Depois da recapitalização pública efetuada em 2013, a posição da Rentipar passou a ser “passiva”, porque o Estado passou a controlar o Banif, defendeu esta quarta-feira na comissão parlamentar de inquérito, o antigo gestor da Rentipar, a sociedade controlada pela família Roque que foi até final de 2012 a maior acionista do banco.

Quando o Estado assumiu o capital do Banif, a Rentipar diluiu de tal forma a sua posição no capital do banco que “deixou de ter protagonismo, deixou de ter relevância”, saiu até da supervisão do Banco de Portugal, acrescenta Fernando Inverno. Ao longo da audição, o antigo gestor acabou por fazer um “mea culpa” em nome da Rentipar e reconhecer que a estratégia do banco deveria ter sido reajustada mais cedo. “Mas havia alguma vaidade com o sucesso” alcançado até 2007.

A partir de 2013, a Rentipar não deixou de acompanhar, mas “o protagonista do processo tinha de ser o Estado. Era o Estado — na altura, estava em funções o governo da coligação PSD-CDS — que tinha de fazer aprovar o plano de reestruturação junto da Comissão Europeia”, defendeu. Esta “opinião”, dada ao deputado socialista Carlos Pereira, gerou reações por parte dos deputados do PSD e CDS que recordam a responsabilidade do próprio banco.

Questionado sobre a exigência da Comissão Europeia de reduzir a operação do Banif ao “banco das ilhas”, o antigo gestor lembrou que o Banif começou por ser o banco das ilhas, mas todo o projeto passava por sair das ilhas e passar a ser um banco universal. “Achei que essa exigência era muito estranha”.

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A Rentinpar encontra-se atualmente em processo de insolvência. O ex-gestor reconheceu que havia uma grande dependência do negócio bancário. Na sua intervenção inicial, Fernando Inverno adiantou que a resolução do Banif, no final de 2015, teve como consequência para a holding da família Roque a perda de um investimento líquido de 370 milhões de euros. E nessa medida concorda com a possibilidade admitida pelo gestor judicial da holding de impugnar judicialmente a resolução do banco.

Em resposta ao deputado do CDS, João Almeida, que citou o relatório da insolvência, respondeu que “faz sentido analisar esse processo”, até porque “tem de haver apuramento de responsabilidades. A Rentipar tem que assumir as suas”. Fernando Inverno afirmou ainda não estar convencido que não havia alternativa à resolução do banco. “A resolução está por explicar”, sublinhou.

O grande problema financeiro para a holding da família Roque resultou do processo do Banif. “O maior problema, o maior impacto, veio pela diluição da participação no Banif que gerou um prejuízo inequívoco“, disse Fernando Inverno. Depois da recapitalização pública de 1.100 milhões de euros, concretizada no início de 2013, a participação acionista foi diluída para 0,3%. O segundo golpe veio com a resolução quando deixou de haver esperança de recuperar o investimento no banco.

Apesar desta situação, a Rentipar, diz, apoiou a recapitalização pública até porque não havia alternativa, mas manteve em aberto a perspetiva de recuperar a participação, através da opção de recompra da posição do Estado, e durante algum tempo as ações até recuperaram em bolsa, destacou.

Sublinhou igualmente que, enquanto foi o maior acionista, a Rentipar sempre se preocupou em assegurar os rácios exigidos e participou nos esforços de recapitalização, até à ultima tranche realizada em 2013 por via da seguradora Açoreana. O investimento bruto realizado desde a fundação do banco por Horácio Roque ascendeu a 500 milhões de euros, ao longo de 24 anos.

Ex-gestor admite “tiro quase ao lado” na estratégia do Banif

E que correu mal no banco para obrigar à intervenção do Estado? Fernando Inverno assumiu um “mea culpa” em ta ao deputado Eurico Brilhante Dias do PS. O antigo administrador reconheceu que deveria ter havido uma inversão estratégica em 2008/9 quando rebentou a crise financeira.

Lembrou que 2007 foi o melhor ano de sempre nos resultados do banco, que ultrapassaram os cem milhões de euros. “Havia alguma vaidade com o sucesso“, lembrando ainda o espírito empreendedor de Horácio Roque. “Não foi logo sinalizado que se devia começar a fazer o “downsizing” do banco”. Confirmou ainda a aposta no mercado imobiliário numa altura em que o mercado estava a crescer muito o que trouxe créditos de risco mais alto. Foi o resultado de “um tiro quase ao lado” na estratégia do banco, concluiu.

Mas sublinhou ainda o impacto da crise financeira e económica em Portugal e as exigências acrescidas dos reguladores para explicar porque é que as necessidades de capital do Banif passaram de 400 milhões para o triplo em poucos meses.

O gestor desvalorizou ainda a dependência do financiamento do banco que representou cerca de 29% do total dos empréstimos da holding. Esses empréstimos foram sendo amortizados e seriam da ordem dos 70 milhões de euros quando o banco foi resolvido. E negou ainda que a intenção da operação cruzada de concessão de crédito entre o Banif e o Banco Espírito Santo tivesse como objetivo contornar limites prudenciais de financiamento dos bancos aos seus acionistas: a Rentipar e o Grupo Espírito Santo.

Fernando Inverno foi administrador da Rentipar até maio de 2013 e veio acompanhado pelo advogado André Luís Gomes conhecido por trabalhar com Joe Berardo. O gestor foi substituído por Teresa Roque da família acionista, mas foi ele a responder para já na comissão de inquérito ao Banif.