E se Harambe estivesse a proteger a criança? Esta é a teoria do reputado primatólogo Frans de Waal, que escreveu um texto para o El País a refletir sobre a decisão de abater o gorila de 200 quilos. O também professor de psicologia e escritor considera que Harambe misturou uma atitude confusa e protetora, que nunca culminou em violência aguda. A polícia já está a investigar a família e admite consequências judiciais.

“É-me difícil decidir o que deveria ter feito o zoo de Cincinnati no caso do bebé humano e Harambe”, assim começa o artigo. “Vendo os vídeos, tenho a impressão que a atitude de Harambe era principalmente protetora. Mostrava uma atitude mista de proteção e confusão. (…) Pôs-se diante do menino, segurou-o, moveu-o (arrastou-o) pela água (pelo menos uma vez com brusquidão), e voltou a colocar-se à frente dele. Boa parte da sua reação talvez tivesse sido provocada pelo ruído e gritos do público”, considera.

E continua: “Não houve nenhum momento de agressão aguda, como também reconheceu o diretor do zoo. Se o gorila tivesse querido matar o menino, podia tê-lo feito com um soco. As pessoas não têm noção da força sobre-humana dos gorilas. Mas não fez nenhum movimento que indicasse a sua intenção de matar”, escreveu, respondendo assim à acusação de que os gorilas são predadores, algo que se observou em alguns comentários no Facebook.

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O primatólogo lembrou ainda outros episódios semelhantes, embora com outro desfecho. Em 1996, um rapaz de três anos caiu de uma altura de quase oito metros e ficou à mercê dos gorilas, no seu território. Bianti, uma gorila com um instinto maternal apurado, pegou na criança, confortou-a e depois colocou-a num local mais apropriado para ser assistida pela equipa médica. Frans de Waal lembrou ainda outro caso no Reino Unido, no zoo de Jersey. Ou seja, quis demonstrar que as coisas foram resolvidas sem recorrer ao abate.

Mas o primatólogo deixa claro que compreende a decisão do diretor do zoo, que na altura não tinha acesso aos vídeos que surgiram depois. “Uma decisão destas deve ser tomada numa questão de minutos: não há tempo para ouvir opiniões diferentes ou para examinar provas visuais.” Ainda assim, de Waal assume que poderiam ter sido levadas a cabo algumas estratégias para mudar o destino desta história triste.

“Os tratadores poderiam ter distraído Harembe para o afastarem do menino. Podiam ter tentado atraí-lo com comida e pedir-lhe para fazer uma troca pelo menino (um procedimento que os símios entendem muito bem)”, explica. Podiam também ter afastado o público, isolando a área, criando um ambiente controlado e seguro. Em último caso, poderia ter sido atingido com tranquilizantes, algo que poderia ter um efeito contrário, avisa, enfurecendo o primata. Ou seja, “nenhuma destas opções oferecia uma solução adequada para o diretor se fiar plenamente”.

Visitantes do zoo de Cincinnati deixaram flores e mensagens em memória de Harembe

A polícia está a investigar a família do rapaz e admite consequências judiciais. Várias testemunhas foram também chamadas para ajudarem a montar as peças do puzzle. Este episódio gerou muito ruído nas redes sociais, exigindo a responsabilização da mãe por ter permitido que tal acontecesse, conta o Telegraph. Outros pedem que o zoo se responsabilize pela morte do gorila, ficando por saber o que isso significa — multa?

Como é que, afinal, o garoto caiu junto dos gorilas? Segundo elementos do zoo, o rapaz pulou uma grade com 90 centímetros, atravessou arbustos e mergulhou num fosso com quase cinco metros. Os responsáveis pelo zoo optaram pelo abate do animal de 200 quilos quando este agarrou Isiah, o rapaz, e o arrastou pela água, colocando em perigo a sua integridade física. Isiah ficou apenas com ferimentos ligeiros na cabeça e joelho.

“A mãe estava numa atração do zoo e perdeu o rapaz talvez por um minuto ou assim”, explicou ao Telegraph Ric Simmons, um professor de Direito Criminal da Universidade de Ohio, que considera difícil que se garanta uma acusação contra a mãe, pois já aconteceu a toda a gente uma situação semelhante.

Alguns visitantes do zoo de Cincinnati deixaram várias flores e mensagens em memória de Harembe, o gorila que foi morto.