Olafur Eliasson

O coleccionismo privado de pop-ups também teve um grande incremento nos últimos anos, potenciado pelo comércio electrónico à escala global. Coleccionadores como Ortega e Gutiérrez, de Palência, têm mostrado ao longo de anos os melhores dos seus 900 pop-ups numa itinerância expositiva um pouco por toda a Espanha.

Agora, também por iniciativa de dois colecionadores — o engenheiro de papel André Garcia Pimenta e a coleccionadora de livros de artista Catarina Figueiredo Cardoso —, a Biblioteca Nacional de Lisboa apresenta a exposição “A saltar do livro. Livros Pop-up” (de entrada livre), que nos dá uma perspectiva histórica secular deste admirável mundo impresso, recortado e colado em engenhocas construções erectas. Num corredor adaptado a espaço expositivo, 74 objectos em vitrines demonstram a variedade geográfica, temática e técnica deste universo editorial em expansão, e explicam-nos a complexa construção destes livros, mostrando-nos uma folha impressa e o bloco de cortantes que de seguida recortam e separam os elementos físicos a colar. Além disso, pelo curioso facto de o jovem curador Garcia Pimenta ser autor dum pop-up dedicado aos Painéis de São Vicente, do Museu Nacional de Arte Antiga, todo o processo de fabricação de um pop-up (ainda que sem a complexidade de alguns best-sellers internacionais) é-nos demonstrado a partir do quadro mais valioso da nossa história cultural. Sem poder aquisitivo e sem uma reforma da lei do depósito legal — que tarda — que coloque finalmente nos editores, e não nos impressores, o ónus da cedência de exemplares para conservação nacional, a Biblioteca jamais conseguiria produzir uma exposição deste tipo.

O património destes coleccionadores — a quem se louva a generosidade — é criterioso, alcançando autores-charneira e épocas distantes, permitindo uma aproximação útil e didáctica a um tema fascinante para a história do livro e da leitura, a que as obras dos artistas plásticos seduzidos pelo pop-up Ana Terêncio, Catarina Leitão e Jean-Charles Trebbi acrescentam um valioso e marcante vinco de contemporaneidade, que fica sempre bem.

“A saltar do livro. Livros Pop-Up”: na Galeria Auditório da Biblioteca Nacional de Lisboa. De segunda a sexta, das 09h30 às 19h30; sábados das 09h30 às 17h30. Entrada livre